Por anos tratada como um dilema pela pecuária brasileira, a retirada da vacina contra a febre aftosa parece estar cada vez mais próxima. Na última segunda-feira, o Ministério da Agricultura bateu o martelo ao aprovar a versão definitiva do plano estratégico que prevê o fim da imunização a partir do primeiro semestre de 2019 até 2021. Incluído no último bloco de Estados no cronograma do governo federal, o Rio Grande do Sul tentará antecipar o calendário. Para isso, formalizará na próxima terça-feira, em Brasília, o pedido de inspeção no sistema gaúcho de defesa agropecuária.
– Essa auditoria avaliará as condições para uma possível antecipação da retirada da vacina. Neste momento, é um processo colaborativo – explica Fernando Groff, coordenador do Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa no Estado.
A busca da suspensão é reforçada pela ausência de circulação do vírus na Região Sul do Brasil, Paraguai, Chile, Argentina e Uruguai desde 2011. Em território gaúcho, os últimos focos da doença foram registrados há 16 anos. Além disso, pesou o fato de o Paraná ter pedido a auditoria, marcada para janeiro. Como Santa Catarina já tem o status de livre da doença sem vacinação, o Rio Grande do Sul poderia ficar isolado se não fizesse nada.
– O avanço de status é importante para não ficarmos para trás na valorização dos produtos agropecuários, que envolvem também as cadeias de aves, suínos e leite – diz Ernani Polo, secretário da Agricultura.
Se a auditoria for realizada no próximo ano, por exemplo, já em 2019 o Estado poderia deixar de vacinar o rebanho bovino. Com isso, o status de zona livre de febre aftosa sem vacinação na Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) seria alcançado a partir de 2021, já que para fazer a solicitação é preciso estar há pelo menos um ano sem imunizar os animais.
O plano estratégico de erradicação e prevenção à febre aftosa trouxe nova reorganização dos Estados. O bloco 5, que antes tinha apenas Rio Grande do Sul e Santa Catarina, esse último já livre da doença sem vacinação, passa a incorporar também Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (veja mais detalhes no mapa).
– A reorganização não tem a ver necessariamente com calendário de retirada, mas com relacionamento comercial entre os Estados, além de características semelhantes de fronteiras – explica Bernardo Todeschini, superintendente do Ministério da Agricultura no RS.
Todeschini sustenta que os riscos da retirada da vacina hoje são os mesmos do futuro, por isso não há necessidade de esperar mais.
– A vacina não previne a introdução do vírus, mas a disseminação – argumenta.
Vigilância nas fronteiras deverá ser reforçada
Com a retirada da vacina, os esforços despendidos no processo de imunização poderão ser redirecionados para aumento da vigilância nas fronteiras, exemplifica o superintendente do Ministério da Agricultura no Estado.
– Embora ainda haja um temor em relação ao assunto, o fato é que a situação da América do Sul hoje é completamente distinta do início dos anos 2000. Evoluímos muito – diz Todeschini, acrescentando que países como Chile e Peru já são livres da doença sem vacinação (veja status dos países no mapa).
Na opinião de Luiz Alberto Pitta Pinheiro, assessor técnico da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o caminho de retirada da vacina deve evoluir levando em conta uma série de cuidados:
– É preciso atender a todos os requisitos necessários para que haja tranquilidade no processo.
O status de zona livre de febre aftosa com vacinação impede que a carne brasileira entre em determinados mercados. Hoje, alguns dos principais produtores de bovinos são livres da doença sem vacinação, como Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. A Índia é um dos únicos grandes exportadores de carne que ainda adota a imunização, mesmo assim não possui status de livre da febre aftosa por não ter conseguido erradicar os focos da doença.
O movimento brasileiro para alcançar o status de livre da aftosa sem vacinação deve forçar os países vizinhos a buscarem o mesmo. Em reunião durante a Expointer deste ano, em Esteio, representantes de associações produtivas do Mercosul se manifestaram sobre o tema. O Uruguai seria o país menos resistente à mudança, com condições mais reais de seguir o mesmo caminho. Já Argentina e Paraguai teriam restrições por conta da dependência econômica de recursos de fundos específicos para a vacinação – hoje usados na vigilância.