Foi literalmente mandando um “f*da-se” que a estrela pop Cher, 76 anos, rebateu as críticas que tem recebido nas redes sociais por conta do namoro com um homem 40 anos mais novo, o produtor musical Alexander Edwards, 36. No dia 6 deste mês, a norte-americana tuitou a seguinte mensagem para uma seguidora que comentou sobre a diferença de idade do casal: “Você não tem nada mais pra fazer?! Deixa eu explicar… F*DA-SE O QUE AS PESSOAS PENSAM”.
Assim como Cher, inúmeras celebridades mulheres tornam-se alvo de inquirição minuciosa do público e de xingamentos de "velha ridícula" e "baranga" quando, do auge de seus 60, 70 ou 80 anos de idade, optam por se relacionar com homens mais novos e viver suas vidas fora do padrão que costuma ser esperado para o tópico velhice feminina.
Para entender por que motivos essas figuras causam tanto incômodo e são alvo de discursos raivosos proferidos principalmente por mulheres, Donna conversa com a antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora e autora de livros sobre o tema, como A Invenção de uma Bela Velhice e Amor, Sexo e Tesão na Maturidade, este com lançamento programado para início de 2023, pela editora Record.
Na perspectiva da antropóloga, as mulheres sentem-se mais autorizadas a tecer críticas cruéis umas às outras quando estão aprisionadas a um rótulo que diz “eu só tenho valor pela minha idade”, fenômeno que ocorre com força especialmente no Brasil, onde o corpo feminino é visto como um capital.
— O que mais me angustia é que as próprias mulheres se aprisionam internamente e não aceitam as escolhas femininas, não admitem serem valorizadas por outras coisas que não a juventude, o corpo e a beleza. Porque, na verdade, quando você está criticando uma mulher como a Cher, que escolhe um homem mais jovem, você está dizendo “olha, o seu valor só está na sua juventude, na sua beleza, no seu corpo e quando você envelhece, você não vale nada, é invisível”. E isso não é verdade — afirma Mirian.
Um grande pânico de envelhecer é o resultado deste estado de aprisionamento, aponta a antropóloga. Por conta deste medo, as mulheres tendem a restringir suas escolhas de vida no sentido de que o homem tem que ser “superior”: mais velho do que elas, e também mais bem-sucedido, mais poderoso e com mais dinheiro.
Confira a entrevista:
O que significa o termo “velhofobia”, que você utiliza quando trata de casos como o que envolve a Cher?
No Brasil, principalmente, nós, mulheres, temos pânico de envelhecer e é isso que eu chamo de velhofobia. Começa desde cedo e continua ao longo da vida, tenho alunas de 25 ou 30 anos já dizendo “ai meu Deus, não tenho filho, não tenho marido, como é que vai ser, vou ser uma velha...”. É o fato de enxergar somente doença, feiura, perdas e decadência na velhice que faz as mulheres condenarem outras mulheres que ligam o botão do “foda-se”, como fez a Cher. Mulheres que dizem “eu vou viver a minha vida, eu não sou um número, não sou um rótulo, sou uma mulher e ele me ama, me trata como uma rainha”. Por sinal, algo que encontrei em minhas pesquisas com homens que são 10, 20, 30, 40 anos mais novos que suas esposas é que eles as admiram profundamente. E admiração nada tem a ver com corpo, beleza e idade, tem a ver com caráter e personalidade. É isso que nós mulheres temos que inverter.
Em um dos capítulos do meu novo livro, eu falo que é uma delícia ser uma “velha ridícula’”. Quando alguém me disser isso eu concordo e digo “sou mesmo e é ótimo”. Porque na realidade esse xingamento está revelando que você é uma mulher livre, alguém que está fugindo dos padrões sociais que dizem que a mulher tem que ser inferior ao homem inclusive na idade.
Por que mulheres em casos como o da Cher são tão criticadas mas, quando a situação é inversa, os homens parecem ser menos hostilizados?
Isso quer dizer que as mulheres estão mais aprisionadas no corpo jovem como um valor, como um capital. O corpo como capital na cultura brasileira funciona assim: você é mulher, então o seu maior valor é a sua juventude, seu corpo, sua sensualidade e sua beleza. O homem é valorizado por outros capitais, por poder, status, dinheiro, inteligência, humor. Nós, mulheres, também somos valorizadas por isso, mas não é o nosso principal valor social, principalmente em uma cultura como a nossa.
Na Alemanha, na França, as mulheres envelhecem e saem com seus cabelos brancos, são valorizadas por outras coisas. Claro que não é só a cultura brasileira que valoriza corpo e juventude como capital, nos Estados Unidos também acontece, mas aqui é pior. Não por acaso somos a nação número um em remédios para emagrecer, moderadores de apetites, ansiolíticos, antidepressivos, cirurgia plástica e estética, botox, tintura para cabelo, e somos as que mais deixam de sair de casa quando nos sentimos velhas, feias e gordas.
Aqui é pior e, por causa disso, nós sofremos muito mais. E o sofrimento não é um fracasso individual, é cultural. Todas as brasileiras sofrem. Mesmo as libertárias, como eu, sofrem porque estão numa cultura em que a juventude é um capital e não há como você ser alienada da sua cultura.
O que falta para termos pararmos de fazer essas falas de “velha ridícula”?
Sou pesquisadora há mais de 30 anos e faço o meu papel, mas eu sou só uma. Precisamos de mais e mais mulheres que lutem para se libertar e libertar outras mulheres. E esse “se libertar” quer dizer parar de rotular, de patrulhar e de querer colocar as mulheres em caixas de “jovem” e “velha”. É deixá-las fazerem as suas escolhas. E atenção, porque hoje também existe um movimento ao contrário, as novas patrulhas que dizem “tem que deixar o cabelo branco, tem que trepar três vezes na semana, se não você não é feminista, não é libertária”.
O que eu acredito é que cada mulher pode e deve escolher o que ela bem entender, desde que não esteja agredindo ninguém. Liberdade quer dizer cada uma poder escolher envelhecer do jeito que bem entender. Quer namorar caras mais novos? Namora. Não quer namorar nunca mais na sua vida? Não namora.
Falta sororidade entre a mulheres?
Uma das coisas de que eu mais falo nos meus livros é de como as mulheres, tanto as mais jovens como as mais velhas, não aceitam diferenças, não aceitam mulheres mais livres e revolucionárias, mulheres meio Leila Diniz, que revolucionaram os comportamentos nos anos 1960 e 1970. Tudo o que estamos conversando nesta entrevista só tem sentido porque, nessas duas décadas, elas revolucionaram tudo em termos de sexo, corpo, casamento, maternidade, divórcio, pílula, prazer. São essas mulheres que envelheceram e hoje tem a idade da Cher.
E elas não vão deixar de lado o que conquistaram por terem chegado à velhice, certo?
Exatamente. As mulheres que nos anos 1960 e 1970 revolucionaram tudo não vão deixar a velhice ser igual ao que era para gerações anteriores. É isso que eu chamo de “A revolução da bela velhice”. Elas fizeram a revolução naquela época e agora estão fazendo a revolução da maturidade, na medida em que estão ensinando a enxergar a beleza do envelhecimento, coisa que as gerações anteriores não conseguiam ver. Porque beleza tem muito mais a ver com liberdade e felicidade do que com idade e corpo. Essa é a revolução, é mudar o olhar que se tem. Numa cultura em que nos deram uma ditadura da juventude que só enxerga beleza, saúde e produtividade nos jovens, a grande revolução vai ser tirar os óculos da velhofobia e enxergar a beleza da velhice. Essa é a grande revolução.