"O ano em que eu vivi duas vidas está acabando daqui a pouquinho. Me apaixonei por dois homens, um deles está morto. E a culpa é minha", diz Débora Nascimento na primeira cena de Olhar Indiscreto, minissérie brasileira que estreia na Netflix na madrugada do dia 1º de janeiro. Segundos após o momento reflexivo, Miranda, a personagem da atriz, é golpeada pelas costas por um encapuzado. A tensão toma conta da tela já nos minutos iniciais.
A sequência responsável por abrir Olhar Indiscreto é curta, mas serve para dar ao espectador uma amostra do que vem pela frente: muito suspense e um aglomerado de peças soltas que precisarão ser unidas ao longo de 10 episódios, dos quais GZH teve acesso antecipado aos dois primeiros. Atenção: o texto abaixo contém spoilers.
Tudo começa na noite do dia 31 de dezembro. É por isso que a personagem fica refletindo sobre o ciclo que passou, até ser surpreendida pelo agressor misterioso. A partir daí, a narrativa volta três meses no tempo e começa a explicar o que levou a mulher a despedir-se do ano com uma coronhada na cabeça. Entretanto, é preciso dizer que a produção não tem pressa em dar explicações para os acontecimentos — trata-se de um thriller psicológico, afinal. Só que muita coisa acontece já nos dois primeiros episódios, e por vezes apressadamente. Assim, é bom estar atento para não se perder na história da protagonista vivida por Débora Nascimento.
A atriz interpreta Miranda, uma hacker profissional que usa suas habilidades tecnológicas para espionar a vizinha Cléo (Emanuelle Araújo), uma prostituta de luxo que mora no prédio em frente ao dela. Adepta do voyerismo, a protagonista de Olhar Indiscreto assiste aos atendimentos sexuais da vizinha através de um binóculo e de equipamentos fotográficos. A obsessão é tanta que Miranda acessou até o sistema de câmeras do edifício, a fim de não perder nenhum detalhe da rotina de Cléo. Quando as duas se cruzam, porém, a hacker limita-se a dar bom dia e fazer algum carinho na cachorrinha que a vizinha leva diariamente para passear, sem levantar suspeitas de que conhece bem mais detalhes da vida dela.
Ou seja, as duas não são amigas. Não parecem ser nem mesmo vizinhas que trocam uma tigela de açúcar de vez em quando. É por isso que soa um tanto estranho quando Cléo bate na porta de Miranda e pede que a moradora do prédio vizinho faça visitas ao seu apartamento para cuidar da cachorra, pois precisará se ausentar no final de semana para acompanhar um cliente milionário. É claro que a voyer aceita sem achar o pedido nenhum pouco estranho, afinal, a oportunidade de espionar ainda mais a vida da vizinha literalmente bateu na sua porta e lhe entregou as chaves de casa.
Miranda não quer saber de mais nada. Não sabe, inclusive, que por conta dessas simples idas ao apartamento de Cléo a sua vida vai virar de cabeça para baixo. Enquanto fuça nas coisas da vizinha, desbravando gavetas e mais gavetas de acessórios sexuais usados por ela nos atendimentos, Miranda é surpreendida por um cliente de Cléo batendo à porta. E não um cliente qualquer: é Fernando (Nikolas Antunes), o preferido da voyer, aquele que ela mais gosta de assistir à vizinha atender. Acaba transando com o bonitão.
Mas é só acabar o bem bom que, em poucos minutos, os dois tornam-se cúmplices de um assassinato. Mais alguns minutos depois, Miranda se junta a ele para investigar um suposto esquema de tráfico internacional de mulheres (eu avisei que tudo acontece muito rápido). Fernando acredita que a organização criminosa seja chefiada pelo cunhado dele, Heitor (Ângelo Rodrigues), que tem toda a pinta de ricaço bandidão. Só que o cunhado em questão é justamente o milionário com quem Cléo foi passar o final de semana — sim, os dois são clientes da prostituta.
Para completar, o final de semana de Cléo vira dias, ela some, e Miranda já não sabe mais o que fazer para sair dessa teia na qual se enfiou. Não sabe mesmo, porque também acaba se envolvendo, além de Fernando, com Heitor. Quando a protagonista enfim se dá conta de onde foi amarrar o seu burro, parece que já é tarde demais.
Quem achar que tudo isso é muita coisa para apenas dois episódios, terá alguma razão. A história é boa e consegue prender o espectador — principalmente porque cada capítulo termina deixando uma pulga atrás da orelha para o próximo. Contudo, um pouco de parcimônia nos acontecimentos cairia bem à série. É que acontece tanta coisa, em um período tão pequeno, que em alguns momentos a história acaba ficando confusa. Não que ela devesse ser monótona, mas seria interessante poder dar uma respirada de vez em quando.
Não há muito tempo para pensar no que acontece na série, senão é possível que se perca o próximo acontecimento. Esse é o ritmo de Olhar Indiscreto. A rapidez com que o roteiro se desenrola pode tanto agradar a quem gosta de narrativas frenéticas, quanto incomodar quem prefere um pouco mais de respiração. Depende do ponto de vista e do gosto do freguês.
O que certamente será consenso é a atuação da dupla Débora Nascimento e Emanuelle Araújo. As duas atrizes são bem conhecidas do público noveleiro, mas não tanto do das séries. Até agora, pois elas são o grande destaque de Olhar Indiscreto. Somente pelo desempenho das duas, a série já vale a pena.
Também merece reconhecimento o trabalho de fotografia, que imprime um tom misterioso e inconcesso às imagens da série, como se tudo o que acontece ali também estivesse sob a mira de um voyer escondido, aos moldes da protagonista. Outro ponto alto são as cenas de sexo presentes na produção. As gravações foram acompanhadas por uma coordenadora de intimidade e equipe formada majoritariamente por mulheres, algo que reflete no resultado final: o sexo é mostrado com sensibilidade e sem hiperssexualização dos corpos das atrizes.
Apesar das ressalvas sobre o ritmo, Olhar Indiscreto é uma boa forma de dar a largada nas produções brasileiras que chegarão ao streaming em 2023. E confesso que fiquei com vontade de assistir ao restante dos episódios.