Faz alguns anos que a jornalista Tânia Carvalho resolveu abandonar as tintas e as descolorações para assumir os fios brancos misturados às madeixas pretas naturais. Não faz parte da sua vida o ditado “mulher não envelhece, fica loira”, já que exibir a idade, a começar pelos cabelos, é um sinal de respeito com o passar do tempo.
– Se as pessoas dizem que o grisalho envelhece, respondo “É porque sou velha mesmo!”. Nunca tive esse grilo de não querer dizer a idade que tenho, acho isso ridículo porque a coisa mais linda do mundo é ter muitos anos de vida. Nem todo mundo consegue chegar a ficar velha, é um privilégio, uma coisa maravilhosa – comemora.
A gaúcha de Bagé fez aniversário no último 25 de dezembro e, nesta conversa com Donna, apesar do espaço limitado para contar sobre uma vida tão interessante, Tânia abre o coração para falar dos aprendizados e experiências em momentos marcantes do seu presente, passado e futuro. E começa pela versão mais atual, a de uma mulher de 80 anos.
A jornalista recebeu a nova idade com gratidão por tudo o que já viveu até aqui, seja na TV, no rádio, nos casamentos ou em suas viagens pelo mundo. E confia que ainda tenha muito a celebrar, já que essa avó de quatro netos planeja seguir firme e tornar-se bisa.
Atualmente, a dica que dedica às mulheres é: “Lembre-se de que tudo passa”, já que a vida lhe mostrou que, das coisas mais maravilhosas às mais dolorosas, nenhuma resiste à cadência do tempo. É por isso que seu segredo de felicidade e longevidade é saber desfrutar o momento presente com leveza e bom-humor.
– Às vezes eu sofro de “sincericídio”, porque falo mesmo. Mas assim nada fica engasgado e eu me sinto mais leve. Não concordo muito com o Neymar, mas tenho vontade de fazer uma tatuagem no pescoço igual a dele, escrita “tudo passa” – brinca ela.
Para manter a saúde em dia, Tânia revela que caminha, faz pilates, toma vitaminas e vai ao médico regularmente. Para a pele, no máximo, “passa um creminho, dando umas batidinhas”.
E embora tenha operado as pálpebras nos anos 1980, a comunicadora garante que atualmente não tem neuras com as rugas. Também não encontrou motivos para querer alterar a aparência com procedimentos.
– Hoje tenho todas as minhas rugas e aqui elas vão ficar. E tenho horror de botar botox e acabar com aquela “boca ginecológica”, uma coisa assustadora (risos). Acho que as pessoas têm todo o direito de fazer o que quiserem, mas não quero fazer mais nada – afirma a jornalista.
Criação
Para entender quem é Tânia Carvalho, é preciso dar uma espiada na sua origem. A peça do espanhol Federico García Lorca Casa de Bernarda Alba, que retrata a vida de uma matriarca com cinco filhas e sua mãe, tem tudo a ver com a dinâmica em que ela viveu seus primeiros anos de vida.
Nasceu e cresceu em Bagé, em uma casa onde morava com a avó, a mãe e quatro tias “solteiras, virgens e com sede de liberdade”. Não teve convivência com o pai, de quem a mãe se separou quando ela tinha apenas nove meses. Mas no que a figura paterna faltava, o amor das mulheres sobrava.
– Minha mãe dizia que a manhã de Natal em que nasci foi a mais linda do mundo. Fui criada com um ego inflado, porque ela e todas as minhas tias diziam que eu era a criança mais maravilhosa que existia. De alguma forma, isso deu muito o rumo da minha vida, no sentido de eu ter uma certa segurança de ser e de estar, sabe? – recorda Tânia.
Sua vinda para Porto Alegre foi aos 10 anos, quando a mãe casou-se novamente. Ficaram para trás a casa das sete mulheres e também sua professora particular, de modo que se tornou aluna do Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, na zona norte da Capital.
Esposa e avó
O primeiro marido de Tânia foi o ator Geraldo del Rey, com quem a gaúcha teve o filho Fabiano aos 25 anos. O namoro com uma figura do cinema e da TV era algo fora do comum e, segundo ela, deslumbrou um pouco a família.
– Minhas tias foram assistir (ao filme) O Pagador de Promessas, onde ele atuou, e disseram: “Ai, que lindo teu namorado! É aquele que carrega a cruz?”. Pois não, esse era o Leonardo Villar. Meu namorado era o que interpretava o gigolô bonitão – recorda Tânia, rindo.
Casaram-se, viajaram para fora do país quando veio 1964, foram felizes em Portugal e depois retornaram e se estabeleceram em São Paulo para o nascimento do filho. O assédio ao galã, no entanto, incomodava Tânia, que, em 1970, decidiu retornar a Porto Alegre e se separar.
Ao começar esse novo capítulo da vida, acabou conhecendo o médico Felício Medeiros dos Santos, com quem é casada há quatro décadas e tem o filho Diogo.
– O nome dele é Felício, mas eu digo que ele se chama Felicíssimo, pois é casado comigo. Já são 41 anos juntos e eu acho maravilhoso. Sabemos tudo um do outro, nos conhecemos profundamente. Mas, às vezes, reparo em alguma coisa do tipo “olha que engraçada essa característica do Felício, que ainda não tinha registrado bem”. Há sempre novidade entre nós – comenta.
A dupla construiu uma casa na Hilário Ribeiro, onde moram até hoje e que vibra toda vez que algum dos quatro netos visita. São as paixões da vida de Tânia desde que vieram ao mundo. A mais velha tem 17 anos e o mais jovem vai fazer dois.
– Neto é um carinho que a vida te dá, porque tu nem sempre consegues alcançar uma idade para ser avó. Eu consegui, mas tanta gente não consegue. Tenho amigas que já são bisavós e fico morrendo de inveja, pensando “eu chego lá!” – reflete.
Viajante
Portugal, França, China, Japão, Tailândia, Argentina e Peru são só alguns dos países onde Tânia já pôs os pés. Viajar é uma paixão que começou nos anos 1960 e que perdura pelo prazer que sente em perceber que conseguiu ampliar sua visão sobre algum tema.
Uma memória engraçada dessas andanças é de quando Tânia passou uma temporada em Lisboa, à época do primeiro casamento, onde acabou fazendo desfiles de moda, participações em filmes e anúncios para a TV:
– Foi o primeiro comercial de desodorante roll-on. Levantava o cabelo, passava o desodorante em um lado, depois no outro, daí chegava numa janela, respirava fundo e dizia “bom dia, frescura” num sotaque de Portugal (risos). Eu mal conseguia dizer, porque morria de rir. Fazia esses trabalhos, pois queria sempre ter um dinheirinho para viajar, alugar um carro e sair.
Personalidade
Ser inquieta e curiosa é o que tem garantido a Tânia uma carreira sempre agitada. Trabalhou em galerias de arte, descobriu seu amor pelo jornalismo na editora Abril, em São Paulo, e conseguiu abrir caminhos na televisão (seu sonho desde a adolescência), justamente por conta da paixão por viajar. Em 1972, recém chegada de um passeio com amigos na Europa, foi convidada pela comunicadora Célia Ribeiro para conceder uma entrevista à então TV Gaúcha, atual RBS TV:
– Quando a gente ia para a Europa, na volta, dava entrevista. Era assim que a coisa funcionava. Só que depois da conversa, Célia me olhou e disse: “Olha, estou saindo da TV. Tu não queres fazer televisão?”. E foi assim que comecei no Jornal do Almoço, em 1972. Sempre fui extrovertida, exibida. Por isso, tive afinidade com rádio e TV – conta.
Do primeiro episódio, Tânia passou pela TV Difusora, pela Guaíba, pela Rádio Gaúcha até a TVCOM, sempre falando de comportamento e cultura com poucas reservas.
— O melhor momento da minha carreira foi com o maravilhoso Café TVCOM e com o Gurias de Quinta, uma espécie de Saia Justa daquela época. Quando tinha 70 anos, fui demitida da TVCom e isso doeu, mas eventualmente entendi que as coisas estavam mudando. Depois disso, nunca mais quis fazer TV, mas hoje continuo na Rádio Gaúcha e tenho muito orgulho da RBS, que sempre foi maravilhosa comigo. Digo isso sem querer puxar o saco de ninguém, viu – afirma.
Literatura
Na casa de Tânia, onde foram feitas as fotos para esta reportagem, o que há em comum entre a sala de computador, o corredor, o escritório de Felício e o quarto do casal são as várias estantes, cômodas e prateleiras com centenas de livros. Ao lado da cama, o espaço é reservado a Fernando Pessoa e Machado de Assis, dois dos xodós de Tânia.
Também gosta muito de Alessandro Baricco, Pedro Mairal e de gaúchos, como a descoberta recente, Clara Corleone. Aos 80 anos, garante que o encantamento pelas palavras é o mesmo de quando se tornou leitora, ainda menina.
– Tenho uma vida muito rica de literatura e cinema. Claro que a minha leitura hoje é menos afoita, mas continuo amando saber de outras histórias que não a minha. Sou muito curiosa e acho que isso é uma característica que nos faz evoluir. Nunca fui bonita, sempre fui interessante – declara.
Quem será
O dia ideal de Tânia atualmente tem a ver com ficar aconchegada em casa, lendo um livro ou passando um tempo com os netos e o marido. É isso que deseja para os próximos anos: um pouco mais de sossego do que tem experimentado a vida toda. E menos convites.
— Amo ficar em casa vendo filme, lendo livros, inventando comidas. Daqui para a frente, quero viver na paz, na calma e não quero que me convidem muito para festas. Passei uma vida de convites, então, hoje, adoro quando não me convidam! — diverte-se.