A tradição e o conhecimento geralmente são transmitidos de pais para filhos. Na cidade de Ibarama, localizada no Vale do Rio Pardo, cerca de 80 estudantes mostram que o inverso também é possível, por meio dos Guardiões Mirins, projeto que busca valorizar as sementes de alimentos, como arroz, milho e feijão, trazidos ao Rio Grande do Sul há gerações e que vêm se perdendo. No programa, que ocorre no turno inverso às aulas, os jovens aprendem a importância de preservar e plantar as sementes. A ação é promovida pela Associação do Guardiões de Sementes Crioulas de Ibarama, em parceria com escolas estaduais e municipais.
A partir do que aprendem na escola, os alunos mostram aos pais os benefícios em cultivarem os grãos rústicos. Embora não seja possível quantificar o número de produtores que adotaram as plantas crioulas, Giovane Vielmo, técnico em Agropecuária da Emater-RS, percebe que ações como a troca de sementes e os Guardiões Mirins contribuem para a preservação deste tipo de grão.
Mais do que o aprendizado teórico, os estudantes têm na alimentação escolar itens oriundos das sementes, por meio da associação de Ibarama.
– Fornecemos 70% dos produtos utilizados na elaboração da merenda – comenta o agricultor e vice-presidente da associação, Mario Jaci Raminelli.
Para Irajá Ferreira Antunes, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, a evolução do projeto colabora com o crescimento do agricultor.
– Ao ingressar, o guardião consegue ter um produto mais adaptado à sua realidade e, por consequência, diminui a incidência de pragas e doenças na lavoura – complementa Antunes.
Guardiões em todas as regiões do Estado
A preservação de sementes crioulas antigas foi o ponto de partida para o início do projeto guardiões de sementes, coordenado pela Embrapa Clima Temperado, em 2005. A ideia era resguardar as existentes e recuperar algumas variedades que foram se perdendo de geração a geração, caracterizando o que se conhece por erosão genética – consequência de causas diversas, entre as quais mudanças climáticas e a substituição das variedades antigas por modernas. Além disso, a figura do guardião de sementes vem desaparecendo devido ao seu envelhecimento e pela migração dos jovens do campo para a cidade. O projeto Guardiões Mirins, busca justamente não deixar essa tradição se perder.
Atualmente, o Rio Grande do Sul conta com cerca de 200 guardiões formalizados, por meio de associações ou que integram o programa da Embrapa. Eles estão em todas as regiões do Estado, com maior concentração nos municípios de Canguçu, Ibarama, Mampituba, Tenente Portela e no Litoral Norte. Milho, feijão, arroz, abóbora e hortaliças são os principais produtos crioulos conservados, embora não sejam os únicos.
– Onde houver a produção agrícola em pequenas propriedades, haverá diversificação e protetores de sementes – diz Irajá Ferreira Antunes, da Embrapa.
O tema despertou o interesse da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Parceira no projeto, a universidade desenvolve pesquisas de extensão, e fazendo desde o levantamento sociocultural até a análise do uso das plantas preservadas.
– Nos últimos anos, houve o fortalecimento e valorização deste tipo de semente e o aprimoramento dos guardiões – relata a engenheira agrônoma e professora da UFSM Marloze Muniz.
Pesquisa e proteção
O processo que vincula o trabalho de pesquisa e o guardião é relativamente simples. O produtor doa sementes para o Banco de Germoplasma (BG) da Embrapa. Parte é encaminhada para o Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa Brasília para preservação permanente. Outra parte fica no banco da Embrapa Clima Temperado para que seja pesquisada, armazenada e, eventualmente, distribuída a outros guardiões. Após as análises, a Embrapa explica e orienta os agricultores a identificarem as variedades crioulas ideais para cada região. Foi graças a esse trabalho que a aldeia guarani Yvi Poty – Flor da Terra – recuperou sementes que haviam se perdido ao longo dos anos.
Na área de 100 hectares, toda a tribo do interior de Barra do Ribeiro – composta por 40 indígenas – atua como protetora. Conforme o guardião Santiago Franco, o trabalho possibilita que a cultura alimentar guarani seja preservada. Ele destaca que o projeto possibilita ainda à tribo acompanhar o desenvolvimento das plantações.