Se antes da pandemia os grupos, fóruns e perfis de maternidade já bombavam na internet, o distanciamento social parece ter conectado ainda mais essas mulheres e multiplicado as mensagens online. Entre as dúvidas, sugestões e comentários compartilhados por mães nas redes sociais há um assunto que tem ganhado força desde do início do confinamento: a higiene natural e seus benefícios, como a possível diminuição das cólicas em recém-nascidos. E a porta-voz do método no Brasil é a gaúcha Fernanda Paz, criadora do projeto Bebê sem Fralda.
Radicada no Nordeste, ela lançou o primeiro livro sobre o tema no país há três anos e faz questão de esclarecer logo de início: a higiene natural, conhecida também como elimination communication, não incentiva o abandono completo das fraldas desde o nascimento. Fernanda, que mantém um perfil no Instagram com mais de 20 mil seguidores (@bebesemfralda), explica que é uma nova concepção sobre atender as necessidades fisiológicas do bebê.
— Não é desfralde precoce, não é antecipar fases, não é treinamento esfincteriano. É somente uma maneira orgânica de atendimento do bebê. Por que atendemos a fome e o sono da criança e não oferecemos auxílio para o momento da evacuação? — questiona. — Acredito que, na pandemia, estamos mais conectadas, trocando mais informação, e muitas mães estão buscando métodos naturais para ajudar na qualidade de vida do bebê sem precisar sair de casa. Não precisamos de remédio para resolver tudo.
Adotada por celebridades como a modelo Gisele Bündchen, a chef Bela Gil e a empresária e blogueira Shantal Verdelho, a prática varia conforme as possibilidades de cada família, mas, de maneira geral, envolve deixar o bebê desde o nascimento em uma posição favorável para fazer o "xixi e o cocô". Aos poucos, mães, pais e cuidadores vão identificando os sinais de que a criança está precisando liberar urina e fezes - como testa franzida, rosto vermelho, choro excessivo, arquear o corpo para trás, cerrar as mãos - e propõem maior "liberdade" para o processo. Uma das alternativas é pegar o bebê no colo e elevar as pernas, como se ficasse mais sentado, e posicionar o corpo da criança para uma bacia, pia, vaso sanitário ou até uma fralda aberta. Outra opção é deixar o pequeno nessa posição e afrouxar as aberturas da fralda para o momento de liberação.
— Por que os bebês modernos têm tanta recorrência de assadura, constipação e fazem inúmeros cocôs por dia? O bebê passa em constante contato com fezes e urina até por volta de três anos. Brinco que a higiene natural é um auxílio técnico e operacional. Não interessa se ele tem zero dias, três meses ou dois anos. Já podemos proporcionar esse cuidado — avalia Fernanda.
A gaúcha reconhece que há poucos estudos sobre o tema no Brasil, mas acredita que os benefícios da prática — inspirada em culturas como a indígena, africana e asiática — vêm sendo comprovados com pesquisas pontuais ao redor do mundo, principalmente nos últimos cinco anos. Diminuição das cólicas, regulação do intestino, redução de gastos com fraldas, prevenção da enurese noturna (xixi na cama), facilidade para o desfralde completo e diminuição de dermatites na região estão entre os principais pontos positivos da higiene natural.
Formada em Direito, Fernanda mergulhou no tema quando engravidou da filha, Serena, hoje com cinco anos. Traduziu estudos e passou a reunir e compartilhar informações sobre o método. De lá para cá, foram mais de 30 workshops pelo país — incluindo um em Porto Alegre e outro em Pelotas em 2019 —, consultorias e um livro escrito. Além de identificar uma disposição da classe médica em estar mais aberta ao tema, ela destaca:
— A higiene natural é um conhecimento ancestral que está sendo resgatado, um processo parecido com a ideia de parto natural e de amamentação prolongada, mais discutidos hoje em dia. Com os estudos sobre o tema aumentando, não há como ignorar o assunto. Meu livro tem embasamento científico do início ao fim.
Como aplicar?
Fernanda defende que a troca de fraldas exige um longo tempo investido por mães, pais e cuidadores todos os dias. A ideia é canalizar essa energia para a identificação dos sinais e oferecer ao bebê a oportunidade de fazer suas necessidades fisiológicas com mais liberdade, escolhendo a alternativa que julgue mais adequada. Aos poucos, a criança passa a evacuar apenas uma ou duas vezes — e fica de fraldas apenas por precaução. E é possível iniciar o processo com uma criança "mais velha", ela explica, mas com uma atenção especial:
— Se temos um bebê de zero dias a três meses, ele vai quase de imediato para a evacuação após dar os sinais. Mas um bebê a partir de seis meses pode se sentir travado ao ser posicionado pelo adulto. A dica é ir criando uma nova rotina de adaptação. Quando acorda, sentar ele no penico, com uma abordagem sensível. Pode ir soltando a fralda aos poucos também para ajudar com o espaço físico para a evacuação. São pequenos passos que já trazem grandes benefícios.
Médicos pedem cautela
A pediatra Denise Leite Chaves acredita que as famílias precisam avaliar a higiene natural com cuidado antes de colocar o método em prática. Diretora da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, a médica ressalta que os estudos sobre a elimination communication existem, mas não há um conjunto significativo de dados disponíveis que aponte os impactos do método a longo prazo. Alguns autores pontuam, inclusive, prejuízos por um desfralde precoce, como impacto psicológico, risco aumentado de infecção urinária, constipação e enurese — os dados vão de encontro às publicações dos últimos cinco anos reunidas por Fernanda Paz, que defende existirem diferenças entre "desfralde precoce" e "higiene natural". Hoje, as entidades de pediatria não recomendam a prática com tranquilidade, mesmo que alguns médicos já se posicionem a favor.
— É preciso rigor científico. Sabemos que a criança pode ser treinada, mas ainda se considera muito precoce essa iniciação ao desfralde antes de 18 meses. Há um desenvolvimento neurológico a ser respeitado, um amadurecimento. Ainda mais quando se pensa em um recém-nascido ou um bebê de poucos meses, que é imaturo anatomicamente. Pode até trazer riscos — afirma Denise.
Para a médica, mães e pais devem buscar o bom senso e fugir dos radicalismos. E, caso queiram dar início à higiene natural a partir de um ano e meio, é indicado encarar o processo como mais uma oportunidade de conexão entre cuidador e criança, sem pressão e com muito amor.
— Comece devagar, seja flexível. Precisamos respeitar o tempo da criança, cada uma é de um jeito. Inclusive quando o assunto é o desfralde.