— Eu sou a Susana Vieira, não faço tipo. Essa é a minha personalidade. O meu temperamento é esse. E vai continuar sendo. Eu nunca fiz um personagem. A Susana Vieira pessoa vai chegar aí, misturada um pouco com a Soninha, que é o meu nome verdadeiro — diz a atriz, que não precisa de ninguém para apresentá-la.
Se deixar por Susana, ela mesma se entrevista. E é capaz de fazer perguntas intrigantes e de lhe dar respostas na lata, sempre com muita sinceridade e não deixando de expressar o que pensa para se encaixar em formatos ou padrões — é o entorno que se molda quando Susana chega. E esse seu jeito expansivo é reconhecido pela própria, que destaca, volta e meia, que é "muito conversadeira".
Não poderia se encaixar melhor para ela, então, um monólogo. E é justamente o que Uma Shirley Qualquer é. A atriz apresenta a peça no Theatro São Pedro neste final de semana, de sexta a domingo (1 a 3 de abril). A trama conta a história de uma esposa, mãe de dois filhos, que convive com o pior tipo de solidão: aquela que se sente mesmo estando acompanhada.
Durante 70 minutos, Susana fala com a plateia e até mesmo com as paredes, fazendo rir e, também, emocionando. No espetáculo, a protagonista divide suas angústias, relembra as situações inusitadas que marcam sua trajetória e busca entender onde foram parar seus sonhos. A Shirley pode ser qualquer pessoa que tem muito a dizer, mas que, para isso, precisa ser ouvida.
E quem deu a oportunidade de Susana falar por Shirley foi Miguel Falabella, que criou essa versão brasileira de Shirley Valentine, clássico inglês de Willy Russel, especialmente para encaixar na boca da atriz, que comemora os seus 60 anos de carreira no palco — mas que, na verdade, já são 62 desde que estreou na tela da TV Tupi. A direção da nova encenação é de Tadeu Aguiar. A personagem e Susana, por sinal, carregam algumas similaridades:
— Apesar de ela passar por vários dissabores na vida, de estar em um momento de tristeza e de desalento, tem uma coisa de alegria que eu ainda tenho até hoje, uma lembrança da infância, da juventude, que ela era corajosa, alegre. Acho que ela traz um pouco disso dentro dela e eu trago também, essa curiosidade e busca da felicidade, de se afastar das coisas que fazem mal, de ter coragem de viver.
Porém, enquanto Shirley está em busca de sair de sua rotina, de agitar a sua vida, Susana, mesmo inquieta e com muita disposição, está começando a planejar o seu fechar das cortinas para a vida de atriz, a qual ela sempre colocou em primeiro lugar ao longo de seus quase 80 anos — ela completa a idade em 23 de agosto. Em conversa com GZH, a artista revelou que os próximos três anos serão dedicados a entregar os seus últimos trabalhos e que o futuro será de descanso e de dar atenção para a família. Leia abaixo.
Como você avalia essas mais de seis décadas de carreira, as quais a transformaram em um dos nomes mais importantes da televisão?
Acho que fiz por merecer, porque dediquei 62 anos a essa profissão. Abri mão de muitas coisas, de vários casamentos e quase que da vida familiar. Para mim, a profissão veio em primeiro lugar sempre, dentro do meu coração, na minha mente, na minha vida cotidiana. Acho que é raro uma pessoa estar na atividade 62 anos depois, em um mundo que preza só o corpo, a beleza, a juventude. Realmente me acho abençoada no sentido de ser uma pessoa iluminada. Mas continuo fazendo por merecer, porque tenho uma aposentadoria ridícula, que acho que daria só para comprar ração para os meus cachorros, mas não daria para todos, porque tenho quatro. Preciso trabalhar, como várias atrizes que precisaram trabalhar até morrer, para me sustentar, para continuar viva, alegre, feliz, arrumada, para ir no cabeleireiro, fazer a unha, continuar mulher.
E como está sendo retornar às atividades presenciais depois de dois anos de isolamento pela pandemia?
Ainda estou no meio termo. Foram dois anos que não sei te contar se foram dois meses, dois dias. Foram nebulosos, apavorantes. Ao mesmo tempo, me senti inútil, porque não podia lutar contra isso. Tive a sorte de poder morar em uma casa grande, com uma vista bonita do Rio de Janeiro aqui de cima, porque moro em um lugar bem alto. E tem os cachorrinhos em volta, os funcionários todos, com os cuidados da pandemia, todos de máscara, roupas especiais para me cuidar. Tinha dias que estava alegre, tinha dias que eu... A alegria é uma coisa engraçada.
Por quê?
A alegria é uma coisa estável dentro do meu coração, dentro do meu cérebro, eu acho. A alegria. Agora, a felicidade é que acho que vem e vai, vem e vai. A felicidade não é um estado. Eu vou ser sincera, eu tenho uma doença autoimune (leucemia linfocítica crônica), então, também tinha que tomar muito cuidado com isso, porque era uma pessoa mais favorável a pegar uma doença e ser entubada. Graças a Deus, não peguei nada. Mas acho que o pior de tudo é não poder abraçar. Vi o meu filho e a minha nora no final do ano e não poder abraçar, não poder beijar, para mim, é o pior de tudo.
Com é estar longe de sua família, que mora fora do Brasil há anos?
Eu me sinto muito bem sozinha. Estando com saúde, tendo uma vida normal de trabalho, vou lá, gravo, faço teatro, vou no supermercado, adoro ir para rua, ir ao cabeleireiro, fazer compras... Não tenho o menor problema de me isolar, mas senti muita falta de conversar, de ser eu. Sou muito conversadeira. A minha família toda mora em Miami. Não tinha o encanto da minha família por perto. Nem as brigas. Faz falta. Daí, começava a brigar por telefone, é horrível. A troco de nada. Eu dizia "meu filho, você não me ligou. Estou aqui, poderia morrer e você nunca ia saber". Sabe quando você começa a procurar pelo em ovo? É isso. (risos)
O que você descobriu nesse período?
No momento, não estava casada e o romance que estava levando, a pessoa foi por um lado e fui para o outro, mas ter ficado sozinha foi bom, aprendi a conviver comigo, comecei a olhar para a minha casa, que olhava pouco, o detalhe da arrumação das flores, os móveis. Comecei a ser um pouco a dona de casa que nunca fui nesses 60 anos. Mas sentia saudade de quando a gente ia para o cinema, quando beijava na boca, era muito bom. Mas vou voltar agora, pode ter certeza. A pessoa do outro lado vai ter que usar máscara. Se ela concordar, por mim, tá tudo bem. É um recomeço. (risos)
O ser humano é necessário. No dia em que você não precisar mais do outro, que tudo for virtual, aí me mato, porque gosto de tocar, gosto de mexer, gosto de ver se o tomate está bom, está maduro.
SUSANA VIEIRA
Atriz
Por que o relacionamento não deu certo?
Era namoro, não uma coisa de morar junto. Mas aí você fica um pouco no telefone e chega uma hora que aquilo lá é ridículo. Não sou de ficar fazendo sexo por telefone, acho ridículo e desnecessário. Ainda acho uma pessoa necessária. O ser humano é necessário. No dia em que você não precisar mais do outro, que tudo for virtual, aí me mato, porque gosto de tocar, gosto de mexer, gosto de ver se o tomate está bom, está maduro. Gosto de abraçar, de pegar no braço da pessoa, na carninha. Gosto de entrar na água até sentir o meu corpo todo gelado, mergulhar no mar. De preferência, lá na Grécia. (risos)
Você é muito direta em suas respostas, com opiniões fortes e levantando a questão da liberdade feminina. Foi sempre assim?
Acho que não mudei nada desde que era pequena. Sempre fui uma pessoa colocada, não podia sair com bandeira de feminismo na década de 1970, de 1980 ou de 2000. Sou feminista de quando isso não existia. Saí de casa com 15 anos para trabalhar na Tupi. A minha mãe sempre trabalhou. Sempre fiz o que quis. Não teve marido que me mandou, dizendo "tira isso", "saia curta não pode". Vai ver que é por isso que fiquei com nenhum, né? (risos) Acho que cada mulher tem que mandar em si. Eu sou livre.
Cinema, teatro ou TV?
Adoro TV. A única coisa que acho ruim do teatro é que ele só é no fim de semana. E aí vou te dizer como mulher: é fatal, quase uma regra, que você acaba se separando dos seus maridos, dos seus casamentos. Sabe por quê? Qual é o marido que não é ator que vai aceitar que a mulher sexta, sábado e domingo vá para o teatro de noite? E o homem fica vendo o que em casa? Netflix? Pode ficar uma, duas, três vezes, mas é dificílimo. Então, acho que o teatro tem essa desvantagem de ser fim de semana. A televisão é ágil, é dia, é rápido, te dá um pique maravilhoso, uma obrigação. Mas quando estou no teatro, fico muito mais feliz. Não sei, gosto é de representar. E cheguei à conclusão que gosto de fazer comédia, mas não gosto de fazer drama.
Você é muito ativa nas redes sociais. Como enxergas a importância delas?
A gente sobreviveu até hoje sem as redes sociais. Eu, Tony Ramos... Sabe que quem era bom, era bom e continua bom? A gente não tem 22 milhões de seguidores, mas continuamos sendo os maiores salários da TV Globo. Então, tem uma coisa que equipara todo mundo, todo mundo pode ser milionário, mas nunca vai ser um ator, uma atriz. A gente brinca de rede de social, não vivo de rede social, não ganho dinheiro com isso. Então, posso viver sem. Mas como todo mundo fala "Susana, tem que estar antenada", vou devagar e sempre. Não é todo dia que estou disposta, não vou ser falsa. Acabei de ver um jornal com a guerra da Ucrânia aí vou postar um TikTok, um vídeo dançando? Não vou. Eu tenho um critério humanístico.
E os haters?
A rede social é cruel, não tem limite. As pessoas te xingam só porque você está votando em outra pessoa no BBB. As pessoas xingam de uma forma tão desnecessária. Nunca me viram. Mas eu já reparei uma coisa: a rede social é muito covarde. As pessoas que mais me xingam, você vai abrir o Instagram delas, e não é aberto. É fechado. Ou seja, são uns filhos da p***. Pode usar um outro termo, mas é isso. Quem é covarde, é covarde. Então, não nasci para esse mundo, como diz o Pedro Scooby. Acho que o mundo realmente diminuiu intelectualmente. Minha opinião. O mundo deu uma regredida. Ao mesmo tempo que a dona Fernanda (Montenegro) vai para a Academia Brasileira de Letras, o Instagram é uma coisa muito chula, mas necessária, atual e existe, não adianta negar. Só tem que tomar cuidado. Eu me sinto andando em cima de ovos. E a dúzia de ovo ainda está barata, porque a galinha já subiu muito. (risos)
O que os outros dizem importa?
Acho que o ser humano sempre precisa da aprovação do outro, sim. Você não pode viver sozinho em uma ilha. Vai perguntar as coisas para um coqueiro? "Coqueiro, eu estou bonita? Coqueiro, eu estou bem?". E a Shirley faz isso, ela não tem um outro para perguntar. De repente, ela enche o saco, ela explode, ela sai de casa e vai atrás de alguém para perguntar se ela está bonita, puxar um assunto. Por isso, vai ser ótimo reencontrar o público aí de Porto Alegre, mas não vou poder ficar na rua dando pinta, porque preciso me cuidar, porque estou na terceira idade. É terceira idade, mas vou em baile funk, que adoro.
Em 2022, muitos nomes consagrados da cultura brasileira fazem 80 anos. Caetano Veloso, Milton Nascimento, Betty Faria, Gilberto Gil, Paulinho da Viola...
A gente é de uma cepa, meu amor, que nunca mais vocês verão. Desculpa te interromper, mas você já começou lá em cima, bombando. Eu faço no dia 23 de agosto, Caetano faz no dia 6 ou dia 7, Milton, Betty Faria acabou de fazer. Eu não sei como a gente chegou nos 80. Sabe o que parece? Que a gente passou dos 50 para os 80. Esses 30 anos, menino, não me dei conta. Primeiro, que não comemoro aniversário, porque estou sempre trabalhando, mas feliz. Não me lembro de ter passado um aniversário infeliz ou doente em uma cama. Não senti esses 30 anos passarem. Sempre fiz exercícios. Engordei, engordei mesmo, porque estou comendo que é uma maravilha, viu? Já posso imaginar o café da manhã aí do hotel... (risos)
Chegando aos 80 anos, como você enxerga o etarismo?
Eu ouvi falar essa palavra etarismo em uma entrevista com a Marieta Severo. Nunca tinha ouvido falar disso, sinceramente. E acho que esse preconceito é muito atual, fruto dessa geração nova, medíocre e ofensiva. A televisão sempre teve o papel de mãe, de avó, de bisavó, nós sempre tivemos pai, mãe, todo mundo envelheceu. Acho tão absurdo. É uma nova maneira de te ofender, só isso, mais uma coisa de humilhação da mulher. Você pode ver que quando se fala de etarismo, é só em relação à mulher. Ninguém pergunta porque que o homem de cabelo branco não pintou de preto. Por que eles falam que a mulher tem que pintar o cabelo de preto? Não pode deixar o cabelo branco? Eles criaram novas formas de deixar a gente ofendida. Não fico ofendida, fico é p***, mas como acho que você não vai poder escrever p***, eu digo que essa gente é imbecil. Etarismo é preconceito.
Você disse que não se sente ofendida com o etarismo. O que te abala?
Amor, vou te dizer uma coisa: fracasso a gente não conta para ninguém, tá? Só sucesso. (risos)
Você é muito ativa e disposta. Como se enxerga daqui a 10 anos?
Ah, Deus te ouça, amor. Deixa jogar essa sua frase para o alto. Senhor, está ouvindo o que o Carlos falou? Dez anos, amor! Daqui a 10 anos, você volta para me entrevistar, combinado? Penso o seguinte: vou viajar com essa peça e ainda quero fazer uma boa novela na TV Globo. E vou ser sincera: acho que vou me aposentar, daqui uns dois anos ou três, e vou morar em Miami, como todo ser humano brasileiro rico que ficou feliz e vai embora para Miami. (risos) A minha família toda mora lá. Então, não tem porque continuar aqui e morrer sozinha nessa casa com os quatro cachorros. A vida em Miami é maravilhosa, mas preciso juntar um pouquinho mais de dinheiro, porque aí não pretendo trabalhar. Pode ser que faça alguma coisa lá. Tem uma grande amiga minha lá, a Fernanda Pontes. E ela tem um programa na televisão. De repente, faço uma Ana Maria Braga. Não sei cozinhar, não, mas a gente inventa. Mas daqui a 10 anos, realmente, pretendo estar junto da minha família. Chega.
Biografia
Além dos planos de viajar pelo Brasil e por Portugal com a peça Uma Shirley Qualquer, assim como fazer uma grande última novela na TV Globo, Susana já tem outro espetáculo programado pela frente, ainda confidencial, e, também, vai lançar a sua biografia em 23 de agosto, dia em que completa 80 anos. O livro foi escrito em parceria com Mauro Alencar e, de acordo com a atriz, já está pronto. A obra, sob selo de uma editora portuguesa, vai contar desde o nascimento da atriz até o começo da pandemia.
— Agora, falta dar uma espiadinha, mas a minha empresária achou que está muito grande. Eu falei "mas a minha vida é enorme, como é que vou fazer livrinho pequeninho?". Livrinho pequeninho quem faz são essas meninas que fazem carreira em dois dias. Elas chegam a 45 milhões de seguidores e aí tu vai ver e a carreira é de quê? Não sei. Influencer? Aí tu quer que eu seja triste? Não quer que eu ria das coisas? Eu tenho que rir. (risos)
Serviço
Uma Shirley Qualquer
Duração: 70 minutos
Classificação: 12 anos
Datas:
- 1º de abril (sexta) - Horário: 21h
- 2 de abril (sábado) - Horário: 21h
- 3 de abril (domingo) - Horário: 18h
Local: Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/nº – Centro Histórico – Porto Alegre) Ingressos: Sympla
Obs.: Será exigida a apresentação do comprovante de vacinação para a covid-19 na entrada do evento.