A pessoa disse que não queria relacionamento, mas logo em seguida apareceu namorando outra. Já aconteceu com você? Fizemos esta pergunta no perfil do Instagram de GZH e o resultado foi impressionante: das 1.084 interações, 844 eram afirmações de que já estiveram nesta situação. No perfil de Donna, algumas seguidoras também opinaram sobre o assunto.
"A sensação é ruim. Nas primeiras vezes, pensava que havia algo errado comigo, depois passei a ver como irresponsabilidade emocional e imaturidade da pessoa. Mas dói e interfere na autoestima, bem-estar e saúde mental. Faço terapia há bastante tempo, é crucial pra poder lidar", escreveu a assessora jurídica Fernanda Mix, 42 anos, de Porto Alegre.
Já Bruna Silva, 27 anos, policial militar de Cachoeira do Sul, foi mais direta: "Quando a pessoa diz que não quer um relacionamento, ela não quer é um relacionamento com você", opinou.
De forma anônima, mulheres relataram suas experiências à reportagem. Como Michele*, estudante porto-alegrense de 29 anos:
— Eu estava com um menino bem casualmente, queria namorar e ele me dizia que não queria. Eu super entendia o não querer, mas achava que podia mudar, sabe? Eu tinha 19 anos, perdi minha virgindade com ele. Vi ele em outro lugar e ele fingiu que não me viu. Briguei, não nos falamos mais e, logo depois, em menos de um mês, ele apareceu namorando uma menina que eu conhecia. Na época eu me senti um lixo, tipo a pior pessoa do mundo, porque entendi que a questão toda era que ele não queria namorar comigo, só isso (risos). Aí achei total que o problema era eu, que eu não era "digna" de ser namorada dele — conta.
Com o tempo, Michele percebeu que a situação dizia mais sobre a outra pessoa do que sobre ela.
— Hoje eu entendo que nada dessas escolhas é pessoal, elas não dizem nada sobre nós, mas naquela época foram meses muito difíceis de superar. Acho que ele só não tinha em mim a "pessoa certa", sabe. O meu erro, na época, foi ter acreditado que poderia reverter aquela situação e não ir em busca de alguém que quisesse o mesmo que eu — admite.
Aconteceu algo parecido com a canoense Laís*, 26 anos, tradutora. Depois de sair de um relacionamento que descreveu como complicado, conheceu um homem no Tinder com quem a conversa fluiu superbem.
— Saímos algumas vezes, mas era difícil ele conseguir fazer algo porque a mãe dele era muito controladora e não deixava ele fazer nada (ele tinha 22 anos!). Enfim, como eu estava mentalmente sensível, me apeguei muito à primeira pessoa que me deu abertura. Ele era super carinhoso comigo quando a gente se via, quando a gente conversava e tal, mas falava que não queria namorar. O que por mim estava tudo bem, apesar de eu sentir que ia dar m*rda (risos) — lembra.
E deu. Sem aviso prévio, ele começou a demorar cada vez mais para responder as mensagens de Laís — até que ela desistiu de investir na relação. Saiu com outras pessoas, mas seguia conversando com ele ocasionalmente. Até que, um dia, ela recebeu, do número dele, um áudio de outra menina. Em seguida, os dois oficializaram o namoro nas redes sociais.
— Na época eu fiquei me sentindo super mal, achando que eu era o problema, que eu não era o suficiente, que eu precisava mudar algo. Mas, agora, vendo a situação com mais equilíbrio, entendo que ele pode ter se apaixonado mesmo tendo a mentalidade de que não queria um relacionamento. Não tem porque a gente pensar que o problema está em nós, porque nem existe um problema. Ele conheceu uma pessoa e sentiu uma conexão que talvez não tenha sentido comigo, e isso não quer dizer nada sobre mim ou sobre ele. Talvez se a gente tivesse se conhecido em outro momento teria sido diferente, ou talvez teria sido a mesma coisa, vai saber — reflete.
*Os nomes são fictícios para preservar a identidade das entrevistadas
O problema sou eu?
Todas as mulheres ouvidas para esta reportagem relataram o mesmo sentimento ao se depararem na situação: bom, então o problema sou eu. E é natural que esteja seja o primeiro pensamento, conforme explica a psicóloga Jussara Ramos.
A pessoa falou abertamente que não quer algo sério e você insistiu, pois achou que a pessoa mudaria de ideia: a responsabilidade é sua
EMMANUELLE CAMAROTTI
psicóloga de casais
— O mais humano de nós sente-se descartado, deparando-se com a insegurança e com o efêmero — reflete ela.
Mas é importante entender qual foi, de fato, a sua responsabilidade na relação.
— A pessoa falou abertamente que não quer algo sério e você insistiu, pois achou que a pessoa mudaria de ideia: a responsabilidade é sua, pois era sua a vontade de mudar o outro. A pessoa falou que não queria algo sério e assumiu namoro com outra pessoa que não você, talvez você tenha se livrado de um "embuste", pois a outra relação estava séria o suficiente para que não houvesse terceiros envolvidos e a pessoa escolheu ignorar isso — opina a psicóloga de casais Emmanuelle Camarotti.
Como explicar este comportamento?
A verdade é que não há como saber o que motivou a pessoa a "mudar de ideia".
— Talvez o que possa explicar este comportamento seja a dificuldade de ser honesto e transparente sobre os reais desejos. Muitas vezes, a intenção é interessante. "Ah, não quero te frustrar, então vou dizer que não quero namorar, porque não quero que você fique mal". Mas no fundo não é isso — afirma a terapeuta de casal Gabriela Damasceno.
Também não necessariamente a atitude é intencional.
— Não estou a fim de namorar porque algo na relação não me fez querer, mas daqui a pouco conheci outra pessoa, teve outra dinâmica, experimentei coisas que não tinha experimentado e deu vontade. São processos das relações. Não estar disponível para uma relação não significa que não esteja para outra — pontua ela. — E é sempre importante lembrar: quando existem dificuldades nas relações, nunca é dificuldade de só uma das partes.
Não estar disponível para uma relação não significa que não esteja para outra
GABRIELA DAMASCENO
terapeuta de casal
Para ficar atenta
Não falar sobre os rumos da relação, não fazer planos para o futuro, não apresentar para os amigos, aparecer só quando há o desejo de uma relação sexual, não apresentar interesse na sua vida e rotina e não postar nada de vocês nas redes sociais são alguns dos indícios listados pelas psicólogas para ficar de olho: assim, fica mais fácil entender se a pessoa está a fim de ter um relacionamento sério ou não.
— Esses detalhes fazem toda a diferença em situações nas quais a pessoa não deixa claro se quer investir no relacionamento ou não, pois falam sobre o nível de comprometimento e preocupação com você — explica Emmanuelle Camarotti.
Cinco dicas para superar
A terapeuta de casal Gabriela Damasceno dá cinco conselhos para quem está passando por uma situação parecida e precisando lidar com a rejeição:
- Entenda o seu valor
"O nosso valor como pessoa nunca pode estar depositado fora da gente. Meu valor não está em como eu me visto, na função que eu exerço, em quanto eu peso, com quem eu me relaciono. Nosso valor está nas coisas que a gente é, nas nossas possibilidades como ser humano. Reconhecer que esse valor não depende dessas coisas externas também é um processo super importante — e difícil, porque muitas vezes ficamos refém desse exemplos anteriores".
- Se permita sentir
"Ainda é muito difícil para as pessoas se deixarem ser vulneráveis. E não digo se expor, chorar em público, mas no sentido de se permitir sentir. Me frustrei, estava com uma expectativa para essa relação e não deu certo. A tristeza é uma emoção natural e importante nessas horas. Muitas vezes, as pessoas não querem passar por isso, não querem se permitir se conectar com o sentimento. E aí é muito mais difícil lidar com essa rejeição, muito mais difícil fazer o processo de elaboração".
- Busque uma rede de apoio
"Alguém que você confie, que você vá se sentir acolhida. Esse acolher é quando a gente pode expressar uma emoção mais vulnerável, como a tristeza, e entender que a outra pessoa vai legitimar a emoção, vai entender que é válida. Não vai julgar, dizer que você não deveria se sentir assim. Sabe quando a gente se sente aceita? Esse é um processo que vai nos ajudar a elaborar essa rejeição e se reconectar com nosso valor".
- Desapegue - sim, dê unfollow!
"Pare o contato com aquela pessoa de quem está querendo se desconectar. Se não, aquele estímulo fica perto e é complicado. Deixe de seguir nas redes sociais, deixe de olhar, para assim realmente recanalizar a energia em outras coisas, em outras relações. A ideia é atender às suas necessidades. Só que, para isso, precisa se conectar consigo: 'O que eu estou precisando? Ficar um tempo mais na minha? Será que já estou querendo sair para festas?' Não existe uma fórmula mágica. Mas esse processo de autoconhecimento, de notar o que eu preciso, é a base para definir a melhor forma de agir".
- Busque ajuda profissional
"Muitas pessoas me procuram por estarem com dificuldades nas relações, por estarem escolhendo relações que não são legais. O que eu sempre explico: temos muitos padrões na forma de manter os relacionamentos. Tem pessoas que não conseguem dizer 'não', outras são impulsivas. Eu diria que uma coisa importante para alguém que vem se frustrando e achando que 'o problema sou eu' é buscar um acompanhamento na terapia para tentar observar esses padrões, entender de onde isso vem. E, também, conseguir mexer nesses padrões se não estiverem trazendo qualidade para as relações".
Produção: Luísa Tessuto