Foto: Pexels Resposta: “Não, são ótimas perguntas! Pode viver até 72h o “Rambo”. E se o líquido não entrar em contato de jeito nenhum com o períneo e secreções (ele pelo menos não nada no “seco”), tudo tranquilo. Ou seja, sem pinceladas, minha cara!”
Elas são sinceras. Demais. Respondem às perguntas mais delicadas do mundo de um jeito direto, sem rodeios. Exatamente como fazem em seus consultórios, de forma bem despojada – e também, muitas vezes, desbocada. Elas são TS, JS, BW e CC, as quatro autoras da página Ginecologista Sincera, que soma quase 170 mil curtidas. Decidiram manter em segredo suas identidades para dar foco apenas a um objetivo: democratizar a ginecologia e ajudar mulheres a conhecerem melhor seu corpo e sua sexualidade.
Falam sem papas na língua sobre sexo, pílula, aborto, menopausa, pornografia e tudo relativo a ser mulher, incluindo bons debates sobre igualdade de gênero. Com idades entre 31 e 44 anos, as ginecologistas – três residentes em Santa Catarina e uma no Rio Grande do Sul – se conheceram por diferentes caminhos, na residência médica ou em grupos de discussão de temas como parto humanizado. A fundadora, que se identifica como JS, criou a página em 2015 por não aguentar mais tantas pacientes apitando com mensagens de WhatsApp ou Messenger até na madrugada. Excluiu todos do perfil pessoal e optou pelo sincericídio... anônimo. A amiga e colega de profissão TS foi convidada para a empreitada. A quantidade enorme de mensagens recebidas de curtidores (já chegou a contar mais de 200 por dia) motivou a chegada de mais duas integrantes ao grupo.
No tempo livre, elas se alternam para responder às dúvidas das leitoras – e dos leitores também, claro, já que volta e meia os homens surgem com questões sobre o funcionamento do corpo (e da cabeça) das mulheres. E são justamente as questões sobre aspectos além da saúde física que fazem das ginecologistas as confidentes também para o bem-estar emocional.
– Atendo todo dia mulheres que parecem uma panela de pressão. É muito difícil um dia de trabalho em que nenhuma chore. É muita pressão – diz JS.
O consultório, então, se torna o lugar seguro, explica BW:
– É lá que a mulher fala sobre alguns assuntos que são tabu mesmo na sessão de terapia. Tenho pacientes que têm dores na relação sexual e não fazem a menor ideia de que isso acontece porque são obrigadas a transar com o marido mesmo sem vontade. Elas vão tratar da dor achando que têm uma doença.
A seguir, os principais temas abordados pelo quarteto sincero.
MEU CORPO
As mulheres não conhecem sua própria anatomia, isto é um fato. Há desde pacientes que chegaram ao consultório reclamando de um nódulo (e o respectivo vinha a ser o clitóris) quanto perguntas no Facebook como “Absorvente interno faz a mulher deixar de ser virgem?” e outras da própria anatomia (“O xixi sai do mesmo orifício da menstruação?”). As formas de engravidar (“Sexo anal engravida?” ou “Se transei duas vezes desprotegida, preciso tomar duas pílulas do dia seguinte?”) também são populares entre as perguntas.
– Tem muita mulher que não tem noção do próprio corpo. Na consulta, a gente fala, mostra e permite que a mulher conheça sua vulva e vagina, por exemplo. Mostra o colo do útero, deixa elas se tocarem e, principalmente, ouvimos as queixas. Na página, a gente também estimula que elas se conheçam melhor – diz CC. – Chegam muitos depoimentos dizendo que, por causa da página, elas abriram os olhos para tudo, mudaram de vida.
CAMISINHA
Parece batido falar disso? Pois é uma tecla em que as quatro ginecologistas fazem questão de bater diariamente. Todas são unânimes ao afirmar que as mulheres não se cuidam devidamente.
– As que têm parceiros são infinitamente mais vulneráveis, na boa. Pelo menos, as prostitutas que atendo nem discutem a camisinha. Já as outras, com um mês de namoro, entregam o selo imaginário de pureza ao bonitão e abandonam a camisinha sem nem pedir exames – afirma JS.
Ela relata que todas (todas, sem exceção) as pacientes que receberam em seu consultório o diagnóstico de HIV eram casadas ou namoravam.
– A minha realidade é a mesma da JS em relação às profissionais do sexo – relata BW. – Não tenho nenhuma que não use preservativos. Em compensação, dá para contar nos dedos as adolescentes que usam.
“VOCÊ NÃO É OBRIGADA”
– Acho que a maior mensagem que a gente passa é a mais importante e a que as mulheres têm menos contato – resume JS.
“Você não é obrigada”. Não tem que transar sem vontade, não tem que cuidar sozinha da contracepção nem se esforçar pra usar um método anticoncepcional que te faz mal, não tem que ter vergonha do próprio corpo, não tem que assumir sozinha o cuidado da casa e dos filhos e dos pais e dos sogros e do tio-avô bêbado e de todo mundo que precise, não tem que estar sempre sorrindo e falando manso sem reclamar e aguentando tudo porque tem que ser “feminina”, não tem que ter vergonha de falar de sexo, se tocar, rebolar gostoso e gozar muito. E mais: a mulher não precisa casar e ter filhos pra ser uma pessoa completa e feliz. Domingo fui num baile de Carnaval e tinha uma mulher linda chorando no banheiro porque “ninguém chegou em mim”. Foi bem triste – diz JS.
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EMPODERAMENTO
Falar sobre prazer feminino é um grande tabu para as mulheres – e logicamente o tema não passa batido na página. Para as sinceronas, a “culpa” é da cultura conservadora em que vivemos. Aliás, todas se consideram feministas, “mas sem carteirinha oficial porque várias militantes já vieram aqui confiscar as nossas”, escreve JS.
– Vivemos ainda em uma sociedade muito machista, onde o comportamento feminino deve manter um certo padrão. Isso é notório desde a infância, pela construção da diferença de gêneros. Sexo faz parte do cotidiano, mas o problema é como isso chega às meninas. É gritante a diferença entre a abordagem masculina e feminina em relação às questões sexuais – opina CC.
O direito a escolhas e à liberdade também é uma constante na página. Em resposta a uma leitora de 35 anos que não quer ter filhos e perguntou se podia fazer uma laqueadura, a Ginecologista Sincera do Facebok respondeu: “Pode fazer, ué, tens todo direito a uma laqueadura, assim como o seu marido de fazer uma vasectomia, que inclusive é um procedimento infinitamente mais inteligente e seguro. O problema é encontrar profissionais que estejam mais preocupados em respeitar a autonomia do que cagar regra na vida reprodutiva de vocês”.
TOP 3 DO CONSULTÓRIO
1 | GRAVIDEZ
As perguntas mais comuns na página são sempre nesta linha: “Qual a chance de eu ter engravidado fazendo x, y ou z?”, “Será que engravidei nas condições assim ou assado?”. As questões incluem descrição de como foi a relação sexual, se a camisinha estourou, se houve coito interrompido, há quantos dias ou semanas a menstruação está atrasada etc.
Exemplos
Pergunta: Líquido seminal/pré-seminal engravida se colocado na região da vulva, mas não dentro da vagina? Espermatozoides vivem quanto tempo? Peço perdão pela pequena ignorância.
Pergunta: Quais as chances de uma gravidez acontecer no caso da camisinha estourar durante a penetração, sem ejaculação, e a mulher estando amamentando por livre demanda?
Resposta: “Sem ejaculação? Com a mulher amamentando mais de 6x dia? Menos de 1%... Se nascer, é Jesus.”
2 | DORES E SAÚDE ÍNTIMA
Quase empate técnico com o primeiro item. As ginecologistas dizem que o “estou com uma dor” é bem frequente. Muitas seguidoras da página relatam em detalhes como ocorre e seus sintomas, o que motiva as profissionais a orientarem para uma consulta presencial. Porém, não raro as médicas intuem que o desconforto é de outra natureza.
– Tem mulheres que ignoram que transar sem vontade, por exemplo, pode causar problemas porque a mente não se dissocia do corpo como elas gostariam. Não somos só seres biológicos, somos também sociais. Então, a ginecologia não vai tratar a mulher como um todo se souber olhar apenas pra uma parte dela – diz JS.
Também aparece muito a queixa “Estou com um corrimento estranho, é normal?”, bem como outros tipos de relatos de problemas com odores e secreções.
3 | É NORMAL...?
O “é normal”, aplicado a diversas questões, também surge com frequência. BW explica que, tanto na página quanto no consultório, existem muitas neuras sobre o que seria um comportamento normal no sexo.
– Por exemplo: é senso comum que ter dor no sexo é normal, que não ter orgasmo é normal, que mulher tem menos tesão que homem e por aí vai. O que a gente tenta é desconstruir esse olhar. A gente não quer dialogar só com as ultrafeministas desconstruídas cheias de teoria e libertárias. A gente quer dialogar com a mulher comum. Dizer a ela que não é normal ter dor, que ela não é obrigada a transar e que ela pode pensar sobre isso tudo sem se sentir um ET – diz BW.
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