Você já parou para pensar sobre sua relação com o ciclo menstrual? Há quase 30 anos, a escritora e pesquisadora britânica Lara Owen investiga o comportamento de mulheres ao redor do mundo quando o assunto é a menstruação. Em 1993, ela publicou a obra Seu Sangue É Ouro, que ganhou, em 2019, uma edição revisada e ampliada em português pela Editora Lótus 22.
E mais: Lara está se preparando para lançar em livro sua tese de doutorado que discute o uso de coletores menstruais e as políticas focadas na saúde da mulher durante o ciclo menstrual no local de trabalho.
Donna bateu um papo com a especialista para entender quais os tabus ainda existem quando se trata da menstruação, como impactam na chegada da menopausa e como as estratégias para cuidar da saúde das trabalhadoras podem refletir de forma positiva na sociedade. Há muitas mulheres que sofrem com sintomas como cólicas intensas, fortes dores abdominais e enxaqueca, e não há como negar o impacto disso nas tarefas do dia a dia.
Menstruação ainda é tabu?
Houve um grande avanço na última década. Mas ainda há o estigma menstrual, como o fato de as mulheres se sentirem sem apoio para falar sobre suas necessidades menstruais nos seus locais de trabalho, ou relutantes em ir ao médico (quando têm sintomas) não apenas por vergonha, mas por causa da probabilidade histórica de não serem levadas a sério. Elas são treinadas para ficarem caladas. Ainda há muito trabalho a ser feito para aliviar a dor e o sofrimento causados por séculos de tabu menstrual.
É preciso pensar em políticas públicas para deixar as trabalhadoras mais confortáveis durante o ciclo?
É necessário fazer isso por questões de sustentabilidade e também pelo bem-estar individual. Muitas funcionárias estão indisponíveis para o mercado de trabalho devido a sintomas da menstruação e da menopausa, que tornam impossível para elas se dedicarem a um trabalho que não tenha um nível de flexibilidade. Com frequência, não há um caminho claro para discutir abertamente suas necessidades com a gerência. Em muitos países, a mudança para trabalhar em casa durante a pandemia ajudou a normalizar o trabalho flexível. Estudei uma empresa que introduziu uma política menstrual em 2017. (Essa organização) estimulou uma maior conversa sobre as necessidades e experiências menstruais no trabalho, entre outras descobertas.
Na sua tese, você aprofundou temas como o uso do coletor menstrual e a sustentabilidade.
A associação da sustentabilidade com o coletor faz com que um produto menstrual seja, pela primeira vez, "legal" e mais aceitável de ser incluído nas conversas com amigos e parceiros. Além disso, como descobri em meu estudo, usar um coletor muda a relação com o sangue menstrual porque (o utensílio) o mantém em um ambiente anaeróbico e não absorvente, preservando, assim, sua cor e liquidez. Isso pode ter um efeito profundo na mudança de percepção do sangue. Também cria uma relação mais sustentável com o corpo e aumenta a probabilidade de um bom autocuidado.
A menopausa é encarada como um marco na vida da mulher.
Vejo a menopausa construída mais como o fim da fertilidade e sensualidade do que como a chegada da maturidade. O que observo é que a menopausa pode ter uma redefinição, um renovado senso de propósito e a capacidade de ter um foco irrestrito no próprio caminho, que vem após o fim de todas as perguntas, ansiedades e preocupações sobre gravidez e criação de filhos. Mas, agora que estendemos a primeira maternidade para uma idade posterior, muitas mulheres têm seus filhos mais para o fim de seus anos férteis e, portanto, experimentam a menopausa enquanto ainda têm filhos pequenos para cuidar, e isso pode ser difícil. À medida que o corpo se ajusta à nova realidade hormonal pós-menopausa, geralmente ocorre um período de fadiga e outros sintomas. Por outro lado, a fase pós-menopausa pode ser incrível para a mulher se sentir mais segura e forte para ser quem é.
Pensando no Brasil, você vê desafios específicos para as mulheres nesses temas?
Há diferenças culturais, mas está claro que as culturas patriarcais em todo o mundo usaram o estigma menstrual de forma muito eficaz. O aspecto mais óbvio no Brasil é o catolicismo, que historicamente tem exercido um grande nível de controle sobre corpos das mulheres. Mas também acho que, talvez, haja uma consciência mais persistente dos ciclos e da importância do mundo natural e, portanto, pode ser um pouco mais fácil para as pessoas apoiarem o ciclo menstrual como um conceito.
Não gosta de ficar menstruada? Veja como mudar a relação com o ciclo
- Escreva sobre como se sente – Uma ótima maneira de aprofundar a compreensão do seu ciclo menstrual é manter um diário em que você anota o dia do mês, o dia do seu ciclo e como você está se sentindo física e mentalmente. Alguns aplicativos (como o Flo)para controle menstrual também abrem espaço para anotações e podem ajudar nesse processo.
- Esteja aberta às novidades – Experimente produtos reutilizáveis, como coletores, absorventes de pano ou calcinhas absorventes. São opções mais econômicas e sustentáveis. Sua relação com a menstruação pode mudar quando você se desliga da economia do descartável e passa a entender esse processo como cíclico e natural.
- Busque o autoconhecimento – Reflita sobre o que você pensa da menstruação. Se estiver sendo negativa ou crítica, veja se consegue rastrear de onde vêm esses pensamentos. É realmente a única maneira de enxergar esse tema? Olhar para trás e refletir sobre esses conceitos pode ajudar você a construir uma relação mais leve com a menstruação.
- Observe seu comportamento – Analise como você se comporta quando está menstruada. Suas dores melhoram se você descansar? Você prefere passar um tempo sozinha? Ou gosta de se reunir com outras mulheres para conversar? O que seu corpo pode lhe mostrar? Considere isso como um sistema de alerta e preste atenção no que ele diz a você.