Somente aos 49 anos, Lígia* chegou ao consultório da ginecologista e sexóloga Sandra Scalco. Já tinha passado por três outros profissionais sem resolver a condição que lhe impedia de ter penetração no sexo. Na internet, descobriu que aquela contração da musculatura vaginal tinha nome. Ao final da primeira consulta, começou a chorar. Quando finalmente acalmou-se, disse:
– Por que ninguém nunca me falou que tenho vaginismo?
A falta de informação leva muitas mulheres a conviver por anos com a disfunção, sem saber que existe tratamento. Soma-se o tabu que ainda ronda a sexualidade feminina e o resultado é uma dificuldade na identificação do problema mesmo no consultório médico.
– Como se trata de uma conversa muito íntima, nem sempre a paciente se sente à vontade para tocar no assunto com o médico ou mesmo com o terapeuta – afirma Scalco, que coordena o Serviço de Atenção Integral em Saúde Sexual do Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre.
Definido como uma contração muscular involuntária no início do canal vaginal, o vaginismo impede desde o uso de absorvente interno até a relação sexual com penetração. O ginecologista Paulo Pontremolez faz mais um alerta: a condição pode impossibilitar a realização do exame preventivo do câncer de colo do útero. Em muitos casos, o profissional não consegue introduzir nem o "espéculo de virgem", o menor instrumento usado no Papanicolau.
Algumas pacientes nem chegam a tentar: prevendo a dor durante o exame, evitam realizá-lo sob a justificativa – nem sempre verdadeira – de que estão menstruadas. De acordo com Scalco, na grande maioria dos casos, nenhuma penetração é possível. Eventualmente, a paciente pode até conseguir, mas com muita dor e dificuldade.
Tratamento é multidisciplinar
As causas do vaginismo são multifatoriais, podendo ter aspectos emocionais e sociais. Uma experiência traumática pode dar uma conotação negativa à relação sexual para o resto da vida, segundo Pontremolez. Scalco explica que a origem da disfunção pode estar em um abuso sexual, mas essa situação corresponde a uma minoria dos casos. Mais frequentes são históricos de repressão.
Famílias que usam o discurso do medo na tentativa de prevenir uma gravidez precoce, por exemplo, podem contribuir para que a mulher, ainda na infância ou adolescência, entenda que sexo não é bom.
– Ameaças como "se tu me aparecer grávida, vai morar embaixo da ponte" podem ser registradas no cérebro como "penetração é algo perigoso" – diz Scalco.
Quando surge a dificuldade no ato sexual, é comum pensar que é só uma questão de relaxar, quem sabe tomar um vinho e tentar de novo. A sexóloga alerta para essa armadilha:
– Como a mulher não consegue resolver sozinha, se frustra. As pacientes costumam dizer que se sentem ETs, como se fossem as únicas no mundo a não conseguir ter uma relação com penetração.
A boa notícia é que o vaginismo é uma das disfunções sexuais femininas mais fáceis de tratar, segundo a médica. A abordagem mais adequada é multidisciplinar, com exercícios para o assoalho pélvico e terapia sexual. Pela sua experiência, Scalco afirma que o tratamento pode levar de seis meses a um ano.
Fazem parte do tratamento técnicas de relaxamento, de abertura das pernas e a dessensibilização com dilatadores, cilindros geralmente de silicone com espessuras variadas que, ao serem introduzidos no canal vaginal, ajudam a alargá-lo aos poucos. No consultório, as mulheres aprendem exercícios que devem fazer em casa. Quando o parceiro participa do processo, a cura tende a ser mais rápida.
Como a mulher não consegue resolver sozinha, se frustra. As pacientes costumam dizer que se sentem ETs, como se fossem as únicas no mundo a não conseguir ter uma relação com penetração".
SANDRA SCALCO
sexóloga
Scalco explica que o vaginismo não significa ausência de excitação ou impossibilidade de ter orgasmo. As pacientes podem ter prazer com outras práticas sexuais, o que pode se tornar mais um motivo para adiar a busca por apoio, embora elas relatem que gostariam de ter a experiência da penetração. Muitas procuram ajuda somente quando desejam engravidar ou, em uma situação quase oposta, quando o casamento está prestes a ruir.
Para a médica, a mulher não deveria chegar a essas situações para entender a importância da sua saúde sexual. Depois de tratado o vaginismo, segundo ela, é nítida a melhora na qualidade dos relacionamentos e em outros aspectos da vida das pacientes.
– Elas se mostram mais abertas para outros prazeres, como sair e viajar – afirma.
* nome fictício para proteger a privacidade da paciente