Cem por cento de verdade, a publicitária Cris Guerra, autora de seis livros e uma das pioneiras do empreendedorismo na internet (também foi uma das primeiras blogueiras com os hoje famosos "look do dia"), esteve em Porto Alegre no fim de maio para participar como palestrante da 7ª Feira Brasileira do Varejo (FBV ).
Com o mote O Poder de Ser de Verdade, falou sobre autoestima e sua história, que ganhou visibilidade ao escrever o blog em que contava a dor da perda do marido ainda durante a gestação de Francisco, seu filho, que também inspirou outros trabalhos, como o recente Escrever uma Árvore, Plantar um Livro.
Entre o compartilhamento com o público de seus erros e acertos como influenciadora de opinião, Cris respondeu a cinco perguntas para a Revista Donna, com o mesmo tom que a aproximou de seu público nos últimos 12 anos: franca e na medida exata entre o leve e o intensa.
Você diz que a mulher aprende a ser mãe sendo. Como ser de verdade, com jogo de cintura e frustração, em uma época em que se prega a perfeição pelas fotos de redes sociais?
Eu sou irremediavelmente de verdade. Nem quando quero blefar eu sou bem-sucedida. Não sei se existe uma fórmula para ser de verdade, mas minha experiência mostra que assumir a nossa verdade é o melhor caminho. O caminho mais humano, e por isso mesmo sofrido também, mas o que nos fortalece de fato. Fazer as pazes com a imperfeição foi a coisa mais sábia que fiz. A vida me deu a oportunidade de pensar nisso desde cedo, o que foi bom. No contexto atual, ser de verdade é quase um diferencial. Porque são muitos os estímulos para que a gente tente parecer perfeito ou ideal. Só que todos esses chamados têm um brilho falso. Empenhar-se para sustentar uma imagem de perfeição, além de dar o maior trabalho, só gera frustração. Quando você está só consigo mesmo, o que fica é um vazio enorme. Pra quê?
Como ser de verdade e se blindar da obsessão de perfeição que vivemos hoje?
Na hora de dar a sua voltinha pelo Instagram, não se deixe levar pelo aspecto de perfeição das imagens. Desconstrua essa vida alheia que lhe parece ideal."
CRIS GUERRA
A rede social mostra o quanto somos contraditórios: gostamos de acreditar na idealização que nós próprios construímos, para mais tarde nos intoxicar dela. Então, mais importante do que o filtro sobre a imagem é usar um filtro do lado de cá da tela: praticar esse exercício diário da desmitificação da vida alheia. Na hora de dar a sua voltinha pelo Instagram, não se deixe levar pelo aspecto de perfeição das imagens. Desconstrua essa vida alheia que lhe parece ideal. Lembre-se de algumas fotos que você mesmo já postou: só você viu o entorno, aquilo que fugiu ao enquadramento. E saiba: todo ser humano sente cansaço, solidão e dúvidas diante do espelho. Todo casal briga, todo mundo tem medo de envelhecer, toda mãe perde as estribeiras de vez em quando. Isso não é sinal de nada além de humanidade. Se por acaso você conhecer alguém que diz não sentir ou fazer nada disso, desconfie. Há algo de errado com quem não tem nada de errado.
A experiência de mãe solo se faz menos solitária pelo mesmo motivo, uma vez que depoimentos e histórias são mais compartilhadas?
Acho que hoje existe um ambiente muito mais favorável a essa troca de experiências. São canais de YouTube, perfis no Instagram, grupos no Facebook, seminários, palestras, rodas de conversa. Nos últimos dez anos, as redes sociais tomaram conta das nossas vidas de maneira impressionante no que diz respeito à formação de comunidades reais e que fazem diferença nas vidas das pessoas. O que mudou de 2007 (quando comecei) para cá é impressionante. Na época eu sentia essa solidão – que já é natural de qualquer mãe–, mas não era fácil compartilhar experiências. Era o tempo do Orkut, que não chegava aos pés do Facebook em termos de interação. Era outro tempo. O blog foi um incrível canal de desabafo, mas não de troca de experiências nesse sentido. Eu não conheci, na época, mães que tinham ficado viúvas grávidas. O termo mãe solo sequer era usado. Hoje sou uma referência junto a essas mães solo, principalmente entre as que perdem o marido durante a gravidez. A minha solidão eu aplaquei escrevendo. Mas hoje existem comunidades de todos os tipos e essa é a parte linda da internet. Mas não posso negar que, mesmo não trocando experiências, o simples fato de ter leitores que me acompanhavam e torciam por mim fazia uma diferença absurda para eu seguir em frente.
Seu filho Francisco foi quem a impulsionou no seu primeiro livro. Como foi a experiência deste e, depois de toda a experiência, lançar o Escrever uma Árvore, Plantar um Livro?
Meu primeiro livro foi escrito no calor da dor. A dor de ter perdido o pai do Francisco, que eu amava loucamente, e a dor de me apaixonar por aquele menino que havia acabado de chegar – que me matava de encantamento e também de cansaço, dúvidas, medo, insegurança. Eu achava muito injusto sentir tanta felicidade ao ver o Francisco e não ter o pai dele por perto para dividir esses sentimentos todos. Eu sentia muito a falta dele, e a presença do Francisco tornava tudo isso ainda mais agudo. Foi um misto de sentimentos que me levou a escrever como quem usa uma máscara de oxigênio pra sobreviver. A escrita jorrava. E as pessoas se emocionavam como se sentissem a minha dor e o meu amor – pelo Guilherme (meu falecido marido) e pelo Francisco. Foram os leitores do blog Para Francisco os responsáveis por me fazer acreditar que eu era uma escritora. O livro de crônicas sobre a maternidade, Escrever uma Árvore, Plantar um Livro já retrata a trajetória de uma cronista do cotidiano. São crônicas selecionadas dentre as que eu publicava em revistas sobre pais e filhos ou na revista Veja BH, onde eu escrevia quinzenalmente. Os dois livros foram escritos em momentos e contextos um pouco diferentes. No início deste livro novo, o Fran ainda era bem pequeno e eu ainda sofria a falta do pai dele. O mais legal desse livro é justamente mostrar essa evolução, esse crescimento, a leveza encontrando seu lugar, o humor cada vez mais presente e a poesia, sempre ela, companheira da nossa relação.
Alguma vez você fez algum compartilhamento ou postagem e depois se arrependeu pela idealização que ela poderia causar?
Não, isso nunca aconteceu comigo porque eu sempre tenho um pezinho na sinceridade e na vida real. Até quando eu apareço linda, maquiada e com uma produção que impressiona, eu sempre deixo a vida real entrar na legenda. Sou muito sincera e quem me conhece ou tem a oportunidade de estar comigo sempre percebe isso. Eu falo da minha maternidade com o Francisco, por exemplo, com muita poesia e amor. Mas não escondo minhas lutas e faço questão de deixar claro que sou a mãe possível – e por isso mesmo mais feliz e realizada.