Em cenários de catástrofe ambiental, semelhantes ao que o Rio Grande do Sul vivencia desde o final de abril, é comum haver impacto importante na saúde menstrual das mulheres, especialmente das que precisaram sair de casa e se instalar em abrigos. Períodos de falta de água, banheiros compartilhados e dificuldade de acesso a itens básicos de higiene menstrual são alguns dos desafios que as vítimas da enchente enfrentaram ou seguem enfrentando — nesta segunda-feira (3), o Estado registra mais de 37 mil pessoas em abrigos.
Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Conforme a ginecologista Nadiessa Almeida, professora da Escola de Medicina da PUCRS e apresentadora do podcast de saúde feminina Do Hipotálamo à Vagina, dignidade menstrual pressupõe ter acesso a produtos e condições de higiene adequados:
— É ter acesso a absorventes, coletores menstruais, água, saneamento básico etc.
A Defesa Civil do Estado tem recomendado, entre os itens para doação e nos kits de higiene, a inclusão de absorventes. Esses donativos são repassados aos municípios, responsáveis pela gestão dos abrigos e o encaminhamento dos itens. Há também uma série de iniciativas independentes que tem reunido recursos para comprar produtos de higiene básica e saúde menstrual, como a campanha Mãos Dadas pelo Sul, realizada pela empresa Herself.
De acordo com a enfermeira Michelle Mônica Ruprecht Redin, que coordenou por cerca de 10 dias um abrigo no bairro Morro do Espelho, em São Leopoldo, a principal dificuldade no momento não tem sido a falta de absorventes e calcinhas — embora estas doações precisem continuar chegando para a manutenção da dignidade de quem ficará abrigada por um longo tempo — mas sim a higiene pessoal, já que os banhos são limitados e a limpeza e secagem das peças íntimas é mais complicada.
— No início, quando ainda não tinha água, o que tínhamos para oferecer para a higiene delas eram os lencinhos umedecidos, que vieram bastante nas doações, junto com calcinhas e absorventes. Mas uma dificuldade agora é que muitas tem de lavar a roupa íntima no banho e colocar para secar no quarto ou espaço onde estão alojadas e é difícil secar. Então às vezes acabam repetindo a roupa íntima e trocando só o absorvente — relata a enfermeira.
Também é de conhecimento dos ginecologistas que em alguns abrigos, por falta de estrutura e acesso a áreas de serviço, as roupas íntimas estão sendo higienizadas no chuveiro e deixadas para secar em ambientes pouco arejados.
— Nesta situação de exceção, deve-se higienizar bem a peça com o sabão ou sabonete que esteja disponível e, se possível, colocar para secar em um local arejado. Caso não exista esta possibilidade de secar ao ar livre, com sol e vento, sugiro que encontrem dentro do abrigo um local onde a peça possa ser suspensa para secar. Evitar que fique longos períodos dobrada e molhada ou secando dentro de sacolas plásticas, pois pode facilitar a proliferação de fungos — explica Nadiessa.
Quanto à higiene pessoal, o momento também é de bom senso e de fazer o que estiver ao alcance, reflete a médica:
— Normalmente sugerimos que as mulheres não utilizem lenços umedecidos na região vulvar e anal e que não façam uso frequente de protetores diários de roupa íntima. Entretanto, na situação de calamidade que vivenciamos, as orientações devem ser sensatas e razoáveis. Se o que há disponível no local para higiene são lenços umedecidos, eles podem ser utilizados. Assim que a estrutura local permitir, volta-se às recomendações habituais de higiene íntima, de fazer a lavagem com água e sabonete, evitar lenços e protetores diários como rotina diária.
Nadiessa também recomenda prestar atenção a sinais de problemas de saúde íntima que podem estar relacionados ao contexto atual de alto estresse e dificuldade de higiene. Alguns sintomas que servem de alerta são prurido (coceira), sinais de irritação como ardência ou vermelhidão local, alterações importantes de corrimento vaginal, odor fétido e lesões dolorosas. Se estes fatores estiverem presentes, a recomendação é buscar avaliação médica.
— Nas situações em que há necessidade de avaliação ginecológica nos abrigos, a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do RS (Sogirgs) tem disponibilizado um canal direto para solicitação de consultorias e avaliações presenciais. Os coordenadores de abrigos podem solicitar esta avaliação dos especialistas através do link disponível nos canais de comunicação da Sogirgs, como o Instagram — ressalta a especialista.