A realização da edição deste ano da Expointer, em Esteio, na Região Metropolitana, tem levantado questionamentos e divergências entre governo do Estado, entidades da área e profissionais da saúde. Em meio à pandemia causada pelo coronavírus, há receio de que o evento acabe gerando aumento no número de casos da doença, ao mesmo tempo em que é visto como uma forma de ajudar na retomada da economia do RS.
Em live realizada na quinta-feira (11), o governador Eduardo Leite afirmou à colunista de GaúchaZH Gisele Loeblein que há confiança de que, com a mudança de data, a feira "poderá acontecer sem oferecer riscos". Leite acrescentou que, como é preciso preparar o evento, a determinação é que se proceda com a organização. Prevista para ocorrer entre 29 de agosto e 6 de setembro, a data pode sofrer alteração.
No entanto, segundo Leite, se houver agravamento da situação, o governo não terá "problema em fazer o cancelamento".
— Não vamos forçar a barra para fazer uma feira sem ter segurança para a população.
Conforme o secretário estadual da Agricultura, Covatti Filho, a pasta mapeou os processos necessários para a realização do evento e encaminhou para a secretaria da Saúde, que irá dizer os protocolos de proteção e de contingência a serem adotados, na tentativa de evitar o contágio entre os participantes da feira.
— Neste momento, trabalhamos para que a feira ocorra. Estamos fazendo todos os esforços para que aconteça, mas sempre iremos primar pela saúde de todos que irão comparecer — afirma Covatti.
Entre as possíveis medidas a serem adotadas, estão a restrição do público diário de visitantes, a medição da temperatura de quem entra no Parque de Exposições Assis Brasil e a instalação de túneis de desinfecção. O formato exato ainda é estudado pela Secretaria da Saúde.
É a área da saúde que deve analisar também qual a melhor data para a edição. Segundo Covatti, a pasta da Agricultura pediu que o início da feira seja no mês de setembro, o que será analisado.
Prefeito de Esteio, Leonardo Pascoal afirma que o cenário é observado com "muita cautela" e que vem dialogando com entidades e governo.
— É claro que todos gostaríamos de ver a feira acontecer, mas não temos ainda nenhuma segurança de que possa ser realizada. O município tem que estar seguro.
Para o prefeito, há dois pontos a serem considerados. O primeiro é de que não se sabe qual será o cenário da doença no país nos próximos meses. O segundo é que existem datas-limite por parte dos agentes da feira para que o evento se realize.
— Se torna pouco interessante para alguns setores, por exemplo, realizar a feira durante o plantio do produtor, porque há grande chance de ele não comparecer. Se cogita adiar o evento por um mês, no máximo, como prazo limite, e isso já traria grandes prejuízos. E, mesmo adiando, talvez não existam benefícios na questão sanitária — pondera.
Segundo ele, existe a chance de que a edição deste ano seja cancelada.
— É uma possibilidade que cresce cada vez mais. Claro que não gostamos disso, mas é uma opção que vem se tornando mais forte.
Presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no RS (Simers), Claudio Bier observa que o ideal seria manter a data original, mas entende as razões de uma possível alteração.
— No entanto, o nosso setor tem um limite para participar do evento. Se a data for muito para frente, cai na época do plantio, e os agricultores não irão deixar de plantar para irem olhar as máquinas — avalia.
O prazo máximo, segundo ele, se estenderia para que a edição termine nos primeiros dias de outubro. Outra preocupação é em relação à limitação do público.
— Há o grupo de pessoas que encara a feira como um passeio, como o (grupo) da Grande Porto Alegre, que é muito bem-vindo, mas há o que mais nos interessa, que é o produtor, que vem para investir em máquinas. É importante pensar em como será feita essa limitação, para não prejudicar as vendas, porque há um custo alto para participar de evento.
À frente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Gedeão Pereira afirma que a entidade aguarda os próximos desdobramentos em relação ao evento. Apesar de ser contra a mudança de data, a Farsul entende que, diante da pandemia, o evento é arriscado.
— Se a data for transferida, pode coincidir com outras feiras do Interior. Isso é ruim para a pecuária, por exemplo, porque o maior faturamento desse setor ocorre no Interior, e não na Expointer.
— Vemos com grande receio e com dificuldade essa realização. Me parece irresponsável realizar uma Expointer com público. Se continuarmos em um cenário com tantos casos, eu mesmo não sei se participaria ou se conduziria o setor a participar. Se os números que vemos agora, que crescem todos os dias, se mantiverem nos próximos meses, o cancelamento me parece o mais razoável.
Conforme o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Epidemiologia Paulo Petry, as previsões em relação aos números da doença no país “não são animadoras” e a melhor opção seria cancelar a edição. Ele ressalta que, após a flexibilização do distanciamento social, houve aumento de casos no Estado.
— Infelizmente, acho que não é o momento (para a realização da feira). Quando a gente dependo do comportamento das pessoas, é sempre mais difícil. Ainda que se adotem medidas de controle durante o evento, que são válidas, muita gente não respeita, não acha importante. Mesmo que o que tenhamos sejam apenas estimativas do que irá acontecer nos próximos meses, não há a menor dúvida de que a nossa curva é ascendente.
Professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alexandre Zavascki também acredita que o cancelamento da edição é a melhor opção.
— No meio de uma pandemia crescendo no Estado, a exposição não deveria nem estar sendo considerada. Por mais tradicional e importante para a economia que seja, não é o momento para nenhum tipo de feira ou evento. Não temos perspectiva de que a curva vá diminuir no curto prazo, e o caminho para o retorno à normalidade é muito longo. É preciso considerar que nem sequer chegamos ao pico da doença ainda.
Para Zavascki, mesmo com as medidas de controle, o evento ainda representa um alto risco a saúde.
— A própria questão da aferição de temperatura é uma medida que tem baixa eficácia, é uma falsa segurança. Controlar a higiene das mãos de uma multidão, por exemplo, é algo muito complicado.