A nuvem de gafanhotos que paira no céu argentino e pode se deslocar rumo ao Rio Grande do Sul não é um fenômeno novo. Há relatos desse acontecimento em diversos locais do mundo, inclusive aqui no Estado.
Embora não seja novidade, o que chama a atenção desta vez é o tamanho do bando. De acordo com Ricardo Felicetti, fiscal estadual agropecuário e chefe do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura, estimativas apontam que a nuvem teria 10 quilômetros de extensão.
— Nesta situação, o peculiar é a proximidade com o Rio Grande do Sul, sua extensão e o impacto visual que ela causa. Sobre números de gafanhotos, as estimativas são muito imprecisas, mas podemos falar em milhões — garante.
A espécie que ameaça passar pelo Estado, conforme especialistas, é a Schistocerca cancellata, que tem algum grau de parentesco com outras espécies conhecidas por atravessarem o Oceano Atlântico vindas da África. Conforme a pesquisadora entomologista associada ao Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Kátia Matiotti, que é taxonomista em gafanhotos, a última invasão de Schistocerca cancellata em solo gaúcho ocorreu entre 1946 e 1948, antecedida por outra, datada entre 1932 e 1933. Por onde passaram, deixaram estragos nos cultivos de milho, arroz, trigo e cana de açúcar.
Em 1947, com o intuito de controlar as pragas, a aviação agrícola teve início no Brasil. Segundo foi documentado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), o primeiro voo ocorreu em Pelotas na tentativa de combater os gafanhotos.
Depois disso, acrescenta Kátia, há registro de outro ataque, sem tantos impactos, no noroeste gaúcho, em 1986. Dessa vez, da espécie Rhammatocerus pictus. Passo Fundo e Júlio de Castilhos também presenciaram a invasão dos insetos entre 1999 e 2000. Em Júlio de Castilhos, eles causaram prejuízos nas lavouras de soja.
Na Argentina, um programa centenário desenvolve estratégias para combater e reduzir os impactos da praga. No site do Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar da Argentina (Senasa), há informações sobre o início da situação atual. De acordo com o órgão, os insetos entraram via Paraguai, originando os primeiros alertas em 11 de maio.
Quem são esses insetos?
Voando cerca de 150 quilômetros por dia e depositando no solo de 80 a 120 ovos, os Schistocerca cancellata têm como característica o fato de serem migratórios. Soma-se a isso, o comportamento gregário, ou seja, de andar em bandos.
— O gregarismo é uma resposta à característica da genética da espécie, interagindo com características do ambiente e do clima. Nessas condições, há o favorecimento do autocrescimento — explica o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Ivo Pierozzi Júnior, que já desenvolveu projetos com gafanhotos há alguns anos.
Esses gafanhotos, acrescenta Kátia, têm uma mandíbula muito robusta, o que lhes permite consumir com uma folha em questão de segundos.
— Imagina uma nuvem com milhões? — questiona a pesquisadora.
Os Schistocerca cancellata podem medir até 4cm, no caso de um macho, e até 6,3cm, entre as fêmeas, segundo a entomologista.
Há riscos?
Apesar de não oferecerem perigo à saúde humana, os gafanhotos são altamente prejudiciais às lavouras. Felicetti destaca que eles são vorazes pelos alimentos vegetais e colocam em risco, principalmente, as lavouras permanentes de oliveiras, as hortaliças e, eventualmente, as de trigo, aveia e cevada.
Por que isso acontece?
Além de viverem em bando, os gafanhotos encontraram, ao longo do seu trajeto, condições favoráveis: tempo seco e quente, vento e alimento. Passaram comendo o que viram pela frente, como milho, cana e mandioca, aumentando a preocupação de autoridades gaúchas.
Para além do cenário propício, esses insetos não encontraram inimigos naturais em razão do excesso de agrotóxicos nas plantações, ressalta Kátia.
— Com a aplicação desses produtos há desequilíbrio e gera a ausência de seres que controlam os gafanhotos, como pássaros, sapos, fungos e bactérias — critica.
Por outro lado, de forma bem generalista, essa espécie de gafanhotos é conhecida pelo comportamento de ocorrer em períodos de 30 a 50 anos:
— As pessoas que estão olhando hoje não tiveram a vivência do passado, tudo é novo. Com olhar de pesquisador, vemos os fenômenos de forma mais ampla e histórica. Sabemos que já ocorreu — complementa Pierozzi Júnior.
Tem como controlar?
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, o secretário da Agricultura do RS, Covatti Filho, afirmou que há um trabalho conjunto da pasta com o Ministério da Agricultura para monitorar a movimentação da nuvem que, agora, estaria perto de Uruguaiana, mais próxima do Uruguai.
Os órgãos também estão estudando quais são os defensivos que podem ser utilizados nesses casos.
— As medidas de combate são os pulverizadores aéreos e terrestres, mas é complicado de executar, pois a revoada tem como estratégia a dispersão — complementa Felicetti.
Kátia acredita que, pelo volume de insetos, se as condições climáticas não mudarem e eles vierem rumo ao Estado, não haverá tempo hábil para contê-los.
— Não tem o que fazer para não atacarem as plantações. A longo prazo, a recomendação é não usar agrotóxicos excessivamente, pois isso que afasta inimigos naturais desses insetos. Vamos torcer para que não cheguem aqui, pois, se chegarem, vai ser um estrago.
A única garantia de contenção dos gafanhotos, finaliza Kátia, é uma mudança brusca do clima, com queda de temperatura e muita chuva. Ainda assim, isso apenas dispersaria a nuvem.