Enquanto muitas pessoas abandonam as zonas rurais à procura de oportunidades nos grandes centros urbanos, outras começam a fazer o caminho inverso: deixam emprego estável na cidade e vão para o campo em busca de bem-estar físico e mental. Embora incipiente – não há dados estatísticos sobre este processo de "retorno" – o movimento, aos poucos, vem ganhando força.
– São pessoas que buscam uma alternativa de vida e de trabalho que possa combinar qualidade de vida, valorização da natureza e compromisso ou engajamento político com causas reais que possam mudar o estado das coisas – relata o doutor em Sociologia, Sergio Schneider, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De acordo com o pesquisador, o perfil dos que regressam ou decidem pelo rural como espaço de vida e trabalho é formado, predominantemente, por jovens da cidade que cansaram da rotina agitada e consumista do meio urbano. Schneider destaca que é difícil mensurar a intensidade deste fluxo e para onde ele se dirige. Ainda assim, vê o processo como positivo e inspirador.
– Ao mesmo tempo que poderá revitalizar o meio rural, injetando novas energias, ideias e mesmo algum dinheiro, a presença de jovens inovadores, criativos e interessados faz com que o campo deixe de ser visto como um lugar depreciativo, atrasado e indesejado – avalia.
O agrônomo Paulo Eduardo Moruzzi Marques, doutor em Sociologia Rural e professor da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), concorda que o Interior sempre foi visto como um lugar de precariedade. Entretanto, este movimento mostra uma mudança de percepção.
– As pessoas têm procurado lugares não muito distantes dos meios urbanos para recriar projetos de vida. São os chamados neorurais – famílias que desejam ter acesso a alimentos saudáveis sem abrir mão das vantagens da cidade – explica Marques.
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O professor também trabalha com o conceito de renascimento rural, que diz respeito ao crescimento demográfico das zonas rurais e diversificação das atividades agropecuárias. O fenômeno, verificado nos anos 1990 na Europa, ainda é recente e pontual no Brasil.
Emater mapeará fluxo de quem decide pelo campo
O movimento de abandono da vida conturbada na cidade pela tranquilidade no campo será objeto de estudo pela Emater. O objetivo da análise, explica o diretor técnico da instituição, Lino Moura, é mapear o perfil destes novos produtores para "provocar mais jovens". O levantamento, que deve começar em 2017, também pretende identificar os fatores que impulsionam esta mudança de vida e as atividades em que estão atuando.
O fluxo chama a atenção por ocorrer na contramão do ainda crescente êxodo rural. Na década de 1950, 65,8% da população gaúcha ainda viviam no campo. Com a urbanização e a industrialização, em 1970 o Estado tinha 53,6% da população concentrada na cidade.
Segundo dados de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente apenas 15% da população do Rio Grande do Sul reside em áreas rurais. Fontes do setor estimam que, até 2025, 90% da população estará em zonas urbanas.
Mudança planejada há três anos
A possibilidade de uma vida mais saudável e a vontade de estar em contato com a natureza são algumas das razões que levaram o engenheiro civil Henrique Toffanello, 33 anos, a deixar a vida na cidade e o emprego estável em uma grande construtora para apostar na produção de alimentos orgânicos, em Osório, no Litoral Norte. A transição de Porto Alegre para o sítio Terra dos Ventos, localizado na Ponta da Ilha, começou há seis meses, mas o planejamento para viabilizar o projeto de vida já tem três anos.
– Toda a bagagem que tenho da engenharia civil ajudou muito na organização e no planejamento de como eu vou fazer para que as coisas aconteçam – avalia Toffanello, que é especialista em Gestão de Projetos.
Em propriedade familiar com área de 45 hectares, o produtor planta hortaliças utilizando o sistema orgânico e agroflorestal. Atualmente, são 2 mil metros quadrados de área cultivada. A meta é chegar a 3,5 mil no início de 2017. Os produtos são comercializados em feira orgânica no shopping Iguatemi, em Porto Alegre. Todas as terças-feiras, Toffanello se desloca até a Capital levando uma média de 30 caixas de frutas e hortaliças produzidas por ele e também por outros quatro produtores de Osório que integram o grupo Bons Ventos, ligado ao Núcleo Litoral Solidário da Rede Ecovida de Agroecologia.
– Ter a possibilidade de consumir alimentos saudáveis e disponibilizar isso para as pessoas é uma busca pessoal e de negócios – justifica o engenheiro, acrescentando que o objetivo também é trabalhar com a entrega domiciliar de cestas orgânicas.
Rural conectado ao meio urbano
Se distanciar da insegurança e do tempo perdido no trânsito da cidade em prol de horários mais flexíveis e da prática frequente de esportes radicais também motivaram a decisão. A propriedade fica à margem da Lagoa da Pinguela, possibilitando a prática de kitesurf, windsurf e stand up. Entretanto, Toffanello não pretende se desligar totalmente da vida na cidade, até porque é na zona urbana que está o consumidor em potencial dos orgânicos.
Em dez anos, a ideia do engenheiro é ampliar o projeto. A próxima etapa é tornar orgânicas as ovelhas texel que já eram criadas de forma convencional. Por fim, a intenção é apostar na realização de eventos gastronômicos sustentáveis e também em projetos de bioconstrução autossuficientes em energia.
Família com raízes no campo
A rotina estressante na Capital fez com que Marta Masiel Carvalho, 32 anos, formada em Administração, e Daniel Carvalho, 35, técnico em Logística, apostassem todas as fichas em um novo projeto de vida. O casal deixou emprego estável, vendeu o carro e a casa, em Cachoeirinha, para investir na compra de uma pequena propriedade em Viamão. A transição para o campo iniciou há cinco anos.
– Estávamos em uma situação tranquila financeiramente, mas não estávamos felizes com aquela condição – afirma Carvalho, que trabalhava em uma empresa de software de gestão pública e viajava bastante de segunda a sexta-feira.
Embora tenham nascido em Porto Alegre, ambos têm raízes ligadas ao meio rural e carregam alguma vivência – os pais eram "colonos". Os pais de Marta tinham lavoura e gado de leite, enquanto a família da mãe de Carvalho trabalhava com pecuária de corte. A mudança foi motivada pela necessidade de buscar mais qualidade de vida.
Foram dois anos planejando e fazendo pesquisas de mercado. Após visitar inúmeros empreendimentos rurais, decidiram apostar na produção de leite, pois era a atividade que exigia o menor investimento inicial e envolvia menor risco.
– Não temos margem para ter erro, pois trabalhamos só com recursos próprios – ressalta o produtor, que foi o primeiro a deixar o emprego na cidade, há cerca de três anos.
Em área de 7,5 hectares, começaram a produzir com uma vaca emprestada. Construíram um galpão de ordenha e aos poucos investiram na compra de animais e equipamentos necessários. Com melhoramento do rebanho, conseguiram ampliar a produtividade média inicial de 10 litros por vaca ao dia para 22,5 litros.
Hoje, a Querência Carvalho tem nove vacas da raça holandês, sendo oito em lactação, três terneiras e um terneiro. Para alimentar os animais, plantam milho, milheto, tifton e aruana. A produção de 180 litros de leite por dia é entregue para a Cooperativa Mista Campos de Viamão (Comcavi). A médio e longo prazo, a meta é chegar a 300 litros por dia e depois 500 litros.
A veterinária Lisiane Ávila, da Emater de Viamão, acompanhou todo o processo e presta assessoria no trabalho que vem sendo feito pelo casal. Entre os frutos já colhidos, está um convite da Emater para ser propriedade de referência em manejo de ordenha.
Chegada da primogênita consolida projeto
Inicialmente, o plano de viver no Interior estava previsto para quando chegasse a aposentadoria. Mas devido a problemas de saúde ocasionados pela rotina agitada na cidade, o casal antecipou o projeto de mudança.
– O nível de estresse era alto – conta Marta, destacando que o marido chegou a fazer tratamento com medicação.
Por conta da vida corrida na cidade, o casal adiou o sonho do primeiro filho. A meta inicial era aos cinco anos de casados, mas Natália só chegou em 2015, após oito anos de união, quando já estavam vivendo no campo.
Só então, com o nascimento da primogênita e a propriedade encaminhada, foi que saiu do emprego formal na Capital. Marta era analista de gestão da Unimed e Carvalho quase concluiu graduação em Processos Gerenciais.
A experiência e conhecimentos adquiridos nos empregos puderam ser aproveitados na gestão da propriedade.
– Fizemos a opção certa para poder criar a nossa filha com liberdade – avalia Carvalho.
Dicas para empreender no meio rural
– Antes de tomar a decisão, é preciso levar em conta que a carga horária de trabalho do campo é maior, não há limite de horário.
– Estar preparado para os desafios, já que é uma "empresa a céu aberto" e há uma dependência de fatores climáticos, com impacto na produção.
– Analise sua aptidão para o meio rural, morar longe da cidade é muitas vezes encarar estradas não asfaltadas, ter dificuldade com internet e outros serviços. É preciso estar disposto a mudar o estilo de vida.
– Observe se o objetivo do grupo familiar é o mesmo, se todos estão dispostos a encarar o novo desafio.
– Planeje, um plano de negócios é um bom modelo para lhe ajudar.
– Avalie o mercado, quem serão os fornecedores e concorrentes, quais são os desejos e necessidades dos consumidores. Saber para quem vender é fundamental, para evitar prejuízos na comercialização.
– Atenção a oportunidades de negócios. O negócio é o que todos fazem, a oportunidade é ter diferencial, fazer o que poucos ou ninguém faz.
– Avalie o potencial de produção da propriedade e a capacidade financeira: quanto irá gastar, quanto ganhará, em quanto tempo terá o retorno do investimento, qual o mínimo de produção para ter lucro.
– O maior gargalo nas propriedades não está na produção, está na gestão. O produtor sabe quanto ganha, mas não sabe quanto gasta para produzir.
– Não caia em modismos, quando uma safra é muito boa em algum produto, no ano seguinte muitos investem, o volume de produtos no mercado aumenta e o preço cai.
– Cuidado se tiver mais de uma atividade: avalie se todas são lucrativas e invista somente nas que dão retorno.
– A frase "eu não anoto meus gastos, porque senão eu paro de produzir" é mito. Produtores rurais de sucesso fazem gestão de suas propriedades.
– Procure parcerias, vizinhos para auxiliar, grupos para compras e vendas coletivas, associações que possuam maquinários em conjunto.
– Na maioria das vezes, quem determina o preço é o mercado, daí a importância do controle de custos.
– Qualifique-se. O Senar-RS oferece cursos gratuitos na área de gestão, inclusive em parceria com o Sebrae, e a Emater presta orientação técnica.
Fonte: Juliana Krupp, coaching, administradora e consultora em gestão e desenvolvimento organizacional