Para quem curte produtos autênticos, conferir as feiras de moda autoral e design independente espalhadas por Porto Alegre nos fins de semana era um programa com espaço certo na agenda. Agora, em razão da pandemia de coronavírus, o passeio se tornou online: grande parte das iniciativas ganhou ações na internet, como lojas virtuais, aplicativos e exposição de produtos. Tudo para garantir que ainda exista uma vitrine para os criadores locais neste momento de crise, explica a professora Paula Visoná, coordenadora de cursos de pós-graduação nas áreas de Design Estratégico e Empreendedorismo Criativo na Unisinos:
– Essas frentes vêm para auxiliar criadores que não têm com quem contar. As feiras sempre foram essenciais para a economia local, é uma pegada totalmente diferente de uma fast fashion, é uma relação de proximidade que se cria com as pessoas. São espaços de visibilidade, aproximação, divulgação e, claro, comercialização.
A pandemia forçou mudanças de comportamento de consumo e impactou principalmente os pequenos produtores que fazem parte de um mercado que movimenta – e muito – a economia. Segundo o Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil de 2019, realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), a participação do setor no PIB total do país foi de 2,61%, ou seja, mais de R$ 170 bilhões.
Em Porto Alegre, as mulheres representam mais da metade dos empreendedores criativos, sendo que 42% desses trabalhadores têm na sua iniciativa a única fonte de renda – as informações são do II Mapa de Economia Criativa de Porto Alegre, divulgado em 2019 pelo Instituto Soleil de Pesquisa.
Essas frentes vêm para auxiliar criadores que não têm com quem contar. As feiras sempre foram essenciais para a economia local, é uma pegada totalmente diferente de uma fast fashion, é uma relação de proximidade que se cria com as pessoas.
PAULA VISONÁ
professora e coordenadora de cursos de pós-graduação nas áreas de Design Estratégico e Empreendedorismo Criativo
O cenário atual é de incertezas e serviu para colocar ainda mais no centro do debate a importância de consumir no mercado local. A professora Paula, por exemplo, lançou há poucos dias o movimento Eu Amo Moda Autoral Gaúcha (@somos.mag) nas redes sociais, reunindo diferentes marcas daqui. O caminho que se desenha de agora em diante passa pelo foco na coletividade, avalia a especialista.
E para tentar encarar a crise de frente, as feiras precisaram se reinventar e se unir. Cada iniciativa lançou seu próprio projeto virtual para passar pela pandemia, mas também há uma ação em conjunto que está sendo estruturada pelas idealizadoras e deve ser lançada nos próximos dias – fique de olho nas redes sociais para acompanhar as novidades.
– O foco é ajudar o segmento, os expositores, as marcas locais. Juntas temos muita força – avalia Natalia Guasso, que está à frente do Brick de Desapegos e vai trabalhar em parceria com a Feira Moda Plus Size, a Feira Me Gusta, a Open Design, o Café com Bazar, a Feira Vegana e o Tô na Rua.
Veja a seguir como os eventos estão planejando suas ações.
Le Marché Chic
Desde 2016, Luciana Alberti organiza edições do Le Marché Chic por diferentes lugares: Caxias do Sul, Porto Alegre, Torres, Atlântida, Canela e Florianópolis já sediaram o evento.
Mas, o que ela nunca imaginou, é que precisaria despender tanta energia para criar um novo formato que pudesse ser acessado de qualquer local. A pandemia forçou Luciana a tirar da gaveta um projeto mobile que, agora, já pode ser baixado na Apple Store e no Google Play: o app Le Marché Chic.
– O aplicativo foi uma injeção de ânimo. Não é uma feira online, mas privilegiamos o contato com o artista. Quem vende de fato são os expositores, eu sou só a plataforma, a curadora, para abrigar as marcas –afirma Luciana.
O sistema funciona como uma loja online com mais de 30 marcas de moda autoral, arte, design, bem-estar e gastronomia criativa.
Open Feira de Design
Os planos de Camila Farina, diretora da Maria Cultura e curadora da Open Feira de Design, eram de um 2020 com pelo menos 11 eventos para impulsionar o design independente em Porto Alegre (entre produtos como acessórios, itens de decoração, cosméticos, pets, infantil e moda autoral). Mas a pandemia jogou tudo para o alto e mostrou um novo caminho: chegou a hora de lançar a loja virtual da Open, projeto que estava guardado.
– Tem muita marca que não consegue gerir um canal online, não tem conhecimento de marketing. Queremos ajudar, tem a ver com o nosso propósito. O site tem a nossa curadoria, mas é um marketplace. Os produtores gerenciam e apresentam seus produtos, como uma tenda de exposição mesmo – conta Camila, que está à frente do evento há cinco anos.
Com a feira de abril cancelada, ela primeiro organizou uma promoção online para ajudar os empreendedores que tinham produtos em estoque. E, há poucos dias, a Open Design Store entrou no ar repleta de produtos de marcas locais. A cada semana, a expectativa é de que 10 novas marcas passem a vender na plataforma – são 50 na espera para participar da loja virtual, segundo Camila.
Brick de Desapegos
Uma das feiras mais tradicionais de Porto Alegre, o Brick de Desapegos decidiu enfrentar a crise assumindo que é hora de experimentar novos formatos. Logo após o início da pandemia, Natalia Guasso se organizou para colocar em prática um plano com diferentes frentes.
– A ideia de entrar no mundo digital estava sempre presente. As ferramentas que existem hoje possibilitam essa proximidade, a interação. O mundo mudou bastante desde que eu comecei com as feiras em 2011. Depois do susto inicial, organizei as ideias e vi que era possível, não podemos parar – explica Natalia.
Primeiro, ela divulgou as páginas de brechós nas suas redes sociais, como forma de apoio aos expositores. Agora, há ações mais estruturadas que estão em curso. Neste domingo (17), das 13h às 22h, rola uma feira online do Brick de Desapegos em parceria com a Feira Me Gusta. O evento será realizado pelas redes sociais das duas iniciativas, com exposição de produtos e live de oficinas. Outras ações são grupos de venda do Brick pelo WhatsApp e pelo Facebook, divulgação de produtos nas redes sociais e até um leilão, previsto para o dia 20 via Zoom.
• Saiba mais da feira online em bit.ly/brickmegusta
Tô na Rua
Assim que a pandemia chegou, Susana Jung transformou as redes sociais do Tô na Rua no projeto Tô em Casa. A idealizadora da feira, que reunia atrações como artesãos, designers e marcas de moda, repensou suas plataformas digitais para atingir de diferentes formas o público que estava em casa. Fez feiras online divulgando o trabalho de produtores locais duas vezes por semana e também passou a produzir conteúdo sobre a covid-19, como conta Susana:
– Criei uma programação com coisas para fazer em casa, como se organizar no home office e alongamento. Abri uma consultoria com os expositores para vender mais online, técnicas, como fazer seu site. A maioria está se adequando ao digital, vendendo, mas vendendo pouco. Várias marcas me procuraram, muitos falaram "Bá, o que vou fazer agora, como vender?" Então, estou ajudando a partir para o digital, se reinventar.
O Tô em Casa ganhou até canal no YouTube, abordando os desafios desse período de confinamento.
• @tonarua
Feira Me Gusta
Idealizadora da Me Gusta, Pamela Morrison conta que conseguiu realizar apenas duas feiras neste ano. O calendário desmoronou com a chegada do coronavírus, e agora é tempo de repensar formas de trabalhar exclusivamente online. No domingo (17), a Me Gusta e o Brick de Desapegos promovem uma feira digital em conjunto nas redes sociais, mas há outras ações rolando.
– Tudo é novo e algumas ideias estão sendo amadurecidas. O que mais tem acontecido são lives de bate-papo com marcas e empreendedores. Estamos pensando algumas formas de deixar isso mais dinâmico e atrativo para o público – diz Pamela.
O evento ocorre desde 2014 com expositores de diferentes segmentos (arte, moda, música, gastronomia) e a proposta de ocupação de espaços públicos – já foram mais de 60 edições produzidas. Para o futuro das feiras de rua, Pamela ainda é otimista:
– Creio que está ocorrendo uma mudança de comportamento muito grande e que muito dela vai permanecer. Tanto hábitos de consumo quanto de se relacionar. Muitos serviços estão se atualizando e muita coisa vai passar a ser online. Acredito que em poucos meses parte do nosso cotidiano volte ao normal e vamos perceber diversos impactos positivos deste momento.
Café com Bazar
Focado em produtos feitos à mão (acessórios, itens para a casa, design independente, artesanato, papelaria, moda e infantil), o Café com Bazar decidiu disponibilizar suas redes sociais para as marcas autorais divulgarem seus produtos enquanto as feiras físicas não voltam. A ideia é dar espaço a quem não está conseguindo vender online durante o distanciamento social, conta a idealizadora Fernanda Trindade:
– Elas poderão fazer uma live onde vão se divulgar, mostrar bastidores de produção e ofertar produtos com descontos especiais para os seguidores do Café com Bazar. Vamos divulgar uma marca por dia, acredito que assim terá mais visibilidade e destaque. Todos os clientes que comprarem através dessa ação vão estar automaticamente concorrendo a um vale-compras para gastar no bazar físico, assim que for possível retornar.
Quando a pandemia se instalou, Fernanda conta que sentiu o baque da mudança e precisou de um tempo para reavaliar as próximas ações. Ela já realizou mais de 50 edições da feira desde 2011 e hoje se dedica exclusivamente a isso.
– Pensei que era hora de me movimentar, contribuir para que essas marcas pequenas ganhassem um fôlego neste momento difícil – explica.