Os ponteiros do relógio não tinham marcado 10h e o transportador de animais Milton Oyarzabal já estava com carne no fogo. Suculentos pedaços de vazio, linguiça calabresa e pimentão verde repousavam sobre uma grelha em cima de um braseiro, no meio dos estandes da Expointer 2024, em Esteio. À medida em que os pedaços ficavam prontos, ele beliscava, oferecendo também aos visitantes.
— É o nosso café da manhã. Saco vazio não para em pé — justifica Oyarzabal, que veio de Jaguari, na Região Central, no início da feira e ficará até a última hora da edição deste ano, a 47ª, que termina neste domingo (1º).
Oyarzabal e outros três são responsáveis pela logística de trazer até a Grande Porto Alegre seis touros e vacas ultrablack, uma variedade formada pelas raças brangus e angus. Como o nome indica, os animais são todos pretos, não muito grandes, mas famosos pela carne saborosa. Não aqueles que estão na Expointer, lógico, porque se destinam à reprodução.
Boina basca na cabeça, pilchado, ele é retrato dos homens anônimos que fazem funcionar a feira. Movidos a churrasco, tradição gauchesca e música campeira.
O odor de carne assada e pão com alho, aliás, se faz onipresente no parque de exposições. A gauchada que deixa os animais prontos para brilhar, com pelo escovado e alfafa à vontade, se espelha nos legítimos homens do campo, cujo desjejum é churrasco malpassado com nacos de pão ou mandioca fria, regados com café de cambona (passado na própria chaleira artesanal), com leite tirado da vaca na hora ou sem ele. É que a lida pesada com animais exige proteína desde cedo no dia. Não deixa de causar espanto aos visitantes a Expointer, em sua maioria pessoas urbanas, pouco acostumadas com a lide pastoril.
As filas são uma constante na Expointer 2024. Para estacionar o carro, para ingressar nos 15 portões. Desde as 8h o movimento começa a aumentar. Por volta das 9h30min, a aglomeração em frente às principais entradas era grande, assim como o congestionamento de carros para os estacionamentos, a maior reclamação dos frequentadores do parque este ano.
Mas existem também filas "do bem". São as que se formam para observar as grandes atrações da feira, sobretudo os animais. E grande é definição precisa para o bicho que atrai a maioria dos olhares este ano, o touro Hudson, um gigantesco exemplar da raça limousin que levou prêmio de mais pesado da feira. Com seus 1.450 quilos, ele pesa quase o equivalente a dois Fuscas ou a uma pick-up Fiat Toro.
Hudson, de uma cabanha de Cachoeira do Sul, tem cinco anos e levou o prêmio pelo segundo ano consecutivo. A curiosidade é ainda maior porque o animal protagonizou há dois dias uma briga com outro grande macho, o Bortolozzo, da raça polled hereford. Filmado, o duelo de titãs viralizou nas redes e foi responsável por filas para ver o campeão, neste último dia da 47ª edição da feira.
Passear pela Expointer é, sobretudo, oportunidade para aprender um pouquinho do cotidiano da pecuária. Um dos pavilhões mais visitados é o dos zebuínos. O que poucos sabem e tomam conhecimento, ao chegar, é que zebu é o nome genérico para várias raças de gado com corcovas, oriundas do sudeste asiático. É o caso dos brahman e nelore, indianos, cujo tamanho assombra os visitantes. Essas raças são também as mais usadas no churrasco dos brasileiros, em sua maior parte exemplares criados em fazendas do Centro-Oeste. Já no Sul os cortes mais apreciados são os hereford (pelagem vermelha e branca) e devon (avermelhado), assim como no vizinho Uruguai. Tudo isso o frequentador do parque fica sabendo, entre goles de mate pela manhã ou cerveja antes do almoço.
O visitante pode ingressar na Expointer até 20h30min deste último dia.
Pioneiro da Expointer
Passear pelas ruelas do parque de exposições em Esteio é também deparar com personagens mais do que interessantes. É o caso de Roberto Garcia Fraga, chefe de uma turma de garçons que se desdobra em regalar visitantes com churrascos ao ponto e comida campeira da melhor qualidade. Acontece que ele é também um dos pioneiros da Expointer. Serve refeições às autoridades desde a quinta edição da feira, quando era um jovem de cabelos pretos. Hoje grisalho, recorda do primeiro presidente do Brasil para quem regalou uma picanha ao ponto: João Figueiredo, general e último mandatário da ditadura militar. Isso em 1980.
— Antes de servir eu tive de passar por uma revista. Todos nós. Fiquei nu, fui examinado e me devolveram as roupas, antes de poder fazer meu serviço. Eram tempos rigorosos, eles tinham medo de algum atentado. Eu usava a faca para cortar a carne e tinha de entregar a um PM do meu lado, vigilante. Depois repetia o procedimento. O presidente foi muito gentil. Estavam também com ele o cardeal Vicente Scherer e o governador Amaral de Souza — recorda.
Fraga lembra que a Expointer começou no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, até que Fernando Kroeff (fazendeiro e patrono do Grêmio) cedesse terras em Esteio para que a feira agropecuária ganhasse um local mais amplo. De início, tinha a metade do tamanho e do público que tem hoje.
— Mas os churrascos já eram para 4 mil pessoas, quando vinha autoridades. Servi a todos eles: Lula, Dilma, Bolsonaro. Conversei com o vice-presidente Mourão — salienta Fraga, orgulhoso.