A crise derreteu vagas nos segmentos metalmecânico, siderúrgico e de petróleo, que representam cerca de um terço dos empregos na indústria de transformação do Estado. São 53,8 mil empregos a menos em 12 meses. É o equivalente à população de municípios como Nova Prata e São Sebastião do Caí somadas. Além da quantidade, são profissionais qualificados, com bons salários. Um segmento promissor encolhe e reduz a renda.
Há dados consolidados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) organizado pelo Ministério do Trabalho até o mês de outubro. Levantamento feito com os principais sindicatos do Estado - com demissões até 10 de novembro - indica que a abrasão, principalmente na metalurgia, predominante entre os três segmentos no Rio Grande do Sul, pode ser ainda maior.
O fechamento da fábrica de motores MWM, em Canoas, há duas semanas, é o episódio mais recente da crise vivida pelo setor no Estado. Parte dos 600 trabalhadores foi demitida e a outra deve ser dispensada até fevereiro, quando a empresa interromper o fornecimento para a General Motors (GM) e encerrar as atividades no Estado.
Entre as centenas que perderam o emprego nos últimos dias está Ênis Machado, 32 anos - 12 dos quais na MWM.
O metalúrgico trabalhava na linha de caminhões, a primeira a ser desativada. De 36 profissionais, ficaram três, que devem ser mantidos até dezembro. A dispensa, conta Machado, era esperada porque se sabia que a crise ameaçava desde o rompimento de contrato da fábrica com a GM, principal cliente.
- Só tenho a agradecer pelo que aprendi lá dentro. Entrei para ficar três meses, passei 12 anos. Agora, é largar currículo e procurar um novo trabalho. Parado é que não dá para ficar - conta, esperançoso em encontrar alguma vaga nos próximos meses, apesar do pessimismo das projeções econômicas.
Analistas costumam considerar o emprego como o último vagão do trem da economia, porque costuma responder de forma mais lenta a incentivos político-econômicos e é o último a descarrilhar em caso de crise.
Foi o que ocorreu em 2014. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação pioravam, a taxa de desemprego se manteve a mais baixa registrada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao longo de 2015, no entanto, os reflexos da recessão começaram a aparecer de maneira contundente no mercado de trabalho gaúcho.
Em 12 meses, o desemprego na Região Metropolitana saltou de 4,9% para 7,37% da população ativa, mas o cenário tem piorado de forma drástica nos últimos meses.
- O rápido avanço do desemprego não se deu por pressão demográfica (mais trabalhadores no mercado), mas basicamente pela destruição da vagas, a maior parte na indústria. Como a geração de empregos nos últimos anos foi concentrada em centros organizados, e não "interiorizada", como poderia ser, é esperado que a perda de vagas seja mais expressiva nessas regiões - explica Anselmo Santos, professor do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp).
Com altos custos trabalhistas, as grandes indústrias têm testado estratégias para evitar demissões, como banco de horas (o funcionário trabalha menos dias por semana e compensa quando a demanda voltar a crescer) ou layoff (suspensão do contrato de trabalho por até cinco meses), mas as de pequeno porte, com margens menores de lucro, ficam mais expostas à crise, afirma Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
- O encolhimento da indústria é impressionante levando em conta, principalmente, o curto tempo. Foi de longe o setor mais afetado, e não há perspectiva de melhora no curto prazo. As demissões devem diminuir de ritmo agora, mas não há garantias de que chegamos ao ponto mais crítico - avalia Gomes de Almeida.
Apesar de o número absoluto de desempregados da indústria ser maior em cidades maiores, como Porto Alegre e Caxias do Sul, a crise afeta especialmente municípios de menor porte, como Charqueadas. Entre setembro de 2014 e 2015, a cidade de pouco mais de 35 mil habitantes perdeu 26% dos empregos na indústria, recuo que representou mais de 15% de encolhimento na quantidade de empregos na cidade.
- O fim do Polo do Jacuí foi um grande soco no estômago. Mas outras empresas, que não estavam relacionadas diretamente à cadeia produtiva, também estão demitindo ou foram embora. Tivemos um início de ano ruim e as coisas só foram piorando - lamenta Jorge Luis Silveira de Carvalho, presidente do sindicato de metalúrgicos da cidade.
Dúvida cerca cenário de curto prazo
O cenário dos próximos meses é confuso não apenas para os trabalhadores, que temem a perda do emprego, mas também para especialistas que acompanham o ritmo do mercado de trabalho a partir de suas planilhas. A grande dúvida é saber quanto das demissões deste ano antecipa a perspectiva de recessão também em 2016 ou se a redução na atividade ainda vai gerar mais dispensas.
Entre sindicalistas, a palavra mais citada é "preocupação", mas não há consenso. Claudecir Monsani, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul é um dos mais otimistas. Ressalta que, apesar do fechamento de postos de trabalhos na região, ainda há abertura de vagas em alguns locais, mesmo que em menos volume e com salários menores. Para Valcir Ascari, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, a crise "ainda nem começou", "ainda mais com um programa de ajuste fiscal pela frente."
Grave ou gravíssimo, o corte de vagas nas fábricas hoje mostra uma mudança profunda no mercado de trabalho. Reduz as opções de escolha dos empregados.
- Antes, o metalúrgico trocava mais de emprego. Se não estava satisfeito com a empresa ou recebia uma oferta um pouco maior, trocava. Agora não. Na dúvida, permanece no trabalho atual - conta o diretor do sindicato de Porto Alegre,Rafael Moretto.
Professor de economia da PUC-Rio, José Márcio Camargo lembra que a taxa de desemprego sobe e cai lentamente. A resposta do mercado costuma ocorrer de forma lenta porque é difícil demitir e contratar.
- Devemos chegar a uma taxa de desemprego no final de 2015 próxima a 8% da força de trabalho, e a tendência é de continuar em alta. Já os salários, considerando essa aceleração da inflação, devem ter uma queda real de 4%. Vamos acabar chegando, no final de 2016, a uma taxa próxima de desemprego a 11% se o governo persistir na tarefa de corrigir os erros cometidos no passado - avalia Camargo.
O desânimo não é só de funcionários. Empresários veem com pessimismo o ritmo da economia. Gilberto Petry, presidente do Sindicato da Indústria Metal Mecânica e de Material Elétrico, afirma que a indústria não chegou ao fundo do poço e prevê mais demissões em 2016.