O riso fácil e a delicadeza na fala não escondem, nem de longe, a força da personalidade de Letícia Colin. Quem está entre os 3,7 milhões de seguidores de seu perfil no Instagram reconhece a atriz de 33 anos, queridinha dos críticos e do público, e também a mulher que não tem medo de demonstrar suas vulnerabilidades.
Foi nessa mesma rede social que ela resolveu compartilhar detalhes de sua faceta mais crua – a de mãe de primeira viagem. São trocas que a artista valoriza, sob o ponto de vista de quem entende, para muito além da dramaturgia, as surpresas, as alegrias, os aprendizados e, especialmente, a exaustão que residem na vida real.
A maternidade é, inclusive, um dos assuntos de nosso papo com Letícia, que nos atendeu por telefone, de sua casa, no Rio de Janeiro. Ao fundo, risadinhas de Uri, três anos, davam o tom do dia de férias de verão interrompido por nossa entrevista. E ter que dividir a atenção da mãe com uma jornalista, neste período, concordamos, deveria ser mesmo muito chato.
— Você me dá licença um minutinho? Enquanto eu não parar para ouvir, ele não vai desistir — avisou ela, desculpando-se pela leve interrupção.
Menos de dois minutos depois, já de volta à conversa, a paulista de Santo André conta sobre o crescimento que experimenta ao lado do filho e do marido, o ator Michel Melamed, 49. Na rotina, há sempre um tempo para os passeios a pé pela cidade – hábito que está na lista de antídotos para o que chama de “neurotização” da vida.
Com a carreira a todo vapor, no momento, aguarda o início das gravações da segunda parte da novela Todas as Flores, do Globoplay, na qual interpreta Vanessa, uma vilã com requintes de deboche para quem “ama odiar”. Enquanto isso, curte em grande estilo na TV aberta a série Onde Está Meu Coração, em que vive a médica Amanda.
No ar desde o final de janeiro na Globo, a produção lhe rendeu indicação ao Emmy Internacional 2022, consolidando seu nome entre os mais relevantes da geração atual de atrizes.
E, dando sequência à maratona, em 9 de março, estreia nos cinemas com o longa A Porta ao Lado. Par romântico do ator Dan Ferreira (Rafa), Letícia dá vida a Mari, uma mulher que se vê em busca de respostas para dúvidas que sequer sabia que existiam.
Diferentemente da personagem, ela conhece bem suas questões pessoais e, mesmo que não tenha todas as soluções, sabe como encará-las: à base de muito amor e terapia. Veja, a seguir, os melhores momentos de nosso bate-papo.
A série Onde Está Meu Coração aborda um tema sensível. Como tu vês essa abordagem na ficção?
Acho muito importante a gente avançar nesse diálogo sob um ponto de vista mais amoroso. Muitas vezes, a sociedade trata o vício em drogas como uma questão de polícia, com preconceito, e isso gera um não avanço. Porque envolve o sofrimento de uma família.
É uma luta pela ressurreição dessa mulher que a gente acompanha. Essa série traz uma discussão urgente, falando desse assunto tão delicado com todo o afeto e respeito. Tenho muito orgulho desse trabalho.
Tu estás em uma sequência de personagens extremamente intensas, como a vilã Vanessa, de Todas as Flores. Como é a construção desses diálogos femininos?
A gente vem nesse movimento de nos vermos representadas na tela com nossa força, nosso potencial, em toda a nossa complexidade, né. A Leopoldina (protagonista de Novo Mundo, transmitida em 2017 na Globo) era uma mulher delicada, mas também muito forte, que fazia o que podia para sobreviver naquele contexto.
No caso da Vanessa, ela usa essa potência para si, porque é muito hedonista, quer poder, dinheiro, sexo. É uma mulher em um momento de descontrole (risos).
Me divirto muito fazendo, porque ela é fora da curva, totalmente descolada da realidade. Talvez, dentro de uma fantasia das pessoas de conseguir o que se quer, ela traga algo. E o humor é uma coisa que sempre tento cavar para trazer um pouco de leveza. É algo que busco fazer na vida.
De que forma?
Sou muito brincalhona, gosto de fazer piadas, mexer com as pessoas no trabalho, afinal, passamos muitas horas juntos, produzindo. A gente está sempre muito focada e tento rir um pouco dessa “neurotização” da rotina.
Gosto de misturar essa seriedade com humor, porque alivia o dia a dia. Estava dizendo a uma amiga: “Hoje, falei 200 vezes para o Uri tomar banho. O que mais preciso fazer?”. E ela respondeu: “Ué, falar 300 vezes!”. E é isso, né. Se a gente não ri, se estressa muito.
E como tu enxergas essa missão de educar uma pessoa?
É um desafio dar contorno para aquele serzinho e, ao mesmo tempo, lidar com angústias suas. É muito bonito, mas muito cansativo. É maravilhoso, mas muito difícil.
Me identifico com os movimentos de rompimento de padrões, porque sempre me senti diferente.
LETÍCIA COLIN
Atriz
Surgem as clássicas culpas de mãe que equilibra a dedicação ao filho com a carreira e outros interesses?
Toda vez que lembro que meu filho precisa ouvir um “não”, ou que não vou estar ali presencialmente, penso que ele também se desenvolve. Nesses momentos, ele é obrigado a interagir com outras pessoas, fazer as atividades dele, ir à escolinha, brincar com os amigos.
Eu não poder estar junto o tempo todo por causa do trabalho é bom, porque a gente renova a energia quando relaxa. E claro que não é assim o tempo todo, mas ele está aprendendo. É um processo importante para a organização dele no mundo.
A gente, que é mãe, acaba organizando muito tudo o tempo todo. E meus “nãos” ajudam nesse ponto. Além disso, conto com uma rede de apoio de mulheres que dão aquela força uma para a outra. A gente se ajuda muito.
É essa energia que vemos refletida no teu visual, no corte de cabelo, por exemplo?
No início da pandemia, cortei o cabelo, pois tive covid-19, fiquei mal e, com filho pequeno, precisei disso. Me trouxe força, autonomia e, principalmente, praticidade.
Amei o cabelo curto e, então, quando veio a novela, propus esse visual para a Vanessa. Conversei com a equipe e fizemos esse sidecut, que está em alta, com uma pegada punk, laterais raspadas. O diretor, Carlos Araújo, aceitou e achamos que combinou muito com ela. Depois, um monte de gente se inspirou, mulheres me escreveram contando que cortaram seus cabelos e amaram também.
A gente tem muito na cabeça essa imagem de que o feminino está ligado ao cabelão e isso é preconceito, uma coisa antiga. Ainda vamos avançar nesse sentido, porque a mulher é linda do jeito que ela se curtir e se sentir bem.
E tua relação com a moda? Curtes acompanhar as tendências?
Gosto muito de moda, de conversar com as pessoas sobre isso. Vivienne Westwood, que faleceu recentemente, é uma das designers que eu mais admiro, por exemplo. A Inglaterra é um lugar que influencia muito minhas preferências, gosto da criação, da cena artística, tenho amigos que moram lá, com quem troco muito.
Na verdade, me interessa tudo o que é diferente, a transgressão. Me identifico com os movimentos de rompimento de padrões, porque sempre me senti diferente. Principalmente, em alguns momentos em que fico mais reflexiva, quando vem os vazios. A moda acolhe as pessoas assim, como eu, mais esquisitas (risos).
Como tem sido lidar com essa sensação de vazio hoje?
Estou entendendo que faz parte de mim e não tem nada de errado, mas acho que tem melhorado. Quando a gente é mais nova, é mais angustiante. Mas a partir dos 30, damos uma “desneurotizada”. Fazer 30 anos é muito bom. Recomendo! A gente vai se cobrando menos.
É tranquilo administrar esse avanço do tempo?
Gosto de ter cosméticos e me divirto com eles, mas não é uma paranoia. Gosto de ver expressões no meu rosto, não tenho vontade de esconder uma ruga, algo assim, porque as marcas também são ferramentas para o meu trabalho. Com as selfies, a gente se desacostumou com a nossa cara de verdade. As pessoas começaram a acreditar que são daquele jeito que se veem com os filtros.
Me olho no espelho e fico repetindo: “não posso acreditar que a minha cara é aquela do filtro!”. Isso gera infelicidade, pois quando se vê ao natural, a pessoa desanima. E, poxa, a gente é isso aí. O mundo é desafiador por tudo. Os poros, a cor diferente. É o normal. É da vida.
Com ou sem terapia?
Sem terapia não dá! Faço há muitos anos e ajuda em tudo. As questões existenciais, o vazio, os pensamentos que me ocupam mais, algo que me intriga. A maternidade também, porque te demanda muito, você está criando aquela pessoa.
Tu pretendes ter mais filhos?
Hoje, não. Talvez, por termos vivido na quarentena os primeiros anos do Uri.
Somos muito parceiros, os três. A gente demorou muito tempo para conseguir se reorganizar depois do isolamento, então, ainda temos muito o que curtir assim.
O relacionamento com Michel mudou muito desde a chegada do bebê seguida pela quarentena?
Nem lembro mais de como era antes. Não sou saudosista, ando muito bem para a frente. Gosto desse momento com o Uri um pouquinho maior. Temos nosso tempo juntos, fazendo nossas coisas.
A gente adora passear com nossa cachorra, Doce, na zona sul do Rio. Vamos até a Lagoa, tomamos uma água de coco. Penso no que vai ficar, nas memórias afetivas que vamos construindo.
Agora, é esperar pela próxima fase de Todas as Flores?
Sim, e também por tudo o que essa história ainda reserva. E Vanessa vem com tudo! Mais louca do que o Batman.