Com o novo marco regulatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre avaliação dos riscos à saúde vinculados a agrotóxicos, agricultores, agrônomos e demais aplicadores encontrarão os produtos com rótulos e informações preventivas diferentes nos próximos anos. O novo padrão aumenta o número de categorias de classificação toxicológica das atuais quatro para seis, definindo como “extremamente tóxico” ou “altamente tóxico” apenas os itens letais ao ingerir, inalar ou em contato com a pele. No regramento anterior, artigos que causavam lesões graves na pele e nos olhos também entravam nesse grupo.
Desde a publicação da norma no Diário Oficial da União (DOU), na última quarta-feira (31), os fabricantes de químicos no Brasil têm um ano para adotar o novo sistema, que segue os moldes do GHS (nome da sigla em inglês para Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos), desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A Anvisa argumenta que a metodologia torna os rótulos mais claros para o produtor, destacando os riscos de cada item. Seguir um modelo atualizado e reconhecido internacionalmente também está entre os argumentos do órgão para a medida. O diretor-adjunto da Anvisa, Bruno Rios, afirma que a classificação tem de ter o máximo de informações sobre o que o consumidor está comprando e utilizando no campo:
— Queremos que a comunicação com o agrônomo e com o agricultor, que irão de fato aplicar o produto, seja mais direta e objetiva. E que saibam exatamente com o que estão tratando, porque muitas vezes utilizam um produto e desconhecem o risco que correm.
A agência admite que a mudança dos itens “extremamente tóxicos” ou “altamente tóxicos” pode diminuir o número de produtos dentro desses grupos, pois os artigos que não são letais quando ingeridos, inalados ou em contato com a pele serão enquadrados em outra faixa.
No entanto, o diretor-adjunto não vê esse ponto como negativo:
— Teremos redução no número de produtos extremamente tóxicos no mercado, mas isso não quer dizer que o produto alterou sua toxicidade. É só uma questão de comunicação do risco do produto. Essa é a diferença.
Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), José Otávio Machado Menten afirma que o novo modelo não vai provocar problemas de interpretação aos consumidores, pois a maioria dos aplicadores já está acostumada com os defensivos e responde bem a ações de conscientização:
— Muitos grandes e pequenos produtores estão razoavelmente bem informados, sabem do perigo desses produtos. Um exemplo é que hoje o Brasil é líder mundial na destinação de embalagens vazias. Coisa que a sociedade urbana ainda não sabe fazer.
Preocupação com os pequenos produtores
Marcelo Arbo, professor de toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem avaliação diferente. Para ele, o pequeno trabalhador rural deverá ser afetado pela mudança do padrão porque, ao contrário dos grandes produtores, geralmente ele mesmo aplica manualmente o químico sem ter a real dimensão do perigo.
Arbo concorda que a nova rotulagem conta com mais informações, mas destaca o risco de haver dificuldade de interpretar os dados de maneira clara.
Mudar a forma de olhar para um agrotóxico não elimina o fato que esses produtos são tóxicos à saúde humana e poluem o ambiente. Não é simples assim, mudar apenas a forma de rotulagem.
IRAN MAGNO
Especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil
— Apesar de a norma e a regulamentação dizerem que as pessoas têm de utilizar macacão apropriado, bota, luva, máscara, óculos, sabemos que na prática não é assim. Eles (os agricultores) vão aplicar no sol, no calor e a roupa é desconfortável, quente. Assim, acabam não tomando o cuidado necessário, se expondo muito mais do que deveriam ao produto — diz o professor.
Na mesma linha da Anvisa, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) afirma que a mudança “atualiza e deixa mais claros os critérios de avaliação e de classificação toxicológica dos defensivos agrícolas no Brasil”. Durante as consultas públicas sobre a proposta, o sindicato participou do debate.
— A Anvisa, ao adotar o GHS, propicia a consolidação e faz uma convergência regulatória internacional. O GHS tem a proposição de trazer harmonização na classificação e rotulagem, com frases de advertências e alertas para fins de comunicação de perigo real daquele produto. Essa comunicação será facilitada, principalmente para aquele que utiliza o produto — considera Andreza Martinez, gerente de assuntos regulatórios do Sindiveg.
Especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil, Iran Magno critica o novo critério da agência. Para ele, a mudança visa apenas a rotulagem dos produtos, deixando de lado o debate no entorno dos danos causados pelos agrotóxicos ao resto da população e ao ambiente:
— Mudar a forma de olhar para um agrotóxico não elimina o fato que esses produtos são tóxicos à saúde humana e poluem o ambiente. Não é simples assim, mudar apenas a forma de rotulagem.
Magno afirma que o novo critério usado para definir produtos “extremamente tóxicos” ou “altamente tóxicos” é uma simplificação e não deixa claro os problemas crônicos causados pela exposição a esses agentes.
Símbolo controverso
No modelo anterior, o rótulo de todas as quatro classes de toxicidade carregavam o símbolo de uma caveira junto da frase “cuidado veneno”.
No novo modelo, que já começou a valer, a caveira será usada apenas nos itens considerados “extremamente tóxicos”, “altamente tóxicos” e “moderadamente tóxicos”.
Iran Magno, especialista do Greenpeace Brasil, diz que o símbolo ajudava a alertar os consumidores sobre o real perigo desse tipo do artigo:
— Esse é um dos principais meios de informação, claro e rápido. Não entendemos que, com a retirada, será fácil de traduzir para o agricultor que aquele produto faz mal.
A Anvisa afirma que os produtos mais tóxicos continuam com a caveira na identificação, não prejudicando o alerta aos consumidores. A agência destaca que a retirada do símbolo, no caso dos produtos com menor toxicidade, segue parâmetro do GHS.
— É um padrão mundial. Não é uma invenção da agência — explica Rios.
Independentemente do nível de classificação de risco, o produtor sempre deve adotar equipamentos de segurança e estar ciente de que está utilizando algo nocivo em casos de exposição inadequada, ressalta José Otávio Machado Menten. O professor da Esalq, da Universidade de São Paulo (USP), cita o incentivo de boas práticas e o reforço de orientações para diminuir os riscos:
— Caso haja dificuldade de compreensão, tem de investir em educação, comunicação e treinamento dos produtores.
O produto continua o mesmo. Apenas a informação está sendo disponibilizada da mesma forma que em outros países.
Crítica em relação a efeitos de longo prazo
A adoção do modelo GHS na classificação de agrotóxicos é “complicada”, pois leva em conta, principalmente, os efeitos agudos causados pela exposição ao produto, não reforçando a atenção às complicações no longo prazo, considera Marcelo Arbo, professor de toxicologia da Faculdade de Farmácia da UFRGS. Ele afirma que a nova identificação pode passar a ideia equivocada de que determinado produto é menos nocivo por não causar problemas de saúde imediatos:
— No caso dos agrotóxicos, principalmente esses mais novos, o problema é que muitos agudamente não têm efeito muito tóxico. Não vão provocar consequência grave. Mas a longo prazo, com exposição continuada, o que vai acontecer com o trabalhador que aplica esse produto com toxicidade bem pronunciada? — questiona.