Animais de estimação são um pedaço da natureza. Quentes, peludos e amáveis, eles são um convite sutil para desfrutarmos, sem culpa, do ato de viver. Afinal, relaxar faz parte da existência e, se tem uma coisa que um animal sabe fazer, é simplificar a vida, o que ajuda a entender a sensação de bem-estar que sentimos ao lado deles.
Ainda que sejam espécies tão distintas, um ser humano e um cachorro podem desenvolver uma amizade extremamente intensa baseada em uma compreensão mútua construída gradativamente com o passar do tempo.
Isso não tem preço, simplesmente acontece. Assim foi com Bruno Bordasch Germano. Há pouco tempo em um novo apartamento, ele e Júlia Merladete Fraga rapidamente decidiram adotar um dos tantos animais que apareceram às centenas depois que as águas subiram na enchente histórica de maio.
— Eu tinha essa noção, de que as famílias teriam dificuldade para cuidar de seus pets depois de perderem seus lares, e vi no Instagram de uma amiga fotos de cães em um abrigo — lembra o publicitário, que apostou a sorte em um dos cachorros mais machucados.
Decisão que vem da alma
As características do animal o colocavam no fim da fila de adoção. Idoso, magro, de aspecto triste e com feridas distribuídas pelo corpo, o resgatado ainda exibia uma preocupante lesão abaixo do olho esquerdo. Bubu, como foi chamado, pouco se expressava, um exemplo típico do animal resignado com o fato de que viver é uma batalha dolorosa a ser enfrentada todos os dias. Porém, depois de custosa medicação e longo tratamento, Bubu revelou um lado desconhecido.
— Cada dia que passa a gente vê ele se soltando e mostrando sua verdadeira personalidade, que é a de um bichinho alegre e meigo — comenta Bruno, que só tem a comemorar.
— A gratidão que ele expressa fez tudo valer a pena —complementa Júlia que, junto com Bruno, gastou muito mais do que R$ 450 reais para dar uma chance ao mascote, valor inicialmente sugerido pelo Estado para estimular a adoção dos animais que seguem em abrigos no Rio Grande do Sul.
Mas Bubu não é um caso isolado de amor gratuito à primeira vista. Outro simpático velhinho que ganhou um segundo lar foi Negrinho. Adotado nos primeiros dias da enchente, o cão logo se adaptou à casa e à nova tutora, Márcia Canfild, que passou a custear o tratamento do cão cardiopata.
— Ele é muito amável e se adaptou bem em nossa família, mas é mais um pet no orçamento. A gente tem que adotar com responsabilidade porque se gasta com banho, alimentação e medicamento — lembra a empresária, que agora tem três cães sob sua tutela.
Adoção consciente
Para aqueles que não estão bem certos do que pode acontecer ao levar um mascote resgatado para casa, as ONGs oferecem a modalidade de lar temporário, período em que os candidatos a tutores e mascotes verificam suas afinidades um com o outro.
Na ONG Paixão de 4 Patas, o percentual de devolução tem sido algo em torno de 10% e a opção segue uma forma eficaz para as pessoas conhecerem o novo integrante antes de adotá-lo de forma definitiva.
É bom ter em mente que, mesmo tendo tudo para dar certo, há casos em que o tamanho, o pelo ou outro motivo qualquer faz com que a pessoa devolva o cachorro para o abrigo, um retorno necessário que permite uma nova chance ao resgatado.
— Nossa preocupação é a pessoa não se adaptar ao animal adotado e mantê-lo em casa mesmo assim em função do dinheiro recebido — pondera Letícia Burmann, fundadora da organização, sobre a adoção de pets incentivada por dinheiro. — Esses animais podem ficar presos, podem ser doados para terceiros ou até mesmo voltar para as ruas, perdendo a proteção legal de um abrigo.
A experiência das ONGs
Animais adotados na fase adulta exigem adaptação, mas os exemplos de final feliz têm sido indiscutivelmente maiores se comparados aos números de animais devolvidos dos lares temporários.
Tendo em vista essa dinâmica, já bem conhecida das ONGs de proteção animal, oferecer dinheiro como estímulo à adoção pode ser um tiro no pé do sistema. Isso porque a decisão de assumir responsabilidades — e dar uma chance a um animal resgatado — tem que estar pautada na empatia, na paciência e em uma gigantesca predisposição em promover o bem-estar animal.
Então é melhor deixá-los em abrigos?
Deixar um pet em um abrigo pode não ser a mais feliz das realidades. Entretanto, depois de tudo o que eles passaram, é melhor do que deixá-los correndo o risco de serem maltratados, esquecidos, espancados ou mais uma vez abandonados.
Na falta de um lar adequado, os animais aguardam, com supervisão de veterinários e alimentação, a chance de serem escolhidos por uma pessoa que, de forma consciente, sabe exatamente o que significa ter um animal de estimação vivendo sob o mesmo teto.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação.