Nos áudios de WhatsApp que Letícia Colin gravou para responder à entrevista da Revista Donna, o mais novo membro da família da atriz, o filho Uri, de oito meses, insistia em ter voz também. Mas o chorinho do pequeno, que parecia querer dialogar com a mamãe, passou longe de atrapalhar o raciocínio da artista, que falava sobre as dores e as delícias de ser uma mãe de primeira viagem.
– Agora é assim, a gente responde entrevista entre os muxoxinhos e as primeiras palavras do Uri – comentou ela, enquanto ninava o bebê para seguir o nosso papo. – Calma, meu amor, eu estou aqui – derreteu-se.
Em hebraico, Uri significa “minha luz” – a escolha de Letícia e do marido, o ator e diretor Michel Melamed, parece sintetizar o que representa para o casal a chegada do primeiro filho. Aos 30 anos, a atriz endossa o coro das muitas mulheres que se redescobriram ao se tornarem mães.
– A maternidade muda a gente. Amplia nosso espírito, nossa disposição, nosso entendimento da vida. É uma experiência muito rica e complexa – definiu.
Mas Letícia faz questão de não romantizar este momento – aliás, é rotina mostrar a versão “real” de seus dias com o bebê no Instagram. Aos seus mais de 3,5 milhões de seguidores, já abriu o jogo sobre as dificuldades de amamentar com uma foto que mostrava o mamilo machucado, que viralizou na internet.
No confinamento, entrou na onda das lives para falar sobre tudo o que envolve o mundo das mães – do parto às (muitas) noites insones.
Entre uma troca de fralda e outra, Letícia divide com o marido, além das tarefas domésticas, a paixão pela arte – que não ficou acomodada durante a pandemia. Sem dar muitos detalhes, ela adianta:
– Estamos fazendo alguns experimentos aqui em casa com uma câmera e, em breve, esperamos poder lançar na internet – revela.
Por enquanto, vale conferir um de seus mais elogiados trabalhos, que está sendo reprisado na RBS TV: toda terça, dá para matar a saudade de Cine Holliúdy, série adaptada do filme homônimo de 2013. Na trama, que se passa no Ceará dos anos 1970, ela vive Marilyn, enteada do prefeito da fictícia Pitombas, que decide instalar uma TV na praça central – o que causa dor de cabeça em Francisgleydisson, dono do cinema local. Uma deliciosa homenagem à sétima arte, a trama é especialmente bem-vinda no momento difícil que vivemos, ressalta a atriz:
– Levamos um pouco de alegria às pessoas com essa série que carrega um valor brasileiro tão lindo da nossa tradição, da cultura da comédia.
O mesmo ocorre com Novo Mundo, novela na qual vive Leopoldina e afirma ter se aproximado de “várias paixões”.
A seguir, veja os melhores momentos do nosso bate-papo com a atriz:
Qual o maior desafio de ter um bebê em casa neste confinamento?
O grande desafio tem sido para as pessoas da nossa família que queriam estar mais perto do Uri, fazer visitas, participar do desenvolvimento dele com uma continuidade, uma rotina. Isso está sendo feito por telefone, por chamada de vídeo. Sei que há muitas titias, vovós e vovôs que estão sofrendo por não poder abraçar, beijar, fazer carinho, cozinhar papinha. Tentamos nos desdobrar para fazer essa conexão, encurtar essa distância e aproximar. O Uri adora ouvir a voz do meu pai e da mãe do Michel (Adalina, mãe de Letícia, está passando o distanciamento social na casa da filha).
Mulheres estão ainda mais sobrecarregadas neste período. Que atitudes está tomando para ficar bem?
Isso é uma construção machista, que temos que sinalizar o tempo todo para desconstruir esse pensamento e essa tendência do sobrecarregar. Não é porque é mulher que precisa desempenhar e acumular tantas funções, de trabalhar em casa, e ainda dar conta sozinha do trabalho doméstico, de cuidar dos filhos. É algo que precisa ser distribuído entre os moradores da casa, igualitariamente. Essa é a maneira como vivo aqui em casa. Divido tudo com o meu marido porque somos dois seres humanos e temos direitos e deveres iguais. Mas, na prática, sabemos que, por conta desse pensamento nocivo e violento do machismo, as mulheres vão ficando sobrecarregadas, infelizes. Aqui, a gente faz cada dia um pouquinho, se desafia um pouco para não se acomodar. Mas também somos generosos. Temos que ter paciência e bom humor para os dias ficarem um pouco mais leves. O que estamos vivendo já é tão trágico... Cada dia de uma vez, com algum rigor, mas com generosidade na mesma medida. Uns com os outros, mas também com nós mesmos.
Você é budista. Como sua religião tem auxiliado neste momento?
Sou budista de Nichiren Daishonin. É uma religião oriental que tem diversas linhas, às vezes mais indiana, outras chinesa ou japonesa. É um budismo que prega a paz mundial através da afirmação dos valores humanos, que acredita no poder da educação e da cultura como transformação. Que nosso potencial humano é muito poderoso e precisa ser estimulado, determinado, protegido. É uma religião que corre junto com a cultura, então tem tudo a ver comigo. Tenho orado muito pelo mundo, para que essas famílias que perderam pessoas encontrem algum conforto, força, respeito e dignidade para refazer suas vidas e seguir do jeito que for possível. Para que todo mundo que está sofrendo com essa pandemia passe por isso com o mínimo possível de danos, perdas e sofrimentos.
Para a mãe que estiver me lendo: você está fazendo o seu melhor, sempre
Você já falou sobre as dificuldades que teve para amamentar o Uri. Que conselhos daria para outras mães – principalmente, as que não conseguiram?
Para a mãe que estiver me lendo: você está fazendo o seu melhor, sempre. Estou parafraseando a Rafaela Carvalho no livro 60 Dias de Neblina. Seu filho vai amar você do jeito que você for, a mãe que você for, da maneira que você inventar e conseguir. É muito desafiador esse processo da criação de vínculo entre mãe e filho. A gente não pode, não deve, não merece deixar isso mais pesado e difícil. Por si só, já é um grande desafio, uma travessia, principalmente para a mulher. Nosso dever é nos acolher e nos tratar bem. Se estamos bem, nosso filho está bem. Vai dar tudo certo, a gente acaba dando um jeito. Acima de tudo, isso é somente o começo, e terão muitos outros desafios e declarações de amor que você dará ao seu filho. Tenha calma, se abrace, se acolha e fique tranquila. Seu filho ama você imperfeita, do jeito que é. Para ele, você é perfeita.
A maternidade mudou você em quais sentidos?
A maternidade muda em todos, amplia a gente. Essa sensação de ampliar, uma expansão como ser, como cidadão. Amplia nosso espírito, nossa disposição. Amplia nosso amor, nosso entendimento da vida, nossa sensibilidade. É uma experiência muito rica e complexa. Estou amando cada etapa, por mais desafiadora que seja.
Como tem sido sua parceria com o Michel nos cuidados com o Uri?
Impecável. Ele é apaixonado pelo Uri. Eles são parceiros, cantam, tocam. É lindo e emocionante de ver.
É um casamento onde nossos sonhos, nosso tempo e nosso cansaço é compreendido, ouvido, amparado e respeitado de forma igual
E no relacionamento de vocês, como a chegada do bebê influenciou?
Nós éramos dois e agora somos três, e isso é maravilhoso. Somos muito mais felizes. Estamos melhores, porque o Uri deixou a nossa vida com mais vida.
Você já disse que vive um casamento feminista.
É um casamento onde nossos sonhos, nosso tempo e nosso cansaço é compreendido, ouvido, amparado e respeitado de forma igual. As tarefas da casa, a nossa realização, o que queremos fazer individualmente é sempre estimulado e incentivado e amparado pelo outro. É isso que eu desejo que todas as mulheres possam viver.
E como estão seus planos de trabalho?
Tivemos o relançamento de Cine Holliúdy, para levar um pouco de alegria às pessoas com essa série que traz um valor brasileiro tão lindo da nossa tradição da cultura da comédia. De resto, estou aguardando. Já teria filmado um longa metragem da Julia Rezende que chama A Porta ao Lado. Não sei quando a gente volta. Só quando houver protocolos de segurança bem amarrados. Também estou fazendo alguns experimentos aqui em casa com o Michel, que é um dos artistas que mais admiro. Temos feito experimentos com uma câmera e, em breve, esperamos poder lançar na internet.
Como está sendo rever Novo Mundo?
Só tenho boas memórias, apesar do calor. Filmamos todo o começo, que se passava no frio, a vinda da Leopoldina ao Brasil, com peles e aquela exuberância, camadas e camadas de roupa, no verão carioca! Sempre amei história, queria ter cursado. Passei no Vestibular da UFRJ, mas não fiz. Me aproximei de várias paixões com essa personagem. Eu me debrucei sobre a história do nosso país, e esta história foi muito contada através de olhares masculinos. Poder falar desta mulher notável foi um prazer enorme. É uma novela que me diverti muito fazendo. Tem muito humor, delicadeza. Tenho muito orgulho desse trabalho.
A fatídica pergunta é necessária: já está se preparando para a rotina mais “desgrudada” do Uri?
Não, nem um pouco! (risos) Não quero nem vou saber me desgrudar dele. Mas é uma passagem que todo mundo passa.
Você fala com frequência de questões e demandas das mulheres no seu Instagram. Quais vê como mais urgentes?
Com certeza, o direito à vida. Muitas mulheres vivem nessa situação de garantir a sua sobrevivência, principalmente por violência doméstica. É uma luta que ainda precisa avançar muito. A vida de muitas mulheres está em risco e temos perdido muitas companheiras por causa da violência.
Você enfrentou a luta contra a depressão há alguns anos. O que diria para as mulheres que têm receio de buscar ajuda?
O ser humano é feito para se relacionar, para ser amparado e amparar. Fomos muito prejudicadas por essa imagem autossuficiente e que traz sofrimento para a mulher, esse estigma do silêncio e da solidão. Isso tudo é parte desse plano machista, dessa sociedade paternalista, que é muito nocivo para nossa saúde, nosso corpo e nossa alma. Temos que romper com isso. Somos parte de um coletivo, então temos que usar a nosso favor essa rede social. Hoje temos ferramentas na internet, muitos vídeos sobre o assunto. Precisamos nos unir e nos revelar. Só assim a cura é possível. Dentro de nós mesmos, a gente sucumbe. Buscar ajuda, ouvir e falar é nosso direito.