A possibilidade de o governo Jair Bolsonaro decidir pelo perdão de dívidas com o Funrural anima o agronegócio, mas acende sinal de alerta entre especialistas em contas públicas. Conforme estimativa da Receita Federal, divulgada em 2018, a eventual anistia poderia gerar impacto de R$ 17 bilhões às finanças do país. Em 2019, o rombo projetado para as contas públicas é de R$ 139 bilhões.
Ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou na manhã desta segunda-feira (7) que Bolsonaro “tem se posicionado a favor de fazer o perdão” dos débitos .
— Existe grupo estudando (a questão) porque tem de estar no orçamento. Tem de ter alguma coisa no orçamento para que o Funrural possa fazer essa redução – disse a ministra.
O fundo reúne a contribuição previdenciária feita por produtores e empreendimentos rurais. O passivo bilionário foi acumulado a partir de 2010, diz o advogado Henry Lummertz, sócio do escritório Souto Correa. À época, o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou que a contribuição era inconstitucional. Com isso, produtores deixaram de fazer o recolhimento. No entanto, em março de 2017, o STF mudou seu entendimento, tornando constitucional a contribuição – e com cobrança retroativa de sete anos.
– Criou-se uma situação que pode ser bastante grave, tanto para o governo, por causa da eventual perda de arrecadação, quanto para os produtores, que, em muitos casos, teriam de pagar valores bem expressivos – explica Lummertz.
Assessor da presidência do Sistema Farsul, que representa a agricultura gaúcha, Luís Fernando Carvalho Pires diz que a entidade “vê com bons olhos” a possibilidade ventilada por Tereza Cristina. Na avaliação de Pires, o setor foi penalizado pela diferença de interpretação no Poder Judiciário.
– Foi o STF que mudou seu entendimento anterior. Não reconhecemos o passivo por causa disso. É injusto. Quem causou o passivo foi o Judiciário. Fazer a contribuição daqui para frente não é problema – defende Pires.
Conforme o economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, medidas que podem causar perda de receita devem ser evitadas em momento de dificuldades nas contas públicas. Para o especialista, a eventual anistia às dívidas do Funrural iria na contramão do discurso da gestão de que buscaria dar fôlego às finanças do país.
– O governo não está em condições de abrir mão de receitas e precisa cortar despesas – frisa.
BB prevê menos subsídios no crédito agrícola
O deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS) é autor de projeto que prevê encerrar a cobrança do passivo. O texto tramita em regime de urgência na Câmara.
– Não é uma questão de anistia ou de perdão. A dívida não existia antes – pontua Goergen, que questiona a estimativa de que o passivo chegue a R$ 17 bilhões.
O prazo para produtores se inscreverem no Programa de Regularização Tributária Rural, o Refis do Funrural, terminou ao final de 2018. A título de comparação, o valor estimado de perda de receita se o passivo for perdoado equivale a 22 vezes o investimento na nova ponte do Guaíba, em Porto Alegre, de R$ 757 milhões.
GaúchaZH entrou em contato com o Ministério da Economia, que preferiu não comentar o assunto.
Nesta segunda-feira (7), questões relacionadas ao agronegócio também foram analisadas pelo novo presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes. Segundo ele, há entendimento no governo de que seriam necessários menos subsídios nos juros do crédito rural e mais apoio ao seguro agrícola, que protege o agricultor em casos de quebra de safra.
Como surgiu o passivo de R$ 17 bilhões?
O passivo estimado pela Receita Federal foi acumulado a partir de 2010, explica o advogado Henry Lummertz, sócio do escritório Souto Correa. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) avaliou que a contribuição era inconstitucional. Com isso, produtores deixaram de fazer o recolhimento. Mas em 2017, o STF mudou o entendimento, tornando-a constitucional.