O bem-estar feminino está inteiramente ligado a aspectos emocionais e ao acesso a recursos de higiene adequados. Portanto, não é incomum que mulheres observem desequilíbrios no organismo em consequência das enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas.
A tragédia climática afetou negativamente mais de 90% da população do Estado, seja de forma direta ou indireta. A situação desorganizou a vida de muita gente, e grande parte das pessoas teve que lidar com condições sanitárias adversas e com uma mistura de sentimentos.
A seguir, entenda algumas das questões de saúde feminina que podem ser influenciadas por fatores sanitários e/ou pelo estresse.
Alterações no ciclo menstrual
Uma das notáveis mudanças que podem ser observadas em momentos estressores é o atraso na menstruação.
O ciclo menstrual ocorre de maneira cíclica em mulheres na idade fértil. Começa no primeiro dia da menstruação e termina no dia anterior ao início da próxima. Contudo, engana-se quem pensa que está relacionado apenas ao sistema reprodutor.
— Temos uma estrutura neural na base do crânio que chamamos de hipotálamo. Fica bem perto da hipófise, que é outra localização do sistema nervoso central. Esses locais produzem hormônios que vão se "ligar" aos ovários na idade da primeira menstruação e vão fazer com que a mulher tenha ciclos menstruais regulares todos os meses — explica Nadiessa Almeida, ginecologista e professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Conforme a especialista, qualquer interferência nesse circuito — formado por hipotálamo, hipófise e ovários — pode alterar as produções hormonais e fazer com que o ciclo não funcione da forma correta. O estresse e a ansiedade estão entre as principais causas, considerando que, nesses casos, o corpo produz substâncias, como o cortisol, capazes de provocar intervenções.
— Uma pessoa que está muito estressada libera neurotransmissores que sobem para a região cerebral e fazer um bloqueio do ciclo menstrual. Agem como inibidores da parte em que inicia a menstruação — exemplifica a médica.
O estresse pode estar vinculado a sono inadequado, questões emocionais, ansiedade e medo. Qualquer fator que o desenvolva está colocado como um pilar para a ascendência de infecções imunológicas
SIMONE VACCARO
Ginecologista
Nadiessa afirma que alterações pontuais são comuns. Entretanto, considerando mulheres que não fazem o uso de métodos contraceptivos hormonais, se as irregularidades se tornarem persistentes, com a interrupção do ciclo ou com mudanças na frequência, duração, regularidade e volume, é importante buscar orientação de um ginecologista.
Infecções urinárias
A Defesa Civil do Rio Grande do Sul divulgou nesta quarta-feira (22) que mais de 649 mil pessoas estão fora de suas residências em razão da chuva. Destas, mais de 68 mil estão alocadas em abrigos. Nesses contextos, é comum que mulheres encontrem dificuldades para a obtenção de itens básicos, como absorventes e peças íntimas. Nem sempre a quantidade de doações é suficiente para atender toda a demanda.
O próprio acesso à água potável e a saneamento básico pode ser restrito. Há mulheres que, mesmo em casa, estão impossibilitadas de utilizar o recurso hídrico.
Tais circunstâncias impedem a manutenção de hábitos de higiene adequados e a hidratação, o que pode contribuir para um crescimento dos casos de infecção urinária. De acordo com a ginecologista Simone Vaccaro, isso ocorre porque essas conjunturas podem favorecer a proliferação e a entrada de microrganismos no trato urinário.
— Quando a pessoa evita ir ao banheiro, a urina que está na bexiga vai ficando mais concentrada, o que também pode influenciar (na incidência de infecção urinária). Outro fator é a higiene ineficaz e, com isso, um possível contato fecal com o canal urinário, que pode levar ao desenvolvimento da condição — aponta.
A especialista explica que há bactérias naturalmente presentes no corpo. Contudo, quando há um desequilíbrio, elas podem ser patogênicas.
— A principal bactéria presente em casos de infecção urinária é oriunda do intestino. Quando está fora do seu habitat e migra para a bexiga em uma concentração maior, faz o processo infeccioso.
Eventos de esgotamento emocional e queda da imunidade também podem facilitar a sequência infecciosa.
— O estresse altera a produção natural dos hormônios, e temos hormônios focados na imunidade. Quando a pessoa está em um ambiente de estresse, ela aumenta os níveis de cortisol, o que muda a produção natural das defesas do nosso organismo — afirma Simone.
Entre os principais sintomas da condição estão urgência para urinar com frequência, pouca eliminação de urina em cada micção, ardor, febre, sangue na urina e forte odor. Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor. Segundo Simone Vaccaro, se há uma demora para o início do tratamento, a inflamação pode atingir outros órgãos, como os rins, e provocar um caso mais grave, como a pielonefrite.
Candidíase
Mudanças na rotina, no sono e no bem-estar podem alterar o equilíbrio do organismo. Especialistas explicam que essas oscilações também implicam no desenvolvimento da candidíase, uma infecção vaginal causada por fungos que ocorre quando há uma alteração na flora vaginal.
— Esses fungos, que habitualmente existem na flora vaginal, estão em equilíbrio com outros microrganismos e não causam sintomas sempre. Quando ocorre um desequilíbrio nessa flora é que os sintomas aparecem. E as alterações de imunidade são uma das causas disso. Por isso, quando estamos passando por um período de grande estresse, a candidíase tende a aparecer — explica a ginecologista Rafaela Colle Donato.
A médica Simone Vaccaro aponta que a chamada cândida é um fungo que coabita o organismo. Quando a capacidade de defesa imunológica diminui, o microrganismo pode se proliferar e causar sintomas desagradáveis, como coceira, ardência, fissuras e corrimentos esbranquiçados.
Simone também reforça a questão do estresse nesse contexto atual como um alicerce para diferentes patologias.
— O estresse pode estar vinculado a sono inadequado, questões emocionais, ansiedade e medo. Qualquer fator que o desenvolva está colocado como um pilar para a ascendência de infecções imunológicas, não só a infecção urinária, como também a candidíase vaginal, infecções respiratórias e até estomacais — informa Simone.
O diagnóstico é feito por meio de avaliação clínica, com base nos sintomas e no histórico da paciente. É importante consultar um médico para o tratamento da candidíase.
*Produção: Carolina Dill