Três meses após as primeiras altas, o que era uma sensação se transformou em certeza: o dólar acima de R$ 2 veio para ficar.
Os efeitos do preço mais caro da moeda - antes sentidos apenas pela indústria - já chegaram ao bolso do consumidor brasileiro, e o impacto não é pequeno.
O avanço da moeda americana começou tímido no fim de abril, mas ganhou força em maio após o ministro da Fazenda, Guido Mantega, minimizar a importância do câmbio no combate à inflação. A variação, que já chega a 12,69% no período, obrigou o Banco Central (BC) a rever a sua posição sobre a influência do câmbio nos preços.
Os alimentos derivados do trigo são os mais afetados até o momento. O pãozinho subiu quase 4% entre maio e junho e a variação pode chegar a 20% em julho.
Impactados pela decisão do governo argentino de suspender a exportação do cereal -para atender o mercado interno e evitar ainda mais a inflação -, os panificadores gaúchos se viram obrigados a importar de países mais distantes, como Estados Unidos e Canadá. O frete e o dólar mais caro impulsionaram o preço da tonelada: era R$ 450 um ano atrás e saltou para R$ 1 mil.
- A expectativa é de que só voltemos a comprar da Argentina em janeiro de 2014. Enquanto isso, o preço vai continuar nas alturas. Vários moinhos no interior do Estado estão parados devido ao custo alto de produção. Se o dólar valorizar mais, a situação pode ficar ainda mais complicada - alerta Arildo Bennech Oliveira, presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan/RS).
Eletroeletrônicos também estão menos em conta. Como boa parte dos componentes empregados na produção nacional é importada, o reflexo nos preços é rápido.
Indústrias de calçados e de móveis são beneficiadas
De acordo com o presidente-executivo da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Lourival Kiçula, os consumidores já desembolsam de 10% a 20% a mais para comprar televisores, tablets e celulares.
Mesmo os produtos da linha branca, em grande parte produzidos no país, não escaparam de reajustes. O aumento do aço, matéria-prima de compressores, chapas e motores, encarece a produção da indústria, que repassa ao consumidor o aumento de custos.
Além disso, o preço dos produtos sentiu a recomposição - para cima - do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Mas há quem comemore a alta do dólar. Setores que sofriam com a falta de competitividade no mercado internacional devido à valorização do real têm agora uma oportunidade de retomar negócios. A indústria calçadista é uma delas. Em um mês, o número de pares de sapatos exportados cresceu 10%. A torcida do segmento é que a moeda continue apreciando.
- O ideal é que chegue a R$ 2,40. O aumento nos embarques mostra o quanto nossa indústria estava pressionada pelo câmbio abaixo de R$ 2 - afirma Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
O setor de móveis também aproveitou o momento para ampliar as vendas. Com avanço de 5,5% em maio e 2% em junho, o Rio Grande do Sul voltou a ser o Estado que mais exporta no país.
Apesar da falta de consenso entre importadores e exportadores sobre o patamar ideal do dólar, empresários concordam com uma coisa: a instabilidade cambial torna as negociações mais difíceis.
- Quem fecha contrato com prazo de pagamento para 180 dias tem que ter coração forte. É assinar os papéis e rezar bastante para não perder dinheiro -resume Lourival Kiçula, da Eletros.
Forte variação do câmbio leva a mudança de discurso
De início o Banco Central (BC) pareceu não dar muita bola. Logo que começaram as movimentações mais bruscas do dólar, diretores da instituição afirmavam que a oscilação tendia a ser de pequena magnitude e que o repasse aos preços seria atenuado. Três meses depois, o discurso é outro.
Em entrevista recente, o presidente do BC, Alexandre Tombini, disse que uma escalada do dólar a R$ 2,40 elevaria o índice de preços em um ponto percentual, o que seria, segundo o dirigente, "um caminhão de inflação".
Com o dólar valendo mais, os produtos trazidos de fora ficam mais caros quase imediatamente e a exportação se torna mais atraente ao produtor, que prefere vender para outros países. A menor oferta no mercado interno faz o preço nas prateleiras subir. Por isso, a oscilação da moeda é considerada mais um complicador que o governo tem de enfrentar para manter os preços sob controle.
- O câmbio irradia nos preços muito mais do que a taxa de juros. Enquanto o dólar deixa os produtos mais caros em poucos dias, os juros demoram três meses para ter efeito na economia - explica Sidnei Moura Nehme, economista e diretor-executivo da NGO, corretora especializada em câmbio.
Apesar das interferências do BC, que desde abril já fez mais de uma dezena de leilões de títulos vinculados à moeda americana, e do Ministério da Fazenda, que zerou alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras, o dólar não dá sinais que irá ceder.
A expectativa de analistas é de que o câmbio termine o ano em R$ 2,30. Há sete meses, a projeção era R$ 2,08.
- O cenário é outro, todos já perceberam. Até o (ministro da Fazenda, Guido) Mantega - avalia Nehme.