Ao mesmo tempo em que ela reconhece e abraça sua beleza, Débora Nascimento não se permite ser taxada somente como “mulher bonita” – estereótipo que várias vezes limitou seus papéis como atriz. Aos 37 anos, diz estar mais madura e confiante sobre sua potência como profissional e mulher do que a jovem que estreou na Globo em 2007, na novela Paraíso Tropical.
A atriz chega a 2023 mostrando uma diversidade de personagens que batalhou durante a carreira inteira para conseguir, tendo estreado no streaming já no primeiro dia do ano com a minissérie da Netflix Olhar Indiscreto. A trama tem o desafio das muitas cenas picantes que compõem a jornada de desejo e autoconhecimento da protagonista Miranda, uma hacker e voyeur que, segundo ela, tem camadas de complexidade que exigiram um tempo de maturação de cerca de três anos até o lançamento.
Com a experiência de quem tem 20 anos na TV, no cinema e nas passarelas, e ainda viveu dois casamentos e tornou-se mãe, a Débora deste ano dá sinais de ser sua versão mais poderosa.
— Tentam domesticar a gente de todas as formas, nosso desejo, nossa arte, nossa energia, nossa inteligência e o alcance do nosso pensar. E, muitas vezes, a gente se enquadra nisso. Afinal, são anos e séculos de um sistema patriarcal e capitalista, que vai colocando nossa existência em caixinhas. Mas passei por muitas coisas em que fui obrigada a olhar para quem realmente sou, para minha verdadeira potência, e esses padrões foram despedaçados, viraram pó — afirma a artista.
No contraste com “a garota pé no chão” da zona leste de São Paulo, que teve carro rebaixado na juventude, gosta de subir em árvores e toca ukulele, Débora conversa com Donna por vídeo direto de Milão. A ida à Itália foi motivada por reuniões de trabalho e por um convite para assistir ao desfile de Giorgio Armani, onde prestigiou o namorado, o modelo mineiro Alex Cunha. Sobre o relacionamento, revela apenas que “a gente se faz bem, isso que importa”.
Nesta entrevista, fala também sobre como equilibra trabalho e maternidade – é mãe da menina Bella, quatro anos, fruto do casamento com o ator José Loreto – e explica de que forma a felicidade da filha está ligada à sua própria realização pessoal e profissional.
Qual a sensação de começar o ano estreando no streaming?
Estou muito feliz por estrear com uma personagem complexa, que vai do prazer à morte, do ápice do desejo ao da dor. É realmente uma oportunidade muito especial que eu agarrei e me deliciei em todos os aspectos da atuação. E me sinto agraciada porque Olhar Indiscreto conversa com o tema da sensualidade e do desejo, e foi feita por uma equipe muito feminina.
Comparando à TV, uma série se dissemina mais rápido na plataforma. Você sente reflexos disso?
Era bom fazer novela, porque eu conversava com o público brasileiro, que gosta e está habituado a esse tipo de dramaturgia. Mas como aqui fora não há tanto o costume de ver novela, com o streaming você leva outro tipo de conteúdo para o mundo.
A série está bombando na Europa e está sendo muito interessante ver o reconhecimento vindo apenas por conta do meu trabalho. Aqui, ninguém conhece a minha vida pessoal, então as pessoas ficam interessadas no meu conteúdo artístico. No geral, noto que há muito interesse em nossa arte, nessa potência feminina, brasileira e plural.
Como foi trabalhar com uma coordenadora de intimidade para as cenas de sexo na série?
Mais do que a coreografia de uma cena de sexo, é importante estudar e entender o porquê daquele sexo, qual o grau de desejo da personagem. Tenho um processo intenso de pré-construção.
Pego o texto, estudo, rabisco, converso com a diretora, ensaio, depois medito e entendo que todo o conhecimento necessário para gravar está dentro de mim. Envolve muita entrega e é por isso que a coordenadora de intimidade foi maravilhosa.
É uma pessoa que tem formação, métodos e ferramentas para nos ajudar a encontrar a melhor posição para todos. Se me sentisse desconfortável, com um simples olhar entre nós ou num movimento mais tenso meu, ela já vinha com uma toalha, sempre muito atenta às nuances.
Essa figura é muito importante para cenas de intimidade, porque passamos por processos muito sensíveis não só em termos de exposição do corpo, mas de vulnerabilidade. Há cenas em que você não vê tudo, como uma onde estou me tocando, mas em que me senti muito exposta. Aquilo mexeu comigo. O que faz a diferença é estar num ambiente completamente seguro.
Você está lendo o livro Vagina, da Naomi Wolf, que fala da força criativa da mulher, ligada ao desejo e à sensualidade. De que forma isso opera na sua vida?
Estou reconhecendo nesse livro todo o conhecimento com o qual já tinha tido contato através do tantra, que parte da filosofia do ioga. Ela diz que a energia sexual, criativa e vital são uma só, que pulsa dentro da gente e que, sim, quando estamos ativos sexualmente, seja sozinha, se tocando, ou com outra pessoa, estamos tendo orgasmos e gozando com a vida.
Você deixa seu corpo em estado de êxtase e ele é muito produtivo. Você aciona neurônios e toda uma camada energética. E mulheres têm infinitas possibilidades de criação de universos, percebi isso na prática quando engravidei. Precisei dessa materialização, que foi a construção de um ser vivo dentro de mim, para tomar consciência da minha própria potência como mulher, como ser vivo, como força. Lembro que eu me sentia selvagem.
Você se sente mais livre do que em outros momentos da sua vida?
Estou sempre em evolução e tenho todos os caminhos a percorrer ainda. Mas me sinto muito mais consciente da mulher, ser humano, artista e mãe que sou do que há cinco anos. Acredito que daqui a um mês vou estar diferente e é isso que espero: mudar, renascer.
Renasci quando fui mãe, quando me separei do pai da minha filha e, agora, com esse gás de energia que foi parir Miranda e ver meu trabalho alçar o mundo. Estou aprendendo a cada minuto, com todas as relações.
Você aprende com sua filha?
Quando ela me pergunta alguma coisa, antes de responder, reavalio aquela resposta e reaprendo. O que dá trabalho em ser mãe é esse processo de se revisitar, porque se você só vai no automático, é fácil. Só que aí acabo reverberando o que minha avó, minha mãe e a sociedade estão embutindo na minha cabeça há 37 anos.
Se tenho a oportunidade de reavaliar conhecimentos e passar para minha filha, simplesmente, o que é uma cor “azul ou rosa”, por que não fazer isso? Se não me dedicar ao ser humano que coloquei no mundo, farei isso por quem? Explicando a vida para ela, tenho um novo olhar.
E como vocês lidam com as viagens constantes?
Nosso mantra é “mamãe vai e mamãe volta”. Nos falamos todos os dias. E vou mostrando que não é porque sou mãe que não vou perseguir meus sonhos. Assim ela se inspira. Bella é o ponto crucial e mais importante na minha vida. A pus no mundo e essa é minha maior responsabilidade, mas passei por processos abruptos de desconstrução e entendi que, para minha filha ser genuinamente feliz, tenho que ser feliz também.
Se eu não for, se deixar minhas coisas de lado, de alguma forma, isso vai reverberar nela. Por isso, decidi fazer meu melhor. A maior referência para minha filha vai ser uma mulher que luta para ser feliz.
Você se acha bonita?
Já tive questões com minha autoimagem e duvidei muito de que fosse bonita. Tive anorexia na adolescência e sei o quanto o distúrbio machuca, se torna dor física mesmo. Hoje, me aceito, sei que sou bonita, mas me faço pouco refém de procedimentos estéticos, maquiagem.
Tenho marcas no corpo que seriam ditas como imperfeições, mas já as abracei. E evito mexer qualquer coisa no meu rosto, porque não gosto de pensar nessas harmonizações faciais que deixam todo mundo com a mesma aparência: meninas de 20 anos com cara de mulheres de 40.
A beleza está na originalidade, no que é único, nas marcas da sua vida. Acho que o importante é manter a saúde. Por isso, sempre bebo muita água e uso protetor solar.
O que dá trabalho em ser mãe é esse processo de se revisitar, porque se você só vai no automático, é fácil.
DÉBORA NASCIMENTO
Atriz
Como a beleza reverbera na sua carreira? Abre portas ou limita?
Passei por um período de “mulher bonita não pode fazer papel de pessoa comum. Pode apenas ser a personagem bonita”. Então, tive que buscar mostrar que ia além disso. Lutei por personagens desafiadoras para mim. Por exemplo, em Pacificado (filme no qual interpreta uma jovem de periferia) tive que ir até o diretor mais de uma vez, bater papo e fazer testes até entenderem que, por mais que eu, quem sabe, parecesse uma musa de novela, era só uma mulher que veio da zona leste de São Paulo, teve carro rebaixado, fez teatro e que, sim, também é bonita e fez novela.
Mas que isso não determina as minhas possibilidades de atuação. Pelo amor de Deus, eu sou normal. Por que acham que não tenho camadas, vivências? Posso ser o que quiser, tenho todas as mulheres do mundo dentro de mim.
Quem é a Débora que não vemos na TV, filmes e notícias?
Véio, ela é muito pé no chão. É uma menina que sobe em árvore, faz trilha e se suja com a filha. Sou muito na minha, gosto de ler os meus livros e tocar ukulele — sei duas letras para tocar com a minha filha e está ótimo (risos). Sou uma pessoa intensa à beça, chorona e emocionada, algo que, às vezes, me preocupava, porque achava que tinha que seguir uma linha reta, sem altos e baixos tão fortes.
Mas aí o coração para, né? Pense num eletrocardiograma. Então, entendi que essa sou eu, tímida, sensível e de poucos e bons amigos. Fico na minha. Às vezes, as pessoas esperam de mim uma pessoa completamente extrovertida, mas aí é problema delas, né?
Como você avalia esse momento e o que deseja construir em 2023?
O momento é de não esperar nada, viver o agora. Estou vivendo um sucesso que não esperava e estou muito feliz com o que está por vir, os trabalhos a serem lançados. O que mais estou gostando é da conversa artística e a troca que já estou tendo com pessoas muito interessantes, que eu admiro. Do futuro não faço ideia, então me mantenho presente para mim, para minha filha e para aqueles ao meu redor. Hoje, estou na Itália e está chovendo. E sei que em breve vou estar no Brasil, no calor, abraçando a minha neném.