Um cavalo chamado Batatinha que responde perguntas sinalizando sim ou não com a cabeça. Tieta, a cabra que lambe a mão de quem lhe oferece comida. Um peru batizado de Sanção que pesa oito quilos e adora colo. Horta com identificação de cada planta e onde é possível colher e experimentar. Tudo isso faz parte de projeto que brinca com o imaginário infantil e promove uma imersão na vida do campo: o Sítio do Mato, localizado no bairro Belém Velho, em Porto Alegre.
A proposta não é única. A iniciativa de propiciar a experiência de crianças no universo rural é reforçada por outras ações espalhadas em todo o Rio Grande do Sul, como espetáculo teatral, dias de campo infantil e projetos que fazem os pequenos a plantarem.
Nessa reaproximação do urbano com o campo, as escolas vêm intensificado atividades. Hoje, com as crianças passando mais tempo no videogame do que no pátio, atividades fora do ambiente escolar são cada vez mais importantes, considera a assessora pedagógica e de legislação educacional do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS), Naime Pigatto:
– As iniciativas incentivam a preservação do ambiente e dos animais, além de servirem como recurso pedagógico para aprofundar conteúdos trabalhados em aula. Também favorecem atividades manuais, fortalecendo a coordenação motora. Além disso, desenvolvem relações socioemocionais, o que implica em respeitar o outro e aprender, inclusive, a cuidar de si mesmo.
No Sítio do Mato, a proximidade com o centro da Capital e o tamanho da propriedade – 2,5 hectares – levaram Mauri Webber a transformar o local em uma escola a céu aberto.
– Todo mundo diz que caipira é aquela pessoa que vive fora da civilização. Inverti a história e brinco com quem não conhece a lida do campo, chamo de caipira do asfalto – diverte-se Webber.
O sítio recebe escolas e, um domingo por mês, abre a porteira a famílias. Este ano, já foram mais de 7 mil visitantes. Em dezembro, foi a vez das turmas do 1º ao 3º anos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Simões Lopes Neto. Quase todos os 460 alunos da escola já foram ao menos uma vez à propriedade. Ainda assim, a euforia é a mesma, principalmente quando Batatinha, Elza, Sanção e companhia estão em cena.
– Eu, eu, eu! – gritou mais alto que os demais a serelepe Maria Eduarda Silva Porto, quando perguntaram quem queria dar comida para as galinhas.
Na hora em que a ração encheu a mão esquerda, veio o receio:
– Ela não morde?
Weber explicou que as bicadinhas eram suaves e não precisava ter medo.
– Meu Deus, ela é muito fofa! Quero morar aqui – arrematou a estudante do segundo ano.
A reação da menina está longe de ser rara. Muitas crianças, até visitarem o local, nunca haviam visto galinhas ciscando em seu habitat.
– Quando expliquei que o bifinho que elas comem vem da vaca, um aluno perguntou: “Doeu?”. Outra menina emendou: “Ela foi para o hospital?” – conta o empresário, acrescentando que a abordagem é da forma mais lúdica, para que as crianças entendam de onde vem o alimento e aprendam a valorizá-lo.
Além da área de animais, com coelhos, pombas, ovelha e pássaros, os estudantes da Simões Lopes Neto percorreram horta de chás e verduras, pomar com frutas e trilha por área nativa, onde foram orientados sobre preservação ambiental e sustentabilidade. Teve ainda piquenique com lanche compartilhado. E, por fim, parque de diversões rural: balanço de pneu, passeio de minitrator, tirolesa, campo de futebol sem marcações e falsa-baiana (brincadeira com corda).
A euforia nas visitas a propriedades rurais é a mesma entre os alunos do Colégio Marista Rosário, segundo Vivian Monteiro, coordenadora pedagógica das séries iniciais:
– Tem aluno que já foi para a Disney e diz que a ida ao sítio é mais marcante.
A explicação está na distância do campo para a realidade dos estudantes.
– São, como a gente chama, guris e gurias de apartamento, que nunca pegaram uma galinha no colo. O fascínio dos parques e videogames, por outro lado, está no dia a dia deles. O mais bacana é que eles voltam com outras ideias. Muitos param de tomar refrigerante, outros querem aprender até sobre veganismo. E a gente tenta trabalhar tudo isso no retorno – afirma Vivian.
Segundo ela, a agricultura entra na disciplina de Geografia, no laboratório de ciências, na aula de Português e até no lanche do refeitório. Assim, os estudantes trabalham produção de textos, promovem seminários, criam álbum de figurinhas e desenvolvem hortas.
A coordenadora conta que as atividades impactam toda a família:
– É comum os pais virem nos contar que foram no final de semana ao sítio com os filhos. E isso tem um retorno imensurável, pois nada supera a união da família em torno do conhecimento.
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