Faça uma pesquisa rápida na internet e você provavelmente vai constatar que é bem mais fácil encontrar informações sobre maternidade durante os primeiros anos do bebê do que resultados com dicas de como maternar adolescentes ou que reflitam sobre como ficam os sentimentos das mães nessa fase. A adolescência é um período que reserva grandes mudanças para os filhos, sim, mas também para elas, explica Marisa Marantes Sanches, psicóloga da saúde, pediátrica e perinatal, além de diretora do Instituto de Terapia Cognitiva em Psicologia da Saúde (Itepsa).
Para os jovens, trata-se do momento em que começam a se enxergar em um novo papel social, diferente daquele da infância, assim como passam a pensar e se posicionar de outra forma, além de consolidar novas características de personalidade.
— O hipotálamo deles, onde as emoções estão alojadas, começa a sedimentar algumas coisas. De uma criança supertímida pode nascer um adolescente superfalante, e vice-versa. Isso tem a ver com a modificação da sensopercepção, uma “maturação cerebral” que ocorre de um jeito para cada um — detalha a profissional.
Já na mente das mães, a insegurança é o sentimento mais frequente durante a adolescência dos filhos, segundo Marisa. É o reflexo dessa fase em que eles ficam independentes, têm vontades próprias e cultivam opiniões que têm muito mais a ver com a turma de amigos do que com a família.
Além desse ser humano “novo”, as mães encaram o desafio de lidar com assuntos que entram no repertório, tais como carreira, sexo, drogas, liberdade e ambições, e com o fato de que a companhia e os convites delas nem sempre vão ser bem recebidos. Nessa onda de mudanças, não é raro que as mães sintam que estão perdendo o posto de “administradoras” da vida dos filhos e se pergutem: “E agora que eles cresceram, qual é o meu lugar no mundo?”.
— As mães se dão conta de que é uma outra fase delas também. Enquanto os adolescentes começam a se questionar sobre como será a vida adulta, as mães se perguntam: “Bom, a partir de agora, como é que vai ser?”, “Como é que vou lidar com o namoradinho da minha filha?”, “Minha postura vai ser mais liberal ou tenho que botar fronteiras?”. Então, as mães também vão se deparando com o novo lugar social delas, e podem ficar meio atrapalhadas nesse processo — diz a psicóloga.
Independência
Sem rodeios, duas mães de adolescentes compartilham, a seguir, suas visões sobre como essa etapa de mudanças na vida dos filhos também tem efeitos profundos em suas próprias vidas. A contadora Nadine Brizola Yared Guareschi, 46 anos, é uma delas. Ela é mãe de Glória, 16, e Olívia, 13, e define esse momento como “contraditório”.
Um exemplo disso é a situação que viveu há algumas semanas: ao voltar de uma viagem de 10 dias longe das filhas, questionou-as: “E aí, não vão me perguntar como foi? Não sentiram saudades?”. Ao que uma delas respondeu: “Mãe, 10 dias nem dá tempo de sentir saudades, né?”.
— Entrei em crise, fiquei triste, emburrada. Foi só no dia seguinte que me acalmei, conversando com uma amiga, que disse: “Nadine, isso é sinal de que você fez um bom trabalho. Sei que é difícil, mas é sinal de que elas estão prontas”. E é isso. Ao mesmo tempo em que quero que continuem dependendo de mim, desejo que tenham sua independência. Foi dessa forma que as criei e tenho um orgulho danado delas — afirma.
A mãe é formada em Ciências Contábeis, mas, ao longo da última década, suas principais funções têm sido coordenar a casa, estar presente na vida das filhas e fazer com que a rotina da família flua. Mesmo assim, Nadine não tem a pretensão de ser perfeita ou de parecer uma mãe que “não se abala” diante de situações que a deixam irritada ou magoada.
Ela acredita que acaba abrindo um espaço onde as filhas também sentem-se livres para expressar emoções, sem que isso estremeça sua relação:
— Faço terapia há anos e ela me ajudou a entender que, sim, vou dar uma surtada de vez em quando, mas com as gurias vendo isso, elas entenderão que também podem surtar, errar. Elas já sabem se reconhecer quando estão irritadas e precisam de um tempo para depois conversar.
Os sinais da adolescência são nítidos em Glória e Olívia, detalha a mãe. O medo de dormir sozinhas em casa, de vez em quando, não existe mais; os planos das duas nem sempre são relatados em detalhes em casa; os primeiros beijos e namorados já entraram em cena; para a maioria dos problemas, as irmãs já encontram solução sem precisar de auxílio dos adultos.
Nadine conta que o fato de as meninas dependerem cada vez menos dela lhe causa estranhamento e alívio. Ao mesmo tempo, tem aberto portas para que ela olhe um pouco mais para si mesma.
E cita uma frase da série Supermães, da Netflix, que casa com o momento que está vivendo, no qual permanece disponível para as filhas, mas também reserva alguns momentos para o autocuidado, a prática de beach tennis e as novas empreitadas intelectuais.
— Na série, a psiquiatra fala à amiga: “Você precisa estar pronta, porque, quando esse dia chegar, quando seus filhos não quiserem nada com você, precisará saber quem você é sem eles. Quem você era antes? Volte a conhecê-la”. Acho que estou nessa fase de lembrar de quem eu era e voltar a fazer coisas de que gostava, estudar, trabalhar com projetos, voltar a ter coragem de assumir responsabilidades que não sejam em relação a elas. Porque, até então, eu ficava com medo de assumir, pensando “e se elas precisarem de mim?” — questiona.
Sempre atenta
Conseguir separar um tempo para se olhar ainda não tem feito parte da realidade de Taila Rheinheimer Schmidt, mãe de Rafael, 15 anos, e Lucas, seis. Trabalhando no setor comercial de uma rádio em Novo Hamburgo, a jornalista de 43 anos precisa dedicar várias horas à função e, por conta disso, nos momentos em que não está na empresa, faz questão de estar com os filhos.
E embora seja uma vida que demanda bastante energia e dedicação, Taila reitera que sente-se grata por estar vivendo o que sonhava: tornou-se mãe aos 27 anos, porque estava decidida a aproveitar vida com os filhos.
— Sempre me esgotei e me sacrifiquei muito por eles. Já li que preciso ter um tempo para mim, para viajar com meu marido e tal, mas não consigo. Quando não estou trabalhando, estou grudada neles. Só me permito algum lazer quando eles estão envolvidos em um futebol ou estão na casa de um amigo. Mas isso não me dói, porque escolhi essa vida, queria viver a maternidade ao extremo e eles são a minha felicidade — relata ela.
Segundo a mãe, Rafael é o exemplo de criança pestinha que se tornou um adolescente tímido, daqueles que sentem-se mais confortáveis na frente do computador ou jogando futebol do que em uma festa. Ainda assim, não afastou a mãe na adolescência e os dois continuam dialogando bastante. O caminho que Taila encontrou para manter-se próxima do filho foi assumir uma postura mais amigável, embora se culpe um pouco por isso.
— Escolho estar perto dele, nós conversamos muito. Se ele fica com uma menina, me fala, temos uma cumplicidade. Talvez eu tenha um pouco de culpa, porque todo mundo fala assim: “Não pode ser amiga, tem que ser a mãe”. Acho que sou mais amiga do que mãe. Esse é meu pecado por não estar perto, por trabalhar bastante. Preciso dessa cumplicidade com ele — afirma.
O adolescente não tende a dar dor de cabeça no quesito colocar-se em risco, relata a jornalista. No momento, sua principal preocupação e do próprio Rafael é sobre a vida após o Ensino Médio.
— Sendo mãe, você sofre, porque acaba comparando seu filho. Tipo, ele tem amigos que já são mais maduros, sabem o que querem. A preocupação dele hoje é com o que vai fazer, no que vai trabalhar. E me sinto culpada, pensando “quem sabe poderíamos ter feito um teste vocacional mais cedo, orientado mais?”. Vou sempre me sentir culpada por essa história de trabalhar bastante, mas não sei ser uma mãe diferente. Leio muito para ter subsídios e me convencer de que “ok, sou a mãe que ele precisa” — reflete.
Figura de referência
A adolescência é como uma colheita, explica a psicóloga Marisa Marantes Sanches, a etapa onde se vê o “resultado” daquilo que foi cultivado nos anos em que mães e pais comandavam a vida do filho. Assim, se a família conseguiu desenvolver regras e valores morais durante a infância e construir um vínculo de confiança, as diferenças de personalidade e os conflitos nessa etapa tendem a ser encarados de modo mais flexível.
— Pode ser uma fase de mais leveza para a mãe, se o filho foi preparado para esse processo. Isso é o natural, ele vai crescendo e a mãe vai largando um pouco mais, deixando ele ter autonomia. Ela vai sempre ficar como ponto de referência do filho, mas, se conseguiu prepará-lo bem, saberá que ele pode ir para a praia com amigos sem tomar porre ou se arriscar demais. Ela sabe que ele se garante. Agora, se não preparou bem e se o filho não estabeleceu confiança e autonomia, vai ser mais difícil — aponta a psicóloga.
Para mães e pais que escolhem assumir uma postura de adultos com um comportamento extremamente adolescente, que querem ser “amigões demais” e fazer parte da turminha do filho, Marisa faz um alerta. No entender da especialista, os conflitos tendem a ser maiores em casos assim, já que se cria um clima de competição, em que o jovem acaba perdendo a sua referência de segurança que deveria caber aos pais.
— A mãe pode fazer atividades com o filho, mas sempre com um comportamento hierárquico. Não no sentido de “sou superior”, mas de “te cuido, te protejo, ainda tenho uma responsabilidade contigo. Pode contar comigo, que sou uma pessoa mais madura, para te acolher”. Ambos têm que ir amadurecendo juntos. E, no papel materno, isso não significa ficar careta, velha, mas sim ver que as necessidades de seus filhos são outras e que ela sempre vai ser o ponto de referência fundamental — orienta Marisa.