Uma das principais demandas do setor, o projeto que perdoa as dívidas de produtores com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) – contribuição previdenciária de produtores e empreendimentos rurais – está em estudo pelo governo de Jair Bolsonaro. Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o presidente "tem se posicionado a favor de fazer o perdão" dos débitos – o que teria impacto estimado em cerca de R$ 17 bilhões nas contas públicas.
— Existe um grupo estudando, porque tem que estar no orçamento (…) Não é uma decisão do Executivo sozinho. Precisa saber como pode ser feito, se é por medida provisória, e encaminhar ao Congresso. Aí é o congresso que precisa entender que é uma pauta importante do agronegócio brasileiro e votar a favor. E o presidente com certeza não vetará, se ele mandar a medida provisória é porque ele tem certeza que não acarretará na Lei de Responsabilidade Fiscal — disse, em entrevista ao Gaúcha Atualidade desta segunda-feira (7).
De acordo com Tereza Cristina, inicialmente, a ideia é fazer uma nova prorrogação para a renegociação das dívidas para que esse estudo seja feito. O último prazo terminou em 31 de dezembro e não foi estendido pelo ex-presidente Michel Temer devido a “impedimentos legais”.
— O governo anterior não fez (a prorrogação) teve impedimentos legais para isso, porque entrava no mandato do novo presidente e então não pode ser prorrogado até 30 de março, o que era pedido pelo setor — explicou a ministra.
No início de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou pedido de urgência na tramitação do projeto que trata do perdão das dívidas do Funrural. Com a decisão, o texto pode ser votado diretamente no plenário da Casa, sem passar pelas comissões permanentes.
Embaixada em Israel
Tereza Cristina também comentou sobre as declarações do presidente Jair Bolsonaro de que pretende transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém.
— Eu não sou contra, mas não sei se neste momento seria a coisa certa. O presidente sabe o que isso deve afetar, isso é uma coisa que a gente vem dialogando. Eu estou aqui para defender o agronegócio, a agricultura, a exportação — afirmou, lembrando que uma possível retaliação dos países árabes poderia impactar as exportações brasileiras para aquela região.
— Perder mercado é sempre muito ruim. Ganhar mercado é uma coisa que demora, mas, se perder é muito mais complicado de voltar a tê-lo. Então é preocupante, temos tratado isso de maneira prioritária, mas tenho certeza que o bom senso prevalecerá — avaliou.
Leia a entrevista na íntegra:
Um dos temas normalmente associados à agricultura é também o equilíbrio com preservação do meio ambiente, como você pretende lidar com este dilema?
Primeiro não é um dilema, é uma solução. Nós temos um código florestal muito bem feito, um dos mais avançados do mundo. Só que temos uma propaganda contrária aos produtores rurais, dizendo que eles são os grandes desmatadores, os vilões do meio ambiente, o que não é verdade. Todos os produtores rurais sabem que tem que preservar os rios, córregos. Claro que sabemos que no passado, antes do código, havia uma desinformação e as pessoas desmatavam o máximo que podiam. Desde que o código virou lei, temos visto produtores preservando, voltando a plantar, fazendo a compensação em outras áreas. Eu não vejo nenhum dilema nisso, temos que estar cada dia mais juntos, produzindo mas preservando o meio ambiente.
Temos ouvido que a fiscalização vai ser abrandada. Hoje, quem fiscaliza é o Ministério do Meio Ambiente, mas vocês (o Ministério da Agricultura) trabalham em sintonia. Como traduzir isso de forma real aos produtores?
O agricultor, aquele que está lá dentro da porteira, o pequeno agricultor, familiar, muitas vezes, não tem conhecimento total da lei. O esclarecimento é muito importante. A lei tem que ser cumprida, mas o excesso não. Vai um fiscal e fala de um jeito, depois vai outro e fala de outro. Temos que padronizar. Temos que tratar melhor o agricultor. Eles fazem uma espécie de terrorismo com os agricultores. Dois meses atrás, recebi a ligação de um assentamento, que eles tinham reserva legal, e os fiscais foram lá e tocaram o terror, colocando multa, apesar de a área de preservação que eles tem que ter estar lá intacta.
Essa mudança tem que ser do ponto de vista de orientação ou tem aspecto legal que precisa ser alterado?
Isso demora muito. Tem que ter uma interpretação correta da lei e do ponto de vista de orientação. No RS e em SC, os pequenos produtores que tiveram que manter as faixas de beira de rio, de APPS (Áreas de Preservação Permanente), das matas ciliares nos moldes do que ficou do código, perderam boa parte de suas propriedades, que já são muito pequenas. Nós temos que incentivar a cada vez preservar mais. Não estamos aqui para acobertar quem não cumpre a lei.
Em matéria de política agrícola, o que muda em relação ao governo anterior?
Vamos tentar pensar a longo prazo. Eu quero trabalhar muito sobre seguro rural, temos que ter mais crédito de maneira mais fácil. Tudo é muito burocratizado. Precisa ser mais democratizado, o custo dele hoje ainda é alto. O produtor não pode trabalhar, ele tem um risco, o risco dele é climático. Estamos tendo problema em alguns lugares do Paraná e no Mato Grosso do Sul. Ele (agricultor) precisa trabalhar com tranquilidade, para que, se tiver um problema climático, possa plantar sabendo que não vai ter que vender tudo que tem.
Um tema que sobressalta o campo é a demarcação de terras indígenas, que colocava em lados opostos o campo e a Funai. Agora que a demarcação fica na sua pasta, o que muda?
Vamos acabar com a ideologia neste campo. A lei está aí para ser seguida, mas não podemos mais fazer as demarcações como eram feitas. O produtor rural, muitas vezes, ficava sabendo que sua área estava sob direito de demarcação depois que estava tudo pronto e tinha 30 a 60 dias para sua defesa final. E, na grande maioria das vezes, ele perdia. Temos uma insegurança danada e ninguém ganhando com isso. Nem o índio, nem produtor rural. Porque isso leva 20/30 anos para ser resolvido e cria insegurança para os dois lados. Aquele que estava ali até 88, que a Constituição dizia que não tinha problema, e depois essa nova maneira veio e trouxe muitas injustiças no campo.
Vamos trabalhar com bastante cuidado e vamos trabalhar daqui pra frente de maneira justa. Os índios hoje já tem 13% do território, que é muito mais que se usa para agricultura, — usamos menos de 9% para se plantar no país todo e ter esse volume de produtos para abastecer a nossa mesa, para exportar, e ainda se tem muitas questões e brigas.
Haverá revisão das áreas demarcadas?
Se não foram assinadas ainda, podemos olhar e fazer justiça para os dois lados, de maneira muito republicana. O pêndulo não pode ficar para um só lado da coisa. Estamos ainda discutindo a parte fundiária com o Incra, mas a parte de saúde, de cultura e de educação irá ficar com a ministra Damares, na pasta que trata de direitos humanos. Isso vai ser olhado com certeza de um jeito muito bom.
O que a gente acha só muito estranho, é que apesar de tudo que se fez nessa área de demarcação, olhe a situação dos indígenas na grande maioria do país: miséria extrema. Isso a gente não quer. Eles têm que produzir, aqueles que saibam. Aqueles que queiram arrendar, por que não? Isso tem que mudar, eles têm todo o direito de arrendar e receber o que é justo e dividir a sua renda naquelas áreas.
Da última vez que conversamos sobre o Funrural, a senhora não estava totalmente inteirada. Como está o assunto?
Estávamos falando sobre a urgência que estava para ser aprovada no Congresso, e foi, e depois se trabalhou na prorrogação dos prazos, que terminaram em 31 de dezembro. O governo anterior não fez (a prorrogação), teve impedimentos legais para isso, porque entrava no mandato do novo presidente e não pode ser prorrogado até 30 de março, o que era pedido. Hoje, o Bolsonaro tem se posicionado a favor de fazer o perdão da dívida. Existe um grupo estudando porque tem que estar no orçamento. Tem que ter alguma coisa no orçamento para que o Funrural possa fazer essa redução.
Isso não abriria caminho para outros setores pedirem anistia semelhante?
Com certeza. Isso aí a AGU deve estar estudando para passar para o presidente. Inicialmente se faria uma nova prorrogação para que desse tempo deste estudo. Não é uma decisão do Executivo sozinho, porque isso é orçamento. Precisa saber como deve ser feito, se vai ser uma medida provisória e encaminhar ao Congresso. Aí é o Congresso que precisa entender que é uma pauta importante do agronegócio brasileiro e votar a favor. E o presidente com certeza não vetará. Se ele mandar a medida provisória é porque ele tem certeza que não esbarrará na Lei de Responsabilidade Fiscal. A gente ainda precisa saber detalhes, estamos acompanhando.
O presidente Bolsonaro tem se manifestado com objetivo de se aproximar de Israel, que tem a oferecer para o Brasil matérias de tecnologia, agricultura. Mas ele já sinalizou que pretende transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém, o que deixa o mundo árabe insatisfeito, países para os quais o Brasil exporta quantidade enorme produtos, como frango por exemplo. Este problema está nas suas preocupações?
Eu tenho conversado com o chanceler Ernesto Araújo, já conversei com a Casa Civil, com a Secretaria de Governo. Temos que abrir o diálogo com esses países. Tenho recebido alguns embaixadores de outros países. Devemos receber uma missão, este mês ainda, da Tailândia. É muito importante a gente ter diálogo aberto e saber do governo quando é que ele pretende (fazer a transferência de embaixada). Tem coisas a se ponderar com esta mudança
Está preocupada?
Eu acho que a sinalização pode levar a um entendimento ruim. Porque lá eles levam as coisas ao pé da letra. O que nos falarmos, pode levar a consequências com certeza.
Eu não sou contra, mas não sei se neste momento seria a coisa certa. O presidente sabe o que isso deve afetar, isso é uma coisa que a gente vem dialogando. Estou aqui para defender o agronegócio a agricultura, a exportação.
Perder mercado é sempre muito ruim. Ganhar mercado é uma coisa que demora, mas quando perder é muito mais complicado para voltar a tê-lo. Então, é preocupante. Temos tratado isso de maneira prioritária, mas tenho certeza de que o bom senso prevalecerá.
Há um outro setor que emprega milhares de famílias, que é o leiteiro. Muitos produtores no RS se perguntam qual será a política para a área diante da concorrência do leite importado do Uruguai?
Este é um assunto muito complicado. Estamos no Mercosul e, infelizmente, não temos cotas de importação. O Uruguai e a Argentina tinham a acordo verbal, interno. Já abrimos conversa com a Argentina, agora vamos conversar com Uruguai também. Pretendo fazer reunião em breve com esses dois países para ver se a gente pode ter uma cota informal, para que esse setor melhore. Mas temos outras coisas a fazer, nosso custo de produção ainda é mais alto. Além de ser um setor importante para a economia, é um setor social. Muitos pequenos produtores dependem dele. É um caos, e isso está em nosso radar. É um apelo muito grande para que, no primeiro momento, a gente pelo menos minimize o problema até achar solução definitiva.
Ouça a entrevista na íntegra: