Ela está em observação permanente. Indira Nascimento assiste a todos os capítulos da novela Travessia tomando nota: “melhora essa postura, valoriza para a câmera”; “cuidado com o olhar”; “presta atenção ao timbre”. Em seu primeiro papel de destaque em uma novela das 21h na Globo, a atriz de 33 anos aprende não só a evoluir, mas a reconhecer o talento que a colocou no mesmo elenco de nomes como Ailton Graça, Giovanna Antonelli e Alexandre Nero.
Esse time está no núcleo de Laís, uma advogada em ascensão, criada por Glória Perez com inspiração na personagem Annalise Keating, da série How to Get Away With Murder, interpretada por Viola Davis. No entanto, mais do que enxergar o lado de fora, a paulista revela que o hábito de olhar para dentro é que tem sido realmente transformador na sua trajetória.
Foi do seu íntimo que veio a vontade irrefreável de mudar há 10 anos, quando largou faculdade e estágio em Jornalismo e foi com uma mão na frente e a outra atrás para o Rio de Janeiro. Fez teatro, streaming, cinema e, hoje, comemora diversas conquistas.
— Estou vivendo um momento de “que bom que segui as batidas do meu coração e fui atrás da minha paixão. Olho para minha vida e agradeço por poder confiar nos meus instintos. Quero cada vez mais usar o coração como bússola. Saí de São Paulo para experimentar ser atriz, comecei do zero. Me apaixonei perdidamente pelo ofício e é uma realização poder mostrar meu trabalho e me conectar com ainda mais gente — afirma Indira.
Da sua casa na Barra da Tijuca, ela conversa com Donna sobre o que mudou no contato com o público desde o início da novela e sobre o impacto de protagonizar narrativas onde mulheres negras ocupam espaços de poder.
Como você avalia sua primeira década de carreira?
Toda vez que olho para trás penso que foi uma felicidade ter investido nesse sonho. Mesmo sem nenhum respaldo, foi uma escolha acertada. Cursei três semestres de Jornalismo em São Paulo e fazia estágio em um blog na Folha de S. Paulo, onde entrevistava artistas como Emicida, Ellen Oléria. Lembro que esse momento foi bem importante, pois me via muito descolada daquilo. Gostava das entrevistas, mas queria mesmo era ser artista. Só que tinha muito medo de assumir isso.
Até que um dia decidi que era preferível arriscar e nunca chegar do que ficar parada pensando em como seria se tivesse tentado. Queria muito conseguir “segurar o boi pelo chifre”, agarrar a vida e sentir que as coisas estavam acontecendo de acordo com o que eu queria.
Você já tinha uma ideia da atriz que queria ser?
Meu maior sonho sempre foi ser a atriz mais honesta e entregue possível, conseguir me colocar à disposição do personagem, o que não é uma coisa simples de fazer. É o treinamento de uma vida. Os atores que mais admiro têm essas características. Você quase não consegue identificar a pessoa, pois acredita inteiramente no personagem.
Acho muito bonito e sofisticado esse trabalho mental de colocar-se um pouco de lado para dar espaço para outra personalidade existir. Também sempre tive o desejo de ser uma atriz popular. Acho chique quem consegue se comunicar com todo tipo de gente.
Não tenho religião, mas todas as manhãs, reservo um tempo para me conectar com o que estou sentindo.
INDIRA NASCIMENTO
Atriz
Como é interpretar uma advogada de sucesso?
Posso dizer que Laís é um presente, pois ela é complexa, circula no ambiente familiar e profissional, tem bom caráter, mas também vários desvios e deslizes, como na criação de seus filhos. Como uma mulher moderna, para manter o status social que tem e ser líder, ela precisa dedicar 100% de atenção a isso, o que acaba tirando boa parte da atenção que ela gostaria de dar aos filhos.
Estou apaixonada pela Laís e cada vez que me caracterizo, fico encantada com como ela é bonita e poderosa. Acho que para a população preta isso é muito importante. Estávamos desejosos por ver os nossos corpos ocupando esse tipo de lugar. É um momento de realização. A existência dela é importante inclusive para as próximas gerações, para que as meninas possam olhar e pensar “poxa, quero ser bonita, livre e poderosa como a Laís”.
A Laís usa lace no cabelo. Qual é a intenção ao incluir essas próteses capilares no contexto dela?
É libertador. A mudança de cabelo faz parte da cultura negra e as mulheres fazem isso há muito tempo, com naturalidade. O que estamos fazendo é compartilhar na TV aberta um pouco dessa cultura, e isso é precioso, pois a dramaturgia sempre foi muito eurocentrada. Quase tudo o que conhecemos diz respeito à realidade das pessoas brancas.
E no universo das mulheres negras? Amor, num dia você está com uma lace toda trançada, no outro está com peruca lisa, no outro faz uma trança rasteira... isso é muito comum. Acho que o maior ganho é trazer essa realidade para o maior número de pessoas possível para que incômodos que são constantes na vida das mulheres negras possam ser resolvidos.
Já passei por isso e ouço muitas outras negras comentando sobre a indelicadeza de ficarem perguntando “ah, mas como você lava esse cabelo?”, “esse cabelo é seu?”. Um desconhecimento que, às vezes, acaba sendo violento. Espero que, com as pessoas vendo essa personagem e entendendo como ela faz, haja aprendizado e mais respeito.
Seu número de seguidores no Instagram está chegando aos 50 mil. Isso faz com que você mude o seu jeito de se comunicar?
Estou tentando lidar da melhor forma possível. Sei que as pessoas têm curiosidade sobre bastidores, então tento compartilhar o que pode ser mostrado. E a maioria é extremamente amável, vem me dizer o quanto me acha bonita e curte o meu trabalho, algo super positivo. Mas é claro que, junto com isso, vêm outros tipos de pessoas.
Algo que incomoda é o péssimo hábito de opinar sem que isso seja solicitado. A gente precisa começar a se educar, observar uma cartilha de bom comportamento. A internet dá uma liberdade legal, porque aproxima as pessoas, mas também tem muita gente que se sente no direito de opinar sobre a sua existência. É um pouco chato.
“Grandes sonhos precisam de corpos fortes para ancorar” é a legenda que você deu para uma foto. Como é a relação com o seu corpo?
Quando assumi minha vocação de atriz, assumi também um compromisso de me colocar à disposição. E, para poder viver tudo o que a mente sonha, precisamos ter um corpo saudável para dar conta. Todas as vivências são sentidas nele. É o corpo que diz se alguém gosta de você ou não, se você curte alguém ou não, se determinado ambiente é para você.
Para mim, que tenho as emoções como matéria-prima do trabalho, é preciso realmente cuidar desse corpo e conhecê-lo bem. E sou lenonina, né? Super vaidosa, gosto de me sentir bonita. É importante que eu esteja com o peso que condiz com a minha altura.
Treino de três a quatro vezes por semana, porque me sinto mais disposta e consigo me sustentar no salto alto que Laís usa. Tento ter uma alimentação saudável com acompanhamento nutricional.
Você fala muito em autoconhecimento. Tem a ver com alguma religião ou guia espiritual?
Não tenho religião, mas todas as manhãs, reservo um tempo para alongar, ajustar a respiração e me conectar com o que estou sentindo. Acho que Deus está dentro da gente e, se eu ficar quieta, consigo ouvir Ele falando comigo. É o momento de ouvir, entender, recalcular a rota.
E o que faz no seu tempo livre?
Confesso que, ultimamente, quando não estou gravando, estou lendo e estudando os capítulos novos da novela. É uma trabalheira! Mas sempre que possível vou à praia.
Descobri que preciso, pelo menos uma vez ao mês, ir para o samba. Pode me chamar para uma roda de samba, porque essa é a minha religião. Me deixa super alto astral, melhor lugar não há. Vira e mexe, o povo vai me ver no samba.
Nesse pique, dá tempo de cuidar da vida amorosa?
Estou em um relacionamento sério há quase quatro anos. É nossa primeira vez vivendo numa distância maior, pois ele mora em São Paulo. Nunca quisemos isso, mas as circunstâncias nos colocaram nesse lugar e estamos nos entendendo. Falamos todos os dias, a tecnologia contribui para conseguirmos manter um contato próximo.
Ele é um cara muito massa, que me apoia e vibra com minhas conquistas. É um relacionamento importante para mim e está funcionando. Mas confesso que, nesse momento, a carreira é minha prioridade.
Em termos de projetos pessoais, o que vislumbra para o próximo ano?
Mana, o plano é não parar de trabalhar. Aperfeiçoar meu instrumento e fazer trabalhos relevantes para minha comunidade. Esse é meu maior sonho: fazer trabalhos que tragam honra para pessoas que são como eu. Espero continuar emprestando meu corpo e colocando meu ofício a serviço não só de construir novos imaginários e possibilidades existenciais para corpos pretos, mas também beleza, alívio e entretenimento.