Uma curiosidade que muitos candidatos a lar temporário de animais resgatados na enchente têm, e que replicamos aos tutores que vêm buscar seus mascotes, é por que os pets foram deixados para trás na tragédia que devastou o Estado. A resposta é quase sempre a mesma: ninguém acreditou que a água subiria tanto.
Com o ineditismo da situação, e com alguns bairros já sem luz, ficou difícil para muitas pessoas localizarem seus pets. Além disso, nem todos os animais cabiam no colo e outros tantos entraram em pânico tentando se refugiar por conta própria.
O que se escuta com frequência é que, em poucas horas, o caos estava instalado. Moradores se desesperavam na busca de um lugar mais alto ou seco do jeito que conseguiam. E muitas vezes na total escuridão.
É o aconteceu com Aline Maya, moradora do bairro Farrapos, em Porto Alegre. Ela estava de plantão quando recebeu a notícia de que seria preciso evacuar a área onde morava. Em anos anteriores, a técnica de enfermagem já havia presenciado alagamentos na região, mas nunca passou por sua cabeça que a água ficaria na altura dos joelhos, momento em que saiu de casa com o marido, levando algumas roupas do trabalho, documentos, televisão, três cachorros e três gatos dentro do carro.
— Nosso filho, Wendell, resolveu ficar para cuidar da casa, e com ele ficou nossa gata Mimi, que é mais arredia. Ele achou que daria para ficar e que a água não passaria da cintura.
Mas, na manhã seguinte, apenas o telhado escapou da inundação. Wendell conseguiu sair, mas não encontrou Mimi. A família esperou nove dias até conseguir a ajuda do voluntário Ruy Araújo Neto para localizar a pet perdida.
Durante os 10 dias em que auxiliou nos resgates na zona norte da Capital, Ruy relata que pessoas com dificuldade de locomoção, idosos e aquelas que nem tiveram tempo de passar em casa pediam para ele quebrar o que tivesse de ser quebrado para recolher os pets. Foi assim com a gata de Aline.
— Voltamos de bote com o Wendell, que nos autorizou a quebrar o telhado. A Mimi estava sobre um móvel que boiava — relata o coordenador de marketing que, junto com Jean Martins e Marcos Souza, trouxe para terra firme trezentos e quatro animais.
De acordo com Ruy, muitas foram as pessoas que deixaram os pets dentro de casa acreditando ser o melhor para eles. Celso Luis de Freitas, morador de Eldorado do Sul, também teve esse pensamento.
— Deixamos os cachorros dentro de casa porque, quando muito, molhariam as patas e poderiam subir no sofá até a gente voltar. Mas ninguém pensou que seria daquele jeito —conta Celso, que conseguiu ajuda rápida para resgatar os dois cães.
O cachorro maior, que ficava no pátio da casa, já havia desaparecido, o que deixou Celso apreensivo.
— Mas, no abrigo, fiquei sabendo que o vizinho puxou meu cachorro para cima da laje dele — comemora o aposentado, que reencontrou o mascote oito dias depois.
Mergulhados nos mesmos problemas, a solidariedade entre os vizinhos se mostra uma narrativa comum. Morador da Ilha da Pintada, Wladimir Maciel Paris decidiu permanecer em casa até que a água acima dos joelhos o fez mudar de ideia. Seu vizinho, que é pescador, ofereceu o barco para saírem do bairro.
— Fomos passando e pegando os animais que as pessoas pediam para levar — recorda o taxista, que levou os mascotes até o pátio mais elevado do Colégio Almirante Barroso.
Wladimir espera que os animais tenham um final feliz, mas sabe que isso vai demorar para acontecer. Passados mais de 30 dias da tragédia, ele e sua família ainda não conseguem chegar à rua onde moram em função da areia que invadiu o espaço.
Sobre a razão por trás da demora de tutores irem buscar seus animais nos abrigos, Wladimir arrisca uma explicação. Para alguns moradores, é melhor imaginar seus pets quentinhos e bem alimentados na casa de alguém do que trazê-los para um lugar tão devastado e cheio de incertezas quanto a Ilha da Pintada.
— Não existe muita casa inteira nesse bairro — lamenta o taxista.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação.