Como uma virose, os sintomas da crise econômica se espalharam pelo Rio Grande do Sul alterando hábitos, postergando planos e propagando ceticismo. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Index, que ouviu 2 mil pessoas em 30 municípios, oito em cada 10 entrevistados afirmaram ter sido obrigados a cortar despesas no último ano e 98,1% disseram ter sentido no cotidiano os efeitos da recessão.
O estudo foi realizado nos dias 11 e 12 de fevereiro e envolveu moradores de todas as regiões do Estado, de distintas faixas de renda, idade e escolaridade. Os resultados revelaram um cenário pessimista, com reflexos em todos os estratos sociais, inclusive nos mais bem remunerados - como no caso da família da advogada Eunice Casagrande, de Porto Alegre, que teve de rever gastos e redefinir prioridades.
Na avaliação de especialistas, o retrato indica o agravamento do quadro de deterioração da economia brasileira.
- Chegamos ao ponto em que ninguém mais está blindado. Os mais pobres sofrem mais, mas todos estão sendo afetados de alguma forma, em maior ou menor medida. É generalizado - atesta o economista Ely José de Mattos, da PUCRS.
Ao todo, 34,2% dos participantes da sondagem relataram aumento no custo de vida, 22,2% citaram casos de desemprego no ambiente familiar e 19,3% reclamaram de contas de consumo mais caras. Para 51%, as condições das finanças individuais pioraram.
A percepção, segundo Giácomo Balbinotto Neto, professor de Economia da UFRGS, tem respaldo em dados concretos. Em 2015, os preços dos alimentos, por exemplo, subiram 12,55% no Estado, conforme o boletim de janeiro do Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas da UFRGS. No mesmo período, o Rio Grande do Sul registrou a perda de 95,1 mil vagas de trabalho com carteira assinada. Isso sem falar na elevação das tarifas de energia elétrica e de tributos como o ICMS.
- Os dados mostram que o sentimento de perda é real. Não é por acaso que tanta gente foi obrigada a fazer cortes - diz Balbinotto.
Também não é à toa que metade dos homens e mulheres ouvidos na sondagem tenha optado por não fazer grandes investimentos neste ano, incluindo obras, estudos e viagens. A postura é motivo de inquietação.
- Isso é péssimo. Sempre se diz que, para sair da crise, o dinheiro precisa girar - adverte Caco Arais, diretor do Index.
Para o sociólogo José Luiz Bica de Melo, da Unisinos, o que mais preocupa é o clima de intranquilidade explicitado no levantamento. Ao economizar em itens básicos, como comida e vestuário, e postergar projetos pessoais, como reformas e viagens de lazer, as pessoas involuntariamente contribuem para aprofundar ainda mais o problema.
- As famílias estão angustiadas. Não estão vislumbrando saídas - lamenta Melo.
A sensação de que as coisas não andam bem se repete quando o assunto é o desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Nada menos do que 80,3% dos entrevistados disseram avaliar que o Estado está "parado" ou "piorando".
A inércia já vinha sendo detectada desde 2014 pelo Índice de Desenvolvimento Estadual-RS (iRS), elaborado a partir de uma parceria entre ZH e PUCRS. Segundo o economista Ely José de Mattos, criador do indicador, o Estado "vem patinando há anos", e as perspectivas de retomada são incertas.
- Como quebrar esse ciclo? Essa é a grande pergunta que todos nós fazemos. Infelizmente, ainda não existe uma resposta definitiva para isso - afirma Mattos.
Redefinição de prioridades nos gastos
Desde que começou a sentir os respingos da crise, no ano passado, a advogada Eunice Dias Casagrande, 47 anos, decidiu reunir a família, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para repensar as despesas domésticas e redefinir prioridades. Com renda familiar acima de 10 salários mínimos, Eunice faz parte do grupo que, segundo a pesquisa realizada pelo Instituto Index, sentiu mais o impacto da desaceleração da economia.
- Passamos a fazer uma profunda reflexão sobre o que realmente é importante. No fim, está sendo ótimo, porque aprendemos muito com isso e estamos dando mais valor para as coisas - diz a advogada, especializada em direito do consumidor.
Eunice não chegou a impor restrições radicais às filhas Raphaela, 11 anos, e
Manoella, 21 anos, mas propôs mudanças. Por exemplo: os livros escolares da caçula, aluna do Colégio Bom Conselho, foram adquiridos em um brechó organizado pela instituição. Como já eram usados, foi possível economizar cerca de R$ 800 nas compras.
A primogênita também contribuiu para melhorar a contabilidade familiar. Prestes a se formar em Publicidade e Propaganda na ESPM-Sul, Manoella concordou em substituir a festa de formatura por um jantar com a família e pela promessa de fazer uma viagem a Portugal.
- Dá para redirecionar o dinheiro para gastar nas coisas que a gente quer muito. Abri mão da festa porque prefiro viajar. É uma experiência para a vida - explica Manoella.
Atitudes desse tipo são aprovadas pelo educador financeiro Adriano Severo, professor da Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciência (Fundatec). Ele conta que, em 2015, a procura pelos seus serviços de consultoria aumentou 57%. A maioria dos casos foi de pessoas afetadas pela crise, que buscaram apoio para reequilibrar as finanças.
- É importante reduzir despesas, pesquisar preços e tentar separar uma quantia mensal para guardar em caso de necessidade. Às vezes, basta mudar alguns hábitos para ter mais tranquilidade - afirma Severo.
Caderninho para controlar despesas
De olho nas despesas desnecessárias, a advogada Eunice Casagrande decidiu adotar um caderninho branco, que passou a carregar consigo para todos os lugares, dentro da bolsa. Nas páginas da caderneta, ela registra os gastos da família - sem deixar de fora nem mesmo os centavos.
- Até o ano passado, não sabia ao certo para onde ia o dinheiro. Recebia, pagava contas, gastava, mas não fazia o controle. Agora faço. Está funcionando muito bem - diz Eunice.
Assim, quando percebe que está gastando muito com almoços na rua, prioriza as refeições em casa. O mesmo vale para as filhas, mas elas não reclamam.
- Com a mãe é fácil negociar. Difícil mesmo é convencer o pai - brinca Manoella.