Ser mãe sempre foi um sonho para a advogada Tamize Ferreira, mas o caminho até ver o filho, Francisco, nos braços foi longo e repleto de obstáculos. Nesta edição da seção O Que Vi e Vivi, Tamize compartilha sua história, que a levou à criação do Instituto do Direito à Saúde da Mulher
"Meu filho simboliza um processo de cura"
Ouvi centenas de vezes que seria impossível engravidar naturalmente. Estava fora de cogitação devido ao meu quadro grave de endometriose. O diagnóstico da doença veio, de fato, depois de 12 anos convivendo com um fluxo menstrual que mais parecia uma hemorragia, seguida de cólicas fortíssimas e muita indisposição. Em 2015, um médico finalmente bateu o martelo sobre minha condição. E o cenário era tão crítico que eu necessitava de uma cirurgia urgente.
Eu tinha 25 anos e estava no início do casamento com meu marido, Jorge. A infertilidade nunca foi um tabu para nós. Conversávamos sobre as opções para aumentarmos a família – até então, havia alguma chance por meio da reprodução assistida ou poderíamos optar pela adoção. Passei pela cirurgia, perdi 20cm do intestino no procedimento, fiquei dois anos em tratamento e tive alta. E aí veio o susto: três meses depois, eu estava grávida.
Descobri sem querer porque precisei fazer uma colonoscopia e era necessário realizar um teste como pré-requisito. Recebi o positivo na quinta-feira e perdi o bebê no dia seguinte. Era um misto de sentimentos. Afinal, contrariando os laudos médicos, eu poderia engravidar. Com o aval (e espanto) dos especialistas, decidimos começar as tentativas. Poucos meses depois, o positivo veio novamente. Estava tudo bem até a décima segunda semana, quando o coração do bebê parou de bater. Foi um choque. E o processo foi traumatizante: quase 30 dias esperando para expelir o feto. Evitei passar pela curetagem, mas não deu certo. Tive uma forte hemorragia e cheguei no hospital com risco de morte. Foi uma cena de filme de terror. Junto disso, os médicos diziam, sem nenhuma sensibilidade: “É normal perder bebê, todo mundo perde”. Só que a dor era minha, eu estava no fundo do poço. Era meu filho que não estava mais comigo.
Precisei de ajuda psicológica para seguir em frente. Ouvi que o protocolo era investigar a fundo o caso com “três perdas gestacionais”. Não engoli aquilo. Decidi que iria tomar uma atitude. Comecei uma investigação, procurei outras opiniões, só que não chegava a lugar algum. Foi numa conversa informal com um médico que ele me perguntou: “Tu já investigaste se tens trombofilia?”. Fui a um hematologista e os exames comprovaram: a trombofilia provavelmente era a responsável pelas gestações não irem adiante. É como se fosse um defeito de coagulação que faz o corpo “atacar” o bebê impedindo a passagem de oxigênio para o feto. Mas era possível tomar uma medicação durante a gravidez para levar a gestação até o fim.
Comecei a me questionar: eu tinha informação e acesso a plano de saúde e, mesmo assim, tive muita dificuldade de descobrir o que tinha. Imagina quem depende exclusivamente do SUS? Criei um projeto para auxiliar outras tentantes, o Instituto do Direito à Saúde da Mulher, para oferecer orientação e amparo. Enquanto isso, seguia firme tentando engravidar. Visitamos uma clínica de reprodução assistida para estimular a ovulação e aumentar as chances de engravidar naturalmente. Só que a endometriose voltou a piorar. Em agosto de 2019, cheguei no meu limite físico e emocional. Engravidar havia se tornado uma obsessão: controlar o ciclo, tomar o remédio em tal horário, transar em determinado dia, fiquei esgotada. Transei chorando de tanto estresse, aquilo não era mais saudável. Decidimos dar um tempo e colocar a cabeça no lugar.
No início de 2020, os médicos confirmaram que eu precisaria passar por outra cirurgia. O quadro estava tão complexo que afetou ações básicas do meu dia a dia, como urinar e evacuar. Foi bem na época que o coronavírus chegou ao Brasil. O caos na saúde se instalou e eu não consegui ser operada. Cheguei a tomar 12 remédios por dia para controlar as dores, até morfina me deram. Nesse turbilhão, meu marido sonhou que eu estava grávida. Eu tinha certeza que era impossível, mal tínhamos relações sexuais em razão do meu quadro de saúde. E o resultado deu positivo. Caiu meu chão, porque achei que poderia estar prejudicando o bebê, eu tomava remédios fortíssimos. Nenhum médico acreditava que eu estava grávida em razão do meu estado de saúde. Daí foi uma maratona: gravidez de alto risco, acompanhamento semanal e injeções diárias para controlar a trombofilia. Confesso que passei os nove meses preocupada, tinha a sensação de que poderia perder meu bebê a qualquer momento.
O Francisco nasceu de 37 semanas em 19 de maio de 2021, numa cesárea de emergência – não poderia faltar emoção na reta final, né? Estava tão preocupada que nem senti a injeção da anestesia. Quando percebi, estava com ele nos meus braços, um bebê saudável, lindo, realizei um sonho. Mas a sensação de que vou perdê-lo a qualquer momento ainda não me abandonou. Meu filho simboliza um processo de cura para mim, a gravidez amenizou os sintomas da endometriose por enquanto. E também é um símbolo de cura emocional: foi uma caminhada desgastante e dolorida até aqui. Ouvi muitos nãos, estudei, fui desacreditada, busquei informação, segui minha intuição. O caminho para o diagnóstico às vezes é longo, só que não podemos ter medo de questionar, de esgotar as possibilidades. Respeitei as minhas limitações, as opiniões dos médicos e lutei pela minha família com as armas que eu tinha. Não me arrependo de nada.
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