Está com saudade de passear pelas feiras de design, moda e artesanato de Porto Alegre no final de semana? Após um ano e dois meses de pandemia, as iniciativas independentes mais conhecidas da Capital, a maioria liderada por mulheres, continuam na luta para reinventar seus negócios, antes focados nas atividades abertas ao público, e sobreviver. Com lives, lojas temporárias, e-commerce, investimento em redes sociais e aplicativos, buscam alternativas para resistir em meio a incertezas sobre o futuro dos eventos.
Feira na versão de live
Um dos principais formatos digitais que despontaram na pandemia, as lives foram a grande aposta de Fernanda Trindade, idealizadora da Café com Bazar. Desde maio do ano passado, ela promove duas transmissões ao vivo por semana no Instagram para que marcas artesanais, uma por vez, mostrem suas criações com valores diferenciados para os seguidores da feira. O objetivo da ação é acabar com o estoque, gerado pela baixa das feiras no último ano, das pequenas marcas. Os resultados surpreendem: a maioria das grifes vende igual ou até mesmo mais do que venderia em uma edição presencial.
— Os resultados seguem muito positivos, estou bem surpresa, porque não tem mais aquele apelo do início, do comércio fechado — diz Fernanda. — A ação de descontos dura 24 horas. É uma taxa de conversão grande, temos uma rede bem engajada de seguidores.
Ao todo, até agora foram mais de 50 lives, nas quais quase 1,5 mil produtos foram vendidos para mais de 300 clientes diferentes. Além disso, 80% das marcas venderam acima de sua expectativa.
Apesar do sucesso para os expositores, o faturamento da feira caiu - e muito. Por isso, Fernanda explica que existe, sim, o risco da Café com Bazar precisar encerrar suas atividades, já que só com as lives o retorno financeiro não chega nem a 20% do valor das presenciais.
— O meu objetivo de continuar sendo suporte para as marcas durante esse tempo foi alcançado, só que acabo não conseguindo me remunerar de fato. O meu faturamento com o formato digital não chega nem a 20% do que eu faturava com as feiras. Então, tem um risco da Café com Bazar não existir mais, talvez eu tenha que buscar outras coisas para fazer profissionalmente. Eu me dedico à feira desde 2017, é minha principal fonte de renda. (As lives) servem para ajudar as marcas, para manter o projeto ativo, mas não é mais um negócio sustentável, não tem como uma feira como a Café com Bazar sobreviver somente com elas. Segue sendo bem difícil — desabafa.
Natalia Guasso, que está à frente da Brick de Desapegos, também vem apostando nas lives para fomentar o negócio. No Instagram, realiza eventos mensais, que duram uma semana, nos quais são apresentados os expositores. Estes, por sua vez, vendem as peças ao vivo.
Ainda na vibe de eventos online, Natalia também fechou, recentemente, uma parceria com o Sebraae RS e com a feira Me Gusta para uma ação chamada "Brick e Me Gusta Inspirações". A ideia é reunir brechós e marcas autorais de moda em uma "feira virtual" nas redes sociais das feiras, além de realizar workshops e consultorias para capacitar pequenos empreendedores.
Expectativa pela retomada
Apesar da dificuldade, elas esperam com ansiedade o momento de voltar às ruas. Fernanda conta que, no ano passado, com o aval da prefeitura de Porto Alegre e respeitando as medidas de distanciamento controlado do Estado, foi possível realizar uma edição menor da Café com Bazar presencial em um café da Zona Sul da Capital. A expectativa era a de que pudessem ser feitas outras edições em março e abril deste ano, mas, com o agravamento da pandemia, os eventos foram cancelados.
— Tem a possibilidade de fazermos novamente uma edição bem pequena em junho, com autorização de todos os órgãos. Aí talvez dê um respiro, mas está bem difícil — conta Fernanda.
Assim como Fernanda, Natalia Guasso, do Brick de Desapegos, também espera ansiosa pela retomada plena das atividades presenciais e conta com a importância das feiras no retorno gradual dos eventos - já que, a princípio, levam vantagem por serem realizadas ao ar livre.
— Está muito difícil viver de formatos online. Isso porque o brasileiro ainda não é tão conectado quanto a gente pensava. Agora, claro, houve um boom, os processos se aceleraram. Muita gente produzindo conteúdo, já entrou na rotina. Não saio mais das redes sociais, percebo que esse é o caminho. Mas não tem como não ser presencial. Somos muito otimistas em relação a isso — afirma.
Mesmo com todas as iniciativas digitais que a Brick adotou, que Natalia reconhece serem fundamentais a partir de agora, com ou sem pandemia, ela acredita que o cenário da moda independente da Capital será muito diferente.
— O que era Porto Alegre, com 30 feiras por final de semana, duvido que aconteça, porque muitas das pessoas que faziam feiras saíram do mercado — lamenta. — As pessoas vão ter que gradualmente ir entendendo que as feiras podem estar no virtual. Toda a nossa construção é de feira independente presencial. Desconstruir isso é complexo. Sempre estimulamos: vamos para a rua, venha aqui conhecer as coisas de perto, conhecer os empreendedores, falar com quem faz. Aí, de repente: venham aqui, no mundo virtual. Tem uma barreira grande, é diferente. As feiras sempre transmitiram essa ideia de contato, de presencial .
Compras pelo site e lojas temporárias
Em contrapartida, a Open Feira de Design, que levanta a bandeira do design independente, viu o negócio deslanchar com o lançamento da sua loja virtual, que vende para sete Estados brasileiros. Com a equipe de seis pessoas trabalhando em sistema de home office, a empresa apostou no interesse do consumidor pelas peças de design e pela alta procura de itens para a casa.
— Canalizamos tudo para o e-commerce. O marketplace começou bem, e foi se mantendo, até que por agora estamos experimentando um crescimento fora do normal. Em abril, faturamos acima de todo o período que o marketplace esteve no ar, desde maio de 2020, e isso é bem legal. Demonstra que existe um reconhecimento muito forte. Vamos continuar apostando nisso — garante Camila Farina, curadora da Open.
Mas ela reforça que o sucesso do negócio só foi possível graças ao Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) do governo do Estado. E, além do e-commerce, a Open também investiu no modelo de lojas temporárias com agendamentos. Em dezembro, na primeira experiência, foram 167 agendamentos e cerca de 600 vendas em uma loja que durou 12 dias e que continha peças de 45 marcas. Agora, repetirá o modelo a convite da loja Dinarte 50, do bairro Moinhos de Vento, onde a Open inaugurará um nicho focado só em peças para a casa.
— Só conseguimos nos manter mesmo devido ao empréstimo do governo. Mas agora acabou e estamos nos mantendo com o e-commerce e com as lojas. Voltaremos a fazer feira? Voltaremos, mas eu não sei exatamente quando. Talvez em junho, talvez em julho, estamos analisando — conta. — Não é nem perto do que a gente precisa ou que a gente gostaria, mas já é muito ver a curva crescendo e o Brasil consumindo design.
Luciana Alberti, organizadora das edições da Le Marché Chic por diferentes lugares do Estado, entre eles Caxias do Sul, Porto Alegre, Torres, Atlântida e Canela, conta que uma das apostas iniciais da feira para sobreviver durante a pandemia não deu certo: o aplicativo, que funcionava com uma loja online com mais de 30 marcas, foi descartado depois de quatro meses.
— Não usei mais porque senti que é muita gente jovem que usa a ferramenta. Como nosso público é mais maduro, abandonei a ideia — conta Luciana.
Assim como a Open Feira de Design, ela enxergou a saída nas lojas temporárias. Desde setembro do ano passado, a Lé Marché Chic faz curadoria de criadores artesanais para a Boutique Ephémère no Pátio Eberle, em Caxias do Sul.
O contrato de funcionamento está fechado até dezembro. A entrada do público é controlada, para evitar aglomerações, além de ser obrigatório o uso de máscaras.
— Estamos dando a volta por cima, principalmente nessa semana de Dia das Mães. Estamos sempre com marcas novas, agitando alguma coisa na medida do possível — afirma Luciana.