Existe uma corrente de mulheres que, hoje em dia, estendem a mão que gostariam de ter recebido quando tiveram seus filhos.
Em homenagem ao Dia das Mães, comemorado neste domingo (14), Donna conversa com algumas destas pioneiras, que comandam negócios e iniciativas sociais “de mãe para mãe”, focadas em orientar reposicionamentos de carreira, tornar mais prática a amamentação na rotina corrida, apontar restaurantes e passeios onde as crianças serão bem recebidas e até em oferecer amparo diante da dor imensurável da perda de um filho.
São as vivências de cinco mulheres que, de alguma forma, estão tentando tornar a maternidade mais leve e menos sinônimo de sobrecarga e isolamento.
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Resolvedora
Há 16 anos, quando a engenheira química Gracineli Taborda, 52, teve a primeira filha, veio o desafio de conciliar o desejo de amamentá-la com leite materno e as viagens frequentes a trabalho para atender clientes no Rio Grande do Sul e fora dele. A solução foi alugar uma máquina que permitia tirar leite das duas mamas simultaneamente, otimizando o tempo necessário para estocar o freezer. Segundo ela, era preciso alugar de São Paulo porque, à época, não encontrava aparelho semelhante em Porto Alegre.
Por causa dessa vivência, facilitar a vida de mães de recém-nascidos e de mulheres que estão retornando ao trabalho depois da licença-maternidade se tornou o propósito de Gracineli, que montou um negócio em torno disso em 2011.
A Leite do Bebê, no bairro Auxiliadora, começou com foco no aluguel e venda das máquinas para extrair leite e foi evoluindo até o formato atual, com aluguel também de cadeirinhas para transporte, berços portáteis, cadeiras de alimentação, e venda de produtos pensados para tornar a amamentação mais prática e confortável.
Largar a carreira como engenheira e montar uma empresa também trouxe o benefício de controlar melhor os horários e poder ficar mais próxima dos filhos, fatores que costumam motivar o empreendedorismo feminino como um todo.
— Da necessidade surgiu uma mãe empreendedora que queria estar mais perto dos filhos. Nosso propósito é acolher principalmente a mãe de recém-nascido e a que está voltando ao trabalho, fases estressantes onde caem os hormônios, muitas têm dificuldade de amamentar ou pouco leite. Frequentemente, não é de um produto que elas precisam, mas de palavras, um conselho, uma recomendação de uma consultora de amamentação. Temos várias abordagens para ajudá-la a resolver sua situação, já que nos consideramos parte da rede de apoio delas — afirma.
Oferecer preços atraentes e uma cadeia mais sustentável de reutilização de aparatos para crianças também é um dos focos.
Muitas vezes, o preço de um aluguel vale mais a pena. Por exemplo, se uma mãe de recém-nascido fosse comprar um berço para acoplar na cama, gastaria pelo menos uns R$1,2 mil, enquanto que, alugando por três meses, ela vai gastar ao todo uns R$ 300. Além disso, outra mãe ainda vai poder utilizar depois que ela devolver – explica a comerciante.
Rota segura
Imagine um casal saindo para jantar em um restaurante na Serra, acompanhado pela primeira vez pelos dois filhos pequenos. Chegando lá, o bebê de poucos meses até fica quietinho com os pais, mas seu irmão mais velho, de dois anos, está bem mais interessado em brincar do que em comer. Quando decide correr e engatinhar pelo restaurante, as caras feias e os olhares tortos das mesas vizinhas começam a aparecer aos montes.
Foi esse desconforto que motivou a bancária e mãe Luciane Coelho, 33 anos, a montar o perfil no Instagram chamado Brincando Por Aí, que faz uma curadoria de parques, praças, passeios, hotéis e restaurantes com estruturas adequadas para receber crianças. A iniciativa, comandada em parceria com o marido, Adriano Coelho, começou em outubro do ano passado e conta com mais de 17 mil seguidores no Instagram – 90% deles são mães, garante ela.
— Nos vimos procurando restaurantes que tivessem espaços kids, mas não encontramos nenhuma lista com as informações de que precisávamos. Eventualmente, naquela viagem a Gramado, encontramos um fondue com espaço para crianças. Depois, uma pizzaria temática. Foi aí que pensamos: “Precisamos compartilhar isso, porque outras famílias devem estar passando por esses mesmos problemas” — afirma Luciane.
Sugestões de roteiros no Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina, em cidades como Florianópolis e Garopaba, já estão publicados no perfil, cujas dicas nesse momento são principalmente direcionadas para mães de crianças pequenas. E é a família Coelho que testa tudo aquilo que o casal indica.
Segundo a bancária, as atividades que mais costumam agradar mães e filhos são passeios em lugares abertos, com animais para observação, e restaurantes com brinquedos ou quadras onde as crianças possam aproveitar sem ser criticadas.
Luciane compartilha com a reportagem algumas capturas de tela com feedbacks e dá para ver que não faltam retornos positivos. São seguidoras que relatam, por exemplo, que não viajavam com os filhos há tempos e criaram motivação com a ajuda do Brincando Por Aí. Ou ainda que não tinham dinheiro para investir em passeios caros e descobriram opções gratuitas ou de baixo custo para fazer.
— Acredito que a iniciativa está crescendo, porque as mães realmente estão precisando dessas informações. E ter elas concentradas num perfil facilita muito o dia a dia da mãe que quer ir a uma pracinha ou restaurante diferente e não sabe onde tem. Parece que as famílias que estão nos seguindo estão começando a passear mais, porque encontraram outras possibilidades, e incentivá-los me deixa feliz — conclui.
Quando os filhos que já partiram
Ninguém sabia como agir perto de Tatiana Maffini no Dia das Mães que sucedeu a perda da primogênita, Helena, aos 17 dias de vida. Naquele 2012, a dona de casa e moradora de Gravataí, estava em processo de luto depois que a filha morreu por conta de um problema cardíaco diagnosticado no pós-parto, enquanto esperava por um leito de UTI neonatal.
— Eu não queria receber parabéns nem feliz Dia das Mães de ninguém, mas queria que me vissem como mãe, mesmo que a Helena não estivesse ali. Quando você perde um filho, principalmente durante a gestação e nos primeiros meses, você não é vista como mãe. Verá, por exemplo, propagandas falando de tudo que é tipo de maternidade, menos da que perdeu um filho — recorda Tatiana, hoje com 42 anos.
Para dar visibilidade e acolher pais enlutados, Tatiana criou a ONG Amada Helena. Em 11 anos de atuação, a iniciativa já lutou pela ampliação de leitos neonatais e hoje conta com uma equipe de 30 psicólogos voluntários, que oferecem atendimentos online gratuitos no momento em que as mães mais precisam.
Também disponibilizou uma cartilha que já foi lida online por 14 mil pessoas e aborda temas como “o que é normal sentir quando se perde um filho”, “quando é necessário buscar ajuda”, “como fica o casamento após a perda”, “como conversar com o irmão mais velho que perdeu o irmão mais novo”, “como ajudar uma mãe em luto”.
A ONG funciona como uma rede de apoio entre pessoas que convivem com a mesma ausência, um espaço para refletir sobre como o luto afeta a família, a vida e as futuras gestações. Trata-se de um ambiente que acolhe todos os sentimentos, garante Tatiana, que hoje também é mãe de Helano, nove, e Héctor, três. Ela própria se diz usuária contínua dos projetos.
— Senti muita raiva, revolta contra pessoas que nem querem ter filhos e têm. Até hoje não consigo pegar no colo menina recém-nascida e durante muito tempo me senti um monstro por isso. Lembro que no oitavo mês de gestação de Helano fui tomar banho, olhei para minha barriga e pedi perdão a ele por não estar inteira, porque não consegui curtir a gestação, me conectar com ele, tinha muito medo. Quando olho para minhas memórias, vejo o tanto que estava quebrada e como fui cuidando de mim enquanto cuido de outras mães. Quando você tem ajuda psicológica, informação e trocas com outras pessoas, uma coisa que é enorme dentro de ti diminui muito — afirma a mãe.
O ano de 2022 foi um grande momento para a Amada Helena. Em julho, a ONG fez o Cristo Protetor de Encantado ser iluminado de laranja, chamando atenção para o mês internacional dos pais enlutados. Depois, em novembro, conseguiu a aprovação da Lei Helena Maffini, que estabelece procedimentos a serem adotados nos sistemas públicos e privados de saúde do Rio Grande do Sul nos casos de perda gestacional, natimorto e perda neonatal – incluindo acomodar em ambientes diferentes do hospital a mãe que perdeu um filho e a que teve o seu nascido vivo.
Também orienta profissionais de saúde e sociedade sobre a sensibilidade deste tema. A missão de 2023, segundo Tatiana, é garantir a implementação da norma.
O lugar delas no mercado
Cerca de 48% das mulheres saem do mercado de trabalho até 12 meses após o nascimento dos filhos, aponta um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) feito em 2017. Isso quer dizer que, seja por decisão do empregador ou da própria mãe, apenas um ano depois da vinda da criança, ela já não faz mais parte da força de trabalho da empresa onde estava antes de sair em licença.
Por outro lado, a McKinsey, em pesquisa de 2019, mostrou que 51% dos novos empreendedores no Brasil são mulheres. Diante desses dados, a publicitária Luciana Cattony, que, além de mãe é mestra na temática da parentalidade pela Unisinos, lança o questionamento:
— A gente pensa: “Uau, que legal que as mulheres estão participando do empreendedorismo”. Porém, quando confrontamos esses dois dados juntos, cabe se perguntar se as mulheres estão empreendendo por escolha ou por falta de opção, pensando que o mercado repele as mães e que a maioria das empresas não está preparada para acolher e valorizar a maternidade.
Se queremos mais mulheres na alta liderança, precisamos falar sobre maternidade no ambiente corporativo.
LUCIANA CATTONY
Publicitária
Com o objetivo de transformar os espaços corporativos e fazer com que ter filhos deixe de ser um obstáculo que impede a mulher de crescer na carreira, Luciana se uniu à engenheira de produção e mestra em Equidade de Gênero pela UFRGS, Susana Zaman, e fundou a consultoria Maternidade nas Empresas.
O negócio começou em 2017, com sede em Porto Alegre, mas atua em todo o Brasil. Nas redes sociais, mais de 40 mil seguidores acompanham o trabalho da dupla.
Luciana argumenta que, muitas vezes, a partir do momento em que a colaboradora noticia sobre a gestação, as oportunidades de novos projetos e de crescimento de carreira acabam não acontecendo. O motivo disso, em parte, é a crença de que depois dos filhos as mulheres não serão mais produtivas, não aceitarão novos desafios e não serão competentes. Há também a tarefa de conciliar demandas profissionais e pessoais por causa da falta dos homens na pauta do cuidado.
Na contramão desses fatores, a consultora defende que a maternidade desenvolve novas habilidades na mulher que podem ser transportadas para a carreira, tais como empatia, capacidade de resolver problemas, criatividade e comunicação. A consultoria atua dentro das empresas para promover mudanças, diagnosticando problemas, ensinando lideranças a acolherem a parentalidade, mentorando mães e outros serviços.
— Se queremos mais mulheres na alta liderança e contribuir para a equidade de gênero, precisamos falar sobre maternidade no ambiente corporativo. Nós ajudamos empresas a se posicionarem como rede de apoio, envolvendo inclusive os homens na pauta do cuidado. Pelo acolhimento de mães, pais e figuras parentais nas corporações, aumentamos o engajamento e a produtividade, criamos um ambiente psicologicamente seguro em que todos se sintam pertencentes, o que favorece a inovação. Contribuímos para um olhar mais humanizado da liderança — afirma Luciana.
Maternidade empreendedora
A psicóloga Mel Bracarense trabalha para orientar as mães que optaram ou se viram forçadas a mudar de carreira. A própria mineira trabalhou por cerca de 10 anos como gerente de Recursos Humanos, mas viu sua ocupação parar de fazer sentido quando veio a maternidade – seus dois filhos, Miguel e Samuel, têm nove e sete anos.
Veio então uma nova fase, a da empresa Mães Com Carreira, que criou em 2017 para ajudar as clientes a encontrarem seu propósito e criarem negócios rentáveis em torno dele, com a autonomia financeira e a flexibilidade que a maioria deseja.
— A maternidade chega e vira a nossa vida de cabeça para baixo. São muitas mudanças, internas e externas, e é comum a mulher olhar para si mesma e rever os seus valores e prioridades, buscar ter uma vida que faça mais sentido para si e mais alinhada ao seu novo papel — argumenta Mel.
O trabalho da psicóloga é online, com atendimentos em psicoterapia, orientações de carreira individuais e em grupo para mães, programas de desenvolvimento e cursos, que já têm alunas no Brasil e em 16 outros países, segundo Mel. Também faz aulas abertas e gratuitas semanalmente, pelas redes sociais, onde 35 mil mães já acompanham suas orientações.
— Meu objetivo é que nenhuma mulher se sinta perdida profissionalmente depois da maternidade. Que nenhuma se sinta sozinha e sem apoio para descobrir o que quer, como planejar e como realizar sua transição profissional depois da maternidade. Eu me senti assim, perdida, sozinha e sem apoio e hoje me realizo oferecendo suporte emocional para tomada de decisão, manejo de ansiedade e orientações de carreira para elas — afirma.
Para mulheres que estão pensando em fazer uma transição de carreira após a maternidade, Mel compartilha quatro dicas essenciais.
- Ter clareza de seus objetivos e questionar-se sobre o que é importante para si como mãe. Por exemplo, quais as experiências que prioriza viver como mãe e qual o pacote de horas que deseja dedicar a isso; e o que é importante como profissional, que realizações deseja e quanto tempo quer investir.
- Descobrir a sua “carreira-missão”.
– É trabalhar com algo que tenha significado maior, um propósito. Você se sente energizada e útil, porque percebe que faz diferença na vida das pessoas. E, se dedicando de coração, tende a ter um retorno financeiro mais expressivo – aponta a psicóloga. - Fazer um planejamento simples e efetivo.
– Muitas mulheres se perdem fazendo planos de negócios ou de transição de carreira mirabolantes. Sugiro começar usando o modelo Lean Canvas para desenho do negócio – recomenda Mel, referindo-se a uma plataforma online para início de negócios. - Cercar-se das pessoas certas, indivíduos que também querem ou que já tenham mudado a própria vida. E, se julgar necessário para tomar decisões mais seguras, procurar ajuda profissional.