A morte de pelo menos 400 milhões de abelhas no Rio Grande do Sul, entre outubro de 2018 e março deste ano, saiu do campo da suspeita para figurar entre os casos que vão parar no Ministério Público (MP) em busca de solução. Entre os documentos reunidos até agora no inquérito civil, com mais de 1,8 mil páginas, estão os laudos de coletas feitas por técnicos da Secretaria da Agricultura em 32 municípios gaúchos. Das 43 amostras de abelhas mortas analisadas pelo laboratório oficial do Ministério da Agricultura (Lanagro), 38 apresentaram presença de agrotóxicos – o equivalente a 88% – três deram negativo e duas ainda não tiveram resultado.
Entre os casos positivos, 36% têm relação com o inseticida friponil – usado nas lavouras de grãos para matar insetos como formigas.
– Os resultados dos exames, todos reunidos no inquérito, indicam relação entre a mortandade das abelhas e o uso de inseticidas, principalmente à base do fipronil – contextualiza Alexandre Saltz, da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, responsável pelo inquérito civil aberto há seis meses para averiguar possível uso inadequado do agrotóxico no Estado.
Segundo apicultores, a situação é agravada quando o produto é aplicado no período de floração das plantas – prática proibida por normativas conjuntas do Ministério da Agricultura e do Ibama. Outra ação incorreta seria o uso do inseticida com herbicidas, na mesma calda de pulverização, para economizar combustível e mão de obra.
– Muitas plantas daninhas nas lavouras estão em período de flor, atraindo abelhas que acabam sendo intoxicadas com o inseticida – explica Rogério Dalló, diretor-executivo da Federação Apícola do Rio Grande do Sul (Fargs).
Números mostram apenas fração dos problemas
A mortandade ocorrida no final de 2018 e começo deste ano dizimou ao menos seis mil colmeias – reduzindo a produção de mel em 150 toneladas, 1,7% da produção estimada em cerca de 8,9 mil toneladas no Estado.
Mas, os números dão apenas uma fração do problema, já que os casos são subnotificados pois grande parte das caixas de abelhas está dentro de propriedades de sojicultores. Estima-se que apenas 30% das ocorrências de mortandade sejam comunicadas.
– A amostragem com laudos é relativamente pequena por conta dessa subnotificação. Por isso, insistimos na importância do apicultor informar quando ocorre a mortandade, para que possamos qualificar as estatísticas – reforça Gustavo Diehl, um dos responsáveis pelo Programa de Sanidade Apícola da Secretaria da Agricultura.
Vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e produtor rural, Elmar Konrad reforça que o eventual uso inadequado de qualquer produto químico deve ser combatido com treinamento e qualificação no campo:
– Os defensivos agrícolas, assim como os remédios, têm recomendações técnicas que devem ser seguidas. E os produtores são os maiores interessados em preservar os polinizadores.
Encaminhamentos do Ministério Público
Após duas audiências realizadas com indústrias e apicultores afetados, uma na última quinta-feira, o Ministério Público deve fazer os primeiros encaminhamentos do inquérito nos próximos dias. Um deles será solicitar à Secretaria da Agricultura que torne públicas as informações sobre onde estão instaladas as caixas de abelhas no Estado. Hoje, são 36 mil apicultores com registro de produção. Dessa forma, os agricultores poderiam checar a localização dos apiários antes de fazer qualquer aplicação de agroquímico nas lavouras.
– Esse tipo de informação precisa ser pública. Os dados devem ser usados a favor da sociedade e não ficar guardados – considera Saltz.
Outra medida é criar uma plataforma para uso do Estado inspirada no aplicativo Colmeia Viva – desenvolvido por indústrias químicas para aproximar apicultores e agricultores e, assim, proteger as abelhas polinizadoras.
– Precisamos mudar a consciência do produtor, para que ele sinta-se efetivamente responsável por suas ações, assim como estamos fazendo com o uso do 2,4-D – afirma Saltz, referindo-se às medidas tomadas para controlar o uso do herbicida que causou prejuízos à produção de azeitonas, uvas e maçãs.
Por meio do movimento Colmeia Viva, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), aponta que o maior desafio é estimular o diálogo entre agricultor e apicultor. Em nota, as empresas afirmam que "o uso incorreto de defensivos agrícolas deve ser combatido porque configura risco não só às abelhas, mas à segurança das pessoas e do ambiente."
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O problema associado à aplicação foliar do agroquímico, direto na planta, é confirmado pelos relatos feitos ao Ministério Público. Indústrias cogitam tirar versão do mercado e priorizar o uso apenas no tratamento de sementes.