As mulheres estão cada vez mais interessadas em novas formas de cultivar sua sexualidade. Um bom começo pode ser um papo franco sobre sexo. Foi isso que mais de cem mulheres fizeram na noite de 16 de julho, em Porto Alegre.
Naquela terça-feira gelada, depois de atender no consultório e no hospital, a sexóloga Sandra Scalco cumprimentava o público que chegava ao auditório para o painel E o Sexo, Como Vai?
– Oi, que bom que vieste!
– A gente sempre tem o que aprender – respondeu Belkis dos Santos, 75 anos.
A professora universitária aposentada se define como alguém de um tempo quando falar de sexo era tabu. A média de idade das presentes devia ficar entre 35 e 50 anos, faixa etária do público que costuma recorrer a Juliana Silveira, a promotora do evento daquela noite.
Algumas fileiras à frente de onde sentou Belkis, estava a fisioterapeuta Viviane Timm Wood, 36 anos, acompanhada das amigas Cristine Weihrauch Pedro, médica de 28 anos, e Michele Berggsvist, empresária de 36 anos, que a presentearam com o ingresso para o evento. Viviane separou-se recentemente daquele que foi seu primeiro namorado e com quem viveu por 18 anos. Aceitou o convite com o objetivo de “se autoconhecer e se renovar”.
Michele e Cristine, cujos casamentos já duram 17 e 13 anos, respectivamente, aproveitaram o momento para se perguntar: “Não estamos acomodadas?”. Solteiras, casadas ou divorciadas, todas buscavam novas formas de reencontrar o prazer. Estar disposta a falar sobre o tema já é um avanço, acredita a sexóloga Sandra, que há mais de 20 anos trabalha com saúde sexual feminina.
Não é só para septuagenárias como Belkis que falar sobre sexo ainda é tabu. Para a ginecologista, a sexualidade feminina é invisível para boa parte delas mesmas.
Uma prova dessa invisibilidade veio da pesquisa para sua tese de doutorado, defendida em 2018. Foram entrevistadas 620 pacientes. Das diagnosticadas com disfunção sexual, 43% sequer consideravam ter problemas com relação a sexo mesmo apresentando dor na relação ou falta de libido e orgasmo, características da disfunção caso persistam por mais de seis meses.
– Como a sexualidade feminina não tem muita visibilidade, as mulheres nem sempre identificam aquilo como fator de estresse. Ou porque não dão importância ao sexo ou nem sabem que podem acessar um tratamento – afirma a médica, que coordena o Serviço de Atenção Integral em Saúde Sexual do Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre.
Mas não é preciso ter um diagnóstico de disfunção para começar a priorizar seu prazer. Segundo Sandra, em média, as mulheres têm orgasmos em metade das suas relações. Por que não ter mais? Para as palestrantes daquela noite, a resposta está em a mulher se “empoderar” na cama.
– A palavra está um pouco desgastada, mas estamos falando de as mulheres se “empoderarem” também no quarto assim como já são tão poderosas no mercado de trabalho – diz Juliana, que é autora do livro Divórcio – A Construção da Felicidade no Depois.
Nos preocupamos mais em dar do que em receber prazer. A mulher acaba sendo uma grande doméstica, inclusive na cama.
JULIANA SILVEIRA
Escritora
Formada em Relações Públicas, Juliana criou o projeto New Families para ajudar outras mulheres depois do divórcio.
A iniciativa nasceu após o fim do seu primeiro casamento, quando conheceu a advogada Paula Britto, especialista em família e sucessões, a terceira painelista da noite. Pelas suas experiências pessoais e profissionais, perceberam o quanto as mulheres vêm buscando redefinir sua sexualidade.
– Elas saem de relações longas e caem em um mundo onde existe Tinder – fala Paula.
Juliana complementa:
– É toda uma cultura voltada para servir. Nos preocupamos mais em dar do que em receber prazer. A mulher acaba sendo uma grande doméstica, inclusive na cama.
– Uma grande doméstica… É verdade – repete uma mulher na plateia.
– Agora sei por que meu casamento acabou – cochicha outra para a amiga ao lado.
Autora do Manual da Separação: Guia Prático, Funcional e Acolhedor, Paula percebeu que o sexo é usado como manutenção do relacionamento: apesar de não terem mais desejo, elas cedem para satisfazer o outro. Depois de tanto tempo transando sem prazer, o sexo se torna negativo, e a mulher pode desenvolver aversão à relação sexual.
Saber do que se gosta
A essa altura, a mulherada já tinha entendido o peso da questão cultural no seu prazer. Desvendados alguns porquês, era hora de responder como ter mais prazer. Sandra incentiva as mulheres a se legitimarem como “seres sexuais”.
– É raro uma mulher tomar a iniciativa no sexo. Ela não se permite afirmar: “Sim, eu tenho vontade de transar” – afirma.
O efeito colateral dessa invisibilidade nos casais heterossexuais, diz a médica, é que as relações acabam conduzidas pelos homens, para quem a penetração é muito mais prazerosa. Uma pesquisa feita pela Prazerela ajuda a situar a questão: para 84% das 1.370 entrevistadas, a penetração não é a forma que mais lhes dá prazer.
Para elas, é mais gostoso ser tocada no clitóris, masturbar-se ou receber sexo oral. O resultado só surpreende quem desconhece o corpo feminino, já que o órgão sexual das mulheres é o clitóris, com bem mais terminações nervosas do que o canal vaginal.
– É loucura pensar que o sexo da mulher, culturalmente, esteja ligado à reprodução – diz Sandra.
Mas se até 1998 nem mesmo a medicina conhecia por completo o órgão que serve exclusivamente para o prazer, como culpar mulheres que não entendem totalmente seu corpo?
Outra peculiaridade está no mecanismo de desejo. Para eles, o processo costuma ser linear: começa com um desejo espontâneo e termina de um jeito inconfundível. Já para elas, o esquema mais comum é circular e o gatilho está ligado a questões emocionais. Além disso, elas podem ter um ou múltiplos orgasmos ou prazer sem orgasmo. Esse modelo só foi desenvolvido no início dos anos 2000, por Rosemary Basson.
Com tantas informações novas – e sabe-se lá o que mais por vir –, faz parte da redescoberta do prazer experimentar e dialogar com seus parceiros ou parceiras.
– Sexo de longo prazo só sobrevive com muita criatividade. A questão é o consentimento. Tudo o que se permite fazer entre quatro paredes é válido – diz Sandra.