
Assim como nos últimos anos se consolidaram em Caxias do Sul segmentos como o das cervejarias artesanais ou das hamburguerias gourmet, outro nicho começa a despontar no mapa gastronômico da cidade: são os cafés especiais, que atraem um público cada vez mais interessado em saber sobre procedência e processos de extração do grão, ao mesmo tempo em que experimenta as infinitas nuances do sabor da bebida.
Dentro deste ramo, o caxiense passou a dispor de opções diversificadas, que o atendem em diferentes momentos do dia, seja na pausa no trabalho ou em um momento de descontração com os amigos, degustando um café preparado por baristas tão especializados quanto entusiasmados em colocar em cada porção o seu conhecimento sobre cada terroir, como é chamado o conjunto de características que dão a singularidade de cada café.

– O café especial está num momento de ascensão no Estado. Porto Alegre já tem torrefações mais antigas, como a Baden e o Café do Mercado, que trabalham com o conceito de proporcionar experiências a partir da bebida, e Caxias vivencia uma fase de adaptação a este modelo de negócio. É uma cidade que sempre teve uma relação muito forte com as padarias e confeitarias, que têm o café como elemento de acompanhamento, mas também esses locais estão se adaptando a esta nova cultura que também traz um novo nicho a ser explorado – avalia o professor do curso de Gastronomia da UCS Israel Bertamoni.
Tal mudança de comportamento também é percebida pela chef de cozinha e empresária caxiense Gabriela Tonolli:
– Atribuo essa demanda crescente por cafés especiais à qualidade de produto que as pessoas estão buscando. O café tradicional, do dia a dia, está com um valor muito próximo ao do especial. E quem experimenta o especial começa a sentir notas de sabor, a apreciar a bebida de forma diferente, além de consumir algo mais sustentável e com uma história por trás de cada marca. Cada torrefação, cada terroir onde é plantado o grão vai ter uma característica específica. Tem uma linha de café para uma determinada comida, normalmente sobremesa, mas também há cafés para acompanhar comidas salgadas.
Foi com o pai, produtor de café no Espírito Santo, que Mariana Thomé aprendeu a diferenciar o café tradicional do especial, visitando agricultores capixabas e experimentando sabores diferentes daqueles aos quais estava acostumada – e que pouco a agradavam. Foi com a intenção de oferecer experiência semelhante ao público caxiense que Mariana fundou, como clube de assinatura, a Caffea. Seis anos após o lançamento, hoje a marca conta com duas cafeterias (uma no Centro, outra no bairro Madureira), enquanto o clube passou dos 15 membros iniciais para mais de cem assinantes que recebem, todo mês, um pacote que pode variar de 250g a um quilo de café.

– Vejo que o mercado está crescendo porque as pessoas passaram a ter mais conhecimento disponível, principalmente nas redes sociais. Tem muito mais conteúdos explicando as diferenças e dando a noção às pessoas sobre o produto que elas estavam consumindo e que um produto melhor não é tão inacessível – observa.
A Caffea foi também uma das primeiras marcas caxienses a fazer a torrefação, processo de torra do grão. Mariana explica que é neste processo que mais se diferencia o café comum do café especial:
– Todos os anos, mesmo que o produtor produza o mesmo café, da mesma forma, no mesmo local, ele vai ter um café diferente, pela influência do clima e das condições do solo. A torra que a gente faz aqui também vai mudar completamente o sabor da bebida. É onde eu posso trazer mais acidez, mais notas achocolatadas, mais adocicadas ou mais frutadas. Ao final, também é importante ter um bom barista, que vai saber espumar um cappuccino, fazer um bom café filtrado e permitir que o café chegue ao cliente com a mesma qualidade com que sai da torra.
Além da Caffea, em Caxias do Sul a Dude Company dispõe de um clube de assinatura e faz a própria torra do café, que pode ser consumido em diversas cafeterias da cidade e no espaço próprio da marca, o Beco do Dude, no bairro Petrópolis. Também em Caxias surgiu recentemente a marca 1º Ato Café Especial, torrefação voltada principalmente para o mercado virtual e para a venda em empórios.
Oportunidade para unir paixão com rentabilidade

O momento de expansão em Caxias do Sul também motivou empreendedores a apostar neste segmento como uma segunda atividade. A cafeteria La Donna Caffè, na Rua Garibaldi, surgiu do sonho de Thais Borne, que há quase 30 anos trabalha como cirurgiã-dentista no Sindicato dos Metalúrgicos, de ter seu próprio negócio. A paixão pelo mundo dos cafés especiais cresceu na medida em que Thais e o esposo, Eduardo, passaram a visitar fazendas no interior de Minas Gerais em busca dos melhores cafés para o seu público cada vez mais exigente.
– Além da excelência no produto, a gente gosta de comprar um café de agricultores que tenham uma pegada legal de sustentabilidade, que não utilizam fertilizantes químicos, que fazem compostagem orgânica, que utilizam energia fotovoltaica e mantenham a colheita manual. Mas o principal é o cuidado que a gente pôde perceber com as pessoas, que é o que mais faz a gente se identificar – conta a proprietária.

Um dos cafés mais requisitados na cafeteria, e também um dos mais caros, é o Jacu, que leva o nome da ave que faz a “curadoria” dos grãos, garantindo com sabedoria instintiva a melhor seleção.
– O Jacu atrai pela curiosidade, porque ele passou de praga da fazenda a trabalhador da fazenda. Porque ele só come o melhor grão, por isso sabe fazer a seleção mais perfeita. Os grãos, então, são coletados das fezes dele e processados. Quando acaba a época de colheita, quem comprou, comprou. Por isso é um dos mais caros – explica Thais.
Inovando em momento delicado

Com experiências bem sucedidas nos ramos de casas noturnas e de pizzarias, o sócio-proprietário do zero 54 e do Shelter Pizza Bar, Gustavo Gazzola investiu no ramo dos cafés especiais durante os dias difíceis da pandemia. A urgência em ter algum faturamento coincidiu com a sugestão que o amigo de infância, o empresário Pedro Horn Sehbe, havia recebido de colocar uma cafeteria de rua no térreo do prédio da Magnabosco. Nasceu assim, embaixo da escada da loja, de frente para a Rua Dr. Montaury, a Cup Heads Street Coffee.
Inspirado em tendências já consolidadas nos EUA, na Europa e em metrópoles latinas como São Paulo e Buenos Aires, a Cup Heads aposta principalmente no modelo em que o cliente pega seu café no balcão para levar. As quatro mesas dispostas na rua ficam mais ocupadas aos sábados, apenas. Gazzola vê o negócio consolidado e em evolução, ainda que tenha sido surpreendido quanto ao público-alvo e o horário de maior movimento que havia imaginado:

– Eu pensei que pegaria a gurizada dos colégios, do cursinho, da escola de inglês, por isso criei uma marca bem colorida. Mas não pegou junto a esse público. A clientela maior é quem está nos escritórios, os policiais da Civil, os próprios clientes da Magnabosco. Também quanto ao horário, queria pegar o pessoal que trabalha cedo, por isso começamos abrindo às 7h. Mas depois aprendi que a maioria das pessoas ainda toma o primeiro café do dia em casa, para só lá pelo meio da manhã vir à cafeteria. E o pico mesmo, durante a semana, é do meio-dia às 14h.
Um dos entraves para um crescimento ainda maior, segundo o empresário, é a sazonalidade, uma vez que o negócio depende da circulação de pessoas na rua. Por isso os sócios já trabalham em um projeto para o futuro que pode ajudar a expandir a marca com a simples abertura de uma janela.
– No verão, antes do início das aulas, cai muito o movimento nas ruas. E no inverno, quando é muito frio, também tem menos gente circulando. Como nosso espaço é pequeno e não temos como ampliar para receber as pessoas dentro da cafeteria, bolamos este projeto de abrir uma janela para dentro da loja (Magnabosco) – antecipa Gazzola.
Valorização do produto nacional

Primeiro negócio a ter os cafés especiais como um chamariz em Caxias do Sul, desde 2019 a Confeitaria Franceska Venzon, que leva o nome da proprietária, no bairro Cruzeiro, acompanhou o processo de educação do paladar do caxiense às iguarias produzidas em diversos estados do Brasil e selecionadas com olhar de curadores por Francesca e seu marido e barista, Alexandre Trindade.
Antes de ter o próprio negócio em Caxias, Alexandre e Franceska moraram no Canadá, nos EUA e na Inglaterra. Em Londres, principalmente, onde trabalharam com a venda dos seus doces em feiras de rua, viram o quanto os estrangeiros valorizam e se interessam por experimentar o café brasileiro. Quando retornaram ao Brasil, após o Brexit, foi já com a intenção de empreender no ramo dos cafés especiais e dos doces autorais.
– A gente queria agregar o café especial ao nosso negócio, valorizando o produto nacional. Trabalhamos com cafés da Bahia, do Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo. No início tivemos de fazer muita pesquisa para encontrar as melhores marcas. Hoje a gente trabalha bastante com o pessoal da 1º Ato, que faz a torrefação em Caxias e nos permite trocar ideias sobre os grãos, de acordo com a preferência dos nossos clientes – conta Franceska.

A proprietária avalia que a evolução do negócio acompanha o aprimoramento do paladar do público, que nos últimos anos passou a valorizar mais a experiência da degustação e de estar mais informado sobre o que consome e sobre o que ingere:
– Acho que as pessoas estão prestando mais atenção no que estão consumindo, de modo geral. No início, nossos clientes se incomodavam com o tempo um pouco maior que leva para servir o café especial, que é de cerca de seis minutos, desde moer o grão até ferver a água e passar, mas com o tempo elas foram se acostumando com isso. Hoje, sempre que a gente troca os grãos e posta no Instagram, o pessoal vem provar e trocar uma ideia conosco. O interesse está crescendo.