A segunda temporada da novela Verdades Secretas estreou no Globoplay com uma trama ainda mais quente e intensa. E isso não se deve apenas às (muitas) cenas de sexo que vão ao ar na história assinada por Walcyr Carrasco. O que tem despertado a curiosidade do público é o fetiche do personagem interpretado por Gabriel Braga Nunes em usar cordas para amarrar as parceiras e exercer a dominação sobre elas. No folhetim, o milionário Percy lança mão da técnica japonesa conhecida como shibari para se satisfazer na cama.
Para entender tudo sobre o assunto, Donna bateu um papo com a psicóloga e sexóloga Rita Nunes e com a artista e educadora de shibari Akira Nawa. A seguir, saiba mais sobre a técnica, descubra os principais cuidados para praticá-la e tire suas dúvidas.
O que é o shibari?
A técnica de amarração surgiu no Japão e está inserida no contexto do sadomasoquismo. Praticante há mais de uma década, Akira explica que é relativamente parecida com o que se chama de rope bondage, com o uso de cordas e a ideia de restrição do corpo, só que o shibari vem de uma vertente oriental. O foco da técnica está no processo de amarração e na construção de sensações por meio desse ritual.
— Tem uma condução, não é amarrar de qualquer jeito. Há uma preocupação com o outro, o passar da corda por locais ideais, o ritmo de amarrar, há uma construção. Não é só porque você sabe fazer um nó que vai conseguir realizar algo gostoso de sentir no corpo e que seja seguro – ressalta Akira.
Há também um quê artístico importante: quem pratica o shibari pode se encantar pela técnica sem uma intenção sexual. Akira faz um paralelo com o pole dance que, hoje, para além da questão erótica, ganhou espaço como exercício físico, arte e um convite ao autoconhecimento.
— O shibari pode ser uma ferramenta de expressão artística, de criar composições, sentimentos em que está assistindo, por meio de fotos, vídeos, performances ao vivo. É uma ferramenta de estimulação visual, é encantador, diferente e potente de ver — define a educadora.
Na prática, como funciona?
Geralmente, o shibari envolve duas pessoas: uma que vai amarrar e outra que será amarrada. Tudo é consensual e combinado previamente – diferente do que se vê em algumas cenas da novela, o que pode causar confusão. O processo de amarração pelo corpo pode envolver toque, penetração, sexo oral, massagem, uso de outros adereços (como velas e vibradores) e o que mais a dupla estiver disposta a experimentar. Em alguns casos, a pessoa pode ficar suspensa no ar pelas cordas. Segundo Akira, o processo de amarração não costuma chegar a uma hora:
— É uma condução intensa, vai amarrando, trocando de posição, há uma cadência, a pessoa não fica parada muito tempo na mesma posição. O ideal é focar no movimento, não ser apenas estático.
Já a psicóloga e sexóloga Rita destaca que, para alguns casais, essa prática também pode funcionar como uma espécie de preliminar, uma forma de criar ainda mais intimidade e conexão entre a dupla:
— Todos esses temperos, como prazer, dor, conexão, dominação e submissão, ou apenas alguns deles, podem ser parte de um caminho a ser percorrido. O uso das cordas pode levar os participantes a essa aproximação consensual, um meio eficiente para atingir seus desejos.
Vou sentir dor ao experimentar a técnica?
Não necessariamente. Akira explica que tudo dependerá do tipo de condução feita no processo:
— Pode ser (uma dor) mais dura e sofrida, ou mais leve. Mas é uma dor gostosa, como se fosse um apertão, um abraço forte. É desconfortável e dolorido em algumas posições, mas é uma dor de aperto, não de impacto, como em outras práticas de fetiche.
E mais: não necessariamente quem curte o shibari sente prazer em exercer a dominação e a submissão. O fetiche pode ser apenas no ato de amarrar ou ser amarrado, por exemplo.
É saudável ter esse tipo de fetiche?
A sexóloga é taxativa: gosto e preferência cada um tem o seu.
— Só porque não é o mais frequente, não quer dizer que não seja normal — defende a especialista.
O shibari está inserido no campo do BDSM – sigla que se refere às práticas consensuais que incluem bondage (amarração), disciplina, dominação, submissão e sadomasoquismo. São comportamentos que, segundo a psicóloga, hoje não denotam mais uma classificação de doença mental ou algo do gênero – o correto seria encarar essas práticas como variantes da excitação sexual. O ponto que merece atenção para tudo correr bem é os participantes expressarem claramente sem limites físicos e emocionais, diz Rita:
— A possibilidade de ser nocivo está na relação, e não tanto na prática de shibari. Mas, riscos existem. O contexto e a maneira como essa interação se desenrola vão ditar se o caminho é saudável. Alguém pode usar o shibari para "se aproveitar" do outro, e isso não é nada saudável.
Quem pode praticar? E como começar?
Não há restrições para quem quer participar. Com ou sem parceiro (a), é possível se aventurar pelo shibari – há grupos que praticam e trocam experiências e também é possível pagar por sessões particulares com professores. O método exige técnica e treino, por isso, é necessário buscar informações. Há cursos online de introdução, aulas a distância e profissionais que já oferecem sessões presenciais observando os protocolos da pandemia. O auxílio de um especialista é essencial para evitar riscos, como machucar o parceiro ao não amarrar corretamente.
Quais os cuidados?
A técnica é segura caso seja aplicada corretamente. Mesmo assim, é preciso estar consciente de que há riscos físicos e psicológicos em jogo. Veja abaixo alguns pontos de atenção:
- A relação precisa ser consensual, com limites bem estabelecidos entre os parceiros. Combinar antes o que pode e o que não pode faz parte do processo para tudo transcorrer sem prejuízos e de forma prazerosa para ambos.
- Akira explica que o shibari exige nós específicos e uma boa noção corporal para evitar lesões nos nervos dos braços e das pernas, por exemplo. Não se pode "estrangular" o membro, evitando a passagem total da circulação. Também é necessário evitar a pressão nas juntas e nas articulações – amarrar o pescoço, nem pensar! A pessoa amarrada não pode ficar sozinha, já que há risco de desmaios e queda de pressão.
- Existe um equipamento específico para a prática que pode ser adquirido facilmente pela internet. O ideal é o uso de cordas de fibra natural – a mais indicada é a corda de juta. Também é importante ter em mãos uma tesoura usada por socorristas, que não tem ponta e nem lâmina. Caso aconteça alguma emergência, é possível soltar rapidamente a pessoa e não machucá-la.
- Imobilizar alguém com cordas pode servir como um gatilho para quem já sofreu alguma experiência negativa semelhante. Por exemplo: alguém que foi trancado em um armário contra a sua vontade ou até amarrado em um sequestro. Por isso, é importante respeitar os limites do (a) parceiro (a) e também estar atento ao estado emocional da dupla durante o processo. Rita dá uma dica: comece devagar, de repente, imobilize as mãos apenas, com uma algema, e avalie como se sente. Se exponha aos poucos para entender qual são os seus limites.