Quando os 40 anos estavam prestes a dar as caras na vida de Gabriela Munhoz, a atriz lajeadense se viu apaixonada por um texto que convida a pensar, através dos olhos de uma mulher, sobre o tempo e as situações sobre as quais não se tem controle.
As linhas foram escritas pela autora canadense Haley McGee em Age Is A Feeling. Depois de traduzido para o português e transformado em peça por quatro nomes da cena artística gaúcha, Idade É Um Sentimento estreia no 18º Festival Palco Giratório, nos dias 13 e 14 de novembro, no Teatro da Santa Casa (Av. Independência, 75).
— Cada vez mais penso sobre porque comprei esse texto, e acho que foi porque traz o mote de que: “Ninguém pode saber tudo sobre a própria vida”. É algo que me interessa e que tenho pensado mais com a chegada dos meus 40 anos, em abril. O teatro nos ajuda a pensar e atravessar coisas da vida quase como numa catarse — afirma Gabriela, que estrela a peça.
Nas mãos das quatro gaúchas, a protagonista ganhou corpo e contexto: é uma mulher brasileira, do Rio Grande do Sul, em 2024. O intuito da peça é dar conta do que é a experiência de uma vida feminina dos 25 anos até a velhice, por meio de vivências como a decisão de ter filhos, o relógio biológico, a menopausa, o machismo e o descrédito no ambiente profissional, entre outras.
Na sua concepção, a obra seria um monólogo, mas a diretora Camila Bauer optou por também colocar em cena a cantora e performer Paola Kirst, que faz a trilha e os efeitos sonoros ao vivo e incorpora uma série de personagens — interpreta tanto a amiga da protagonista como o sentimento de dor da perda de um irmão ou o som de corações imaginários, flutuando diante de uma nova paixão. A direção de movimento fica por conta da coreógrafa Carlota Albuquerque.
A montagem teatral encontrou um jeito de se manter fiel à ideia de que “não há como saber de tudo sobre a vida” e de que não é possível saber quais serão as consequências das escolhas que fazemos ao longo do tempo: há algumas cenas fixas e outras que são escolhidas pelo próprio público na hora, moldando o rumo da história. Desta forma, os espetáculos nunca serão iguais e é possível que algumas cenas pré-ensaiadas nunca sejam escolhidas para vir ao palco. É uma espécie de metáfora para os famosos “e se?” que nos confrontam ao longo da vida.
— O público pode vê-la conhecendo um cara que é um grande amor, ou pode não ter nada disso. Esta peça não tem arco, o que ela tem é passagem do tempo, é nisso que nos agarramos — explica a diretora.
Sobre o tatame da sala de ensaios no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, onde estão dando os últimos retoques na peça, as artistas receberam a reportagem de Donna e propuseram um bate-papo sobre a obra e os pontos em que esta ficção se encontra com a real experiência de vida das mulheres.
O título provoca uma pergunta: será que a idade é mesmo um sentimento?
Camila: Nós fizemos essa pergunta para dois atores, a Sandra Dani, que tem uns 70 anos, e Luiz Paulo Vasconcellos, 84. Eles responderam que idade também é um sentimento, mas não é só um sentimento.
Gabriela: A minha personagem inclusive fala: “Você quer se convencer de que idade é só um sentimento, mas você sente o tempo e fica com medo”, porque a idade é concreta também. Há um corpo físico, que envelhece, sente dores, tem doenças.
Camila: Tem algo no corpo que te diz que idade não é só um sentimento, mas há algo na vida que te diz que também é um sentimento. Tem pessoas com 80 anos cheias de vida, e outras que têm uma postura mais “Estou velho e deu”. Aos 40, a gente pode até achar, mas alguém com 70 vai te dizer que não é só isso.
Carlota: Os exames, os joelhos e as costas começam a dizer que não é só um sentimento (risos). É não se sentar no chão por saber que depois vai ser difícil levantar.
Esse título remete ao clássico: “Você é a idade que tem na cabeça”, mas vai para além disso, não é?
Gabriela: O texto é um grande chamado para curtir a vida. É sobre aproveitar o tempo com tudo o que tem no pacote, com dor, envelhecimento, com perda de mãe, pai, irmão. E, de algum modo, encontrar um jeito de fazer escolhas, porque nem tudo se trata disso, é claro, mas boa parte, sim.
Carlota: Envelhecer é ter perdas. Se há alguma coisa que a gente pode dizer que tem, são perdas. O que não quer dizer que não haja ganhos.
Qual reflexão a ausência de controle sobre o tempo provoca em vocês?
Camila: Tem uma parte que diz: “Eu não consigo prever o futuro, mas consigo senti-lo vindo na minha direção”, então é uma reflexão sobre o que será que nos espera? Será que vamos envelhecer bem ou mal? E o que isso quer dizer? O que se ganha e o que se perde com envelhecimento? O texto lida com a passagem do tempo sob a perspectiva de uma mulher jovem, a qual especula sobre como será o seu futuro — se fosse a perspectiva de uma mulher de 85 anos, certamente seria diferente. Aparecem temas como o corpo, o trabalho, perdas de familiares e amigos. No caminho da vida vai se perdendo pessoas e, ao mesmo tempo, vai se ganhando maturidade e entendimento.
Você tem 40 anos, Gabriela. Está vivendo processos parecidos com os que a personagem vive nesta idade?
Gabriela: Sim, é superparecido. Aos 56 anos, ela fala sobre estar encontrando uma leveza maior e eu, aos 40, já me sinto muito mais feliz do que aos 30 ou aos 20. Estou muito mais realizada e indo mais ao encontro das coisas que gosto e que acredito. Estou muito mais conectada ao que realmente importa para mim, mas ainda desejando os 56 porque quero mais disso, quero trabalhar um pouco menos, curtir mais.
Vocês também falam de machismo, fica evidente na cena em que a personagem precisa convencer seu interlocutor de que tem prerrogativa para realizar seu trabalho sem estar acompanhada do colega homem...
Camila: É difícil ser mulher e não ter enfrentado situações de machismo, em que alguém tenta te diminuir dentro do trabalho pelo simples fato de ser mulher. O texto original já traz isso, mas nós enfatizamos essas questões de como é ser uma mulher de 40 anos no mercado de trabalho.
Carlota: Também tem a questão da melancolia do envelhecer, esse sentimento que vai se dando e que me afeta.
A peça critica o costume que algumas pessoas têm de dizer: “Ah, morreu idoso, então viveu bastante”?
Camila: A gente coloca que o irmão dela morre e as pessoas vão dizer que ele já estava velho, aproveitou bem a vida. Mas e aí? A partir de que idade ele já aproveitou “o bastante” e não merece mais a vida? Todas as idades são um grande desafio, por motivos diferentes.
“Aos 25 é quando a vida começa”, diz o pai da personagem. Vocês acreditam nisso?
Camila: Nunca pensei muito sobre o tempo, sempre tenho a sensação de que tudo pode acabar a qualquer momento. Claro que há uma linha lógica da vida, mas tem tanta coisa que é abrupta e imprevisível que a linha do tempo parece uma ilusão, para mim. Por exemplo, a personagem faz 90 anos, vive um monte. Mas antes, quando está com 70 e seu irmão morre, ela pensa: “Também estou velha, acabou”. Mas a cada etapa ela acha que está chegando perto do fim, porque não sabe quando é o fim.
Gabriela: Ela fala: “Você vai ter muito medo de morrer de alguma doença e vai ficar muito aliviada quando se der conta de que aquilo não era o que você achou que fosse. E, saindo do consultório médico, você vai se dar conta de que a sua saúde é tudo, mas em pouco tempo você volta a beber demais, comer demais, dormir de menos”. Isso é comum a todos, quem nunca sentiu uma bolinha em algum lugar do corpo, e aí sai do consultório com a biópsia negativa e pensa: “Agora vou me cuidar muito”, mas depois de uma semana está lá, tomando uma cerveja, se atracando no sorvete. Isso é muito humano.
Nas cenas em que o amor acontece, o que a protagonista vive?
Gabriela: Ela fala que não quer ser como a maioria das pessoas, diz que amor romântico é uma coisa que inventam para dar um sentido às suas vidas e depois se decepcionar, e que não quer isso para ela. Até que vem o amor.
Quais reflexão vocês esperam trazer com a peça?
Camila: É simples, mas diria que a mensagem é: “Vamos, a vida é isso!”. Tudo o que sabemos é que hoje a gente está aqui. Do daqui a pouco a gente não sabe, toda a especulação sobre o futuro nada mais é que especulação.
Gabriela: É um convite para aproveitar o tempo agora.