O público estava com saudade de Vera Fischer. A Vera que são muitas. A Miss Brasil 1969. A artista que nos legou Jocasta, Saninha, Eduarda, Helena e outras tantas personagens inesquecíveis. A Vera polêmica. A Vera do sorriso aberto.
Passados cinco anos afastada da TV, após ter comentado publicamente sobre sua insatisfação com a personagem que vivia em Salve Jorge (2013), ela está no ar na novela das seis, Espelho da Vida, em que interpreta Carmo, uma diva do cinema que se queixa da falta de papéis para mulheres de sua idade. E, 16 anos depois, começou a rodar um novo filme, Quase Alguém, de Daniel Ghivelder, na pele de uma grande atriz que busca se redimir com aqueles que magoou ao longo da vida, especialmente a filha. Já Vera, 67 anos, diz que não faria nada diferente em sua vida, celebra os bons papéis e o retorno às telas:
– Estou adorando voltar às novelas. E o público tem esperado demais por isso. Estão sendo muito carinhosos comigo, pessoalmente e pelas redes sociais.
No Facebook e no Instagram, Vera compartilha cenas dos bastidores, em que se diverte ao lado de colegas de elenco como Luciana Vendramini e Evandro Mesquita, além de momentos felizes ao lado dos filhos, Rafaela, 39 anos, fruto de seu relacionamento com Perry Salles, e Gabriel, 26, de seu casamento com Felipe Camargo, que também integra o elenco de Espelho da Vida. E relembra grandes momentos da carreira, como a minissérie Desejo (1990), em que viveu Ana de Assis, a Saninha, a mulher de Euclides da Cunha (1866–1909) e vértice do triângulo amoroso que resultou no assassinato do célebre escritor brasileiro. “Na época, o diretor Wolf Maya me disse: “Você é loira de olhos claros, não pode fazer a Saninha”. Respondi: “Fico linda morena de olhos pretos”, escreveu ela em 17 de janeiro para deleite dos fãs.
Tantas vezes apontada como a mulher mais bela do Brasil, Vera se diverte com a fala de sua personagem atual, a também atriz Carmo, sobre hoje serem valorizadas no showbiz “caras bonitinhas e bundinhas durinhas”. E lembra o que é importante para entregar um grande personagem:
– Experiência é quase tudo. Experiência e talento.
Aí, sim, temos tudo.
Você vai fundo em seus personagens e na vida. Como está esse mergulho na Carmo?
Estou podendo mostrar, com a Carmo, uma mulher de idade madura, muito engraçada e romântica, apaixonada por um homem da mesma idade, com o mesmo calor da juventude. É muito difícil mostrar um casal de mais de 60 anos, passeando de mãos dadas, dizendo que se ama, trocando beijinhos na praça e falando com delicadeza sobre o presente e o passado.
E como você, Vera, vive a intensidade que lhe caracteriza em tudo o que faz?
A intensidade é a mesma, a forma de vivê-la é que é diferente. Você ama com menos ansiedade e consegue ser feliz ao fazer os outros felizes.
As novelas de Elizabeth Jhin tratam de aprendizados e questões que cada um tem a resgatar. Quais as maiores lições que você aprendeu com a experiência e tudo o que você viveu até aqui?
Assédio é assédio em qualquer época. É uma coisa absurda, uma maldade, uma agressão sem fim. Geralmente, acontece em momentos de fragilidade, e isso é uma covardia ainda maior"
Antes de mais nada, tenho que agradecer à Elizabeth Jhin por estar nesta novela tão especial e comovente.
E a Carmo é um presente. Estou amando fazer.
E, assistindo à novela, acredito que, de certa maneira, o que nós aprendemos aqui nesta vida, nós levaremos para outro lugar, muito mais bonito.
O que lhe traz paz?
Acredito na força do bem. Na força da natureza. E na força da paz. É tudo isso que me move.
Sua personagem é uma grande diva do cinema nacional que acredita não haver mais bons papéis para mulheres da sua idade. Essa é uma queixa que vemos das atrizes de Hollywood às brasileiras. Faltam mesmo bons papéis?
É uma questão a ser encarada internacionalmente. Na Europa e nos Estados Unidos, menos. No Brasil, mais. Mas não posso me queixar. No momento, estou iniciando um filme de grande porte, com uma personagem da minha idade, mulher forte, sofrida e determinada, grande papel (Quase Alguém, de Daniel Ghivelder). Estou bastante animada.
Na internet, há fotos e relatos da união da equipe da novela e da cumplicidade de você com colegas como Kéfera e Luciana Vendramini. Como está sendo essa troca nos bastidores?
Maravilhosa! Estou fazendo amizade com tantos atores jovens, Kéfera, Luciana, Vitória (Strada), toda a turma do cinema, e também os atores consagrados que eu não conhecia... É tanta gente bonita e talentosa, estou adorando!
Nesse tempo em que você ficou afastada da TV, esteve muito presente no teatro. Como é essa relação ao vivo com o público?
Eu sou bicho de teatro. Claro, amo fazer novelas e cinema. Mas tenho sempre que voltar ao teatro. Esse “ao vivo” não tem comparação. Palco e público, ator e plateia... é uma coisa só. É uma só respiração, uma só energia, é uma vez só... de cada vez. Essa relação ao vivo com o público é necessária, ela renova.
Você já disse não ter sofrido assédio por ter conseguido se livrar de situações potencialmente perigosas. Era algo comum décadas atrás?
Assédio é assédio em qualquer época. É uma coisa absurda, uma maldade, uma agressão sem fim. Geralmente, acontece em momentos de fragilidade, e isso é uma covardia ainda maior – se é que tem algo pior do que assédio. Não disse que não sofri. Disse que me livrei deles da forma que dava. Hoje, a coisa melhorou um pouco, porque podemos colocar a boca no trombone. Lá atrás, se falássemos algo, éramos nós as culpadas por sofrermos a violência. Um absurdo.
Muitas atrizes estão se engajando em campanhas e se posicionando sobre questões das mulheres, como assédio e igualdade salarial. Como você vê esse tipo de mobilização? Sobre quais temas gostaria de dar seu recado?
A vez é das mulheres, querida. Doa a quem doer, a vez é das mulheres e vamos lutar de mãos dadas para não perdermos tudo o que conquistamos até aqui. Essa é uma causa sobre a qual me engajo. Faço da minha maneira, uso minhas redes e também dou conselhos para mulheres próximas.
É importante fazer barulho público para fazer nossa mensagem chegar o mais longe possível, mas é crucial agirmos e ajudarmos quem está próximo, por muitas vezes, sofrendo calada. Outra causa pela qual luto é a proteção dos direitos dos LGBTQI’s. É um absurdo julgar alguém por sua orientação sexual.
Um absurdo. De que importa isso para o outro? Onde fica a liberdade? Recentemente, doei dois quadros pintados por mim para a Casa Nem no Rio de Janeiro. É um lugar de acolhimento, amor e carinho que dá apoio a transexuais, travestis, transgêneros etc. Eles fizeram um leilão, e o que arrecadaram com meus quadros foi revertido para a manutenção da casa.
Você já disse que amou muito, sofreu muito, mas que isso é melhor do que amar e sofrer de menos, o que seria raso. Olhando para trás, para sua trajetória, há algo que faria diferente? Ou cada experiência é que faz de você a Vera Fischer?
Não faria nada diferente. Nada! O que sou agora, o que é a minha vida hoje, é resultado de tudo o que vivi. E de como eu consegui absorver as coisas boas e descartar as ruins. Sempre tive coragem, nunca fui medrosa, por isso, talvez, tenha conseguido manter uma família tão linda como a minha e, por isso, consiga sorrir tanto e ser tão feliz com meu trabalho e meus amigos. Porque tenho dignidade, amo o ser humano e me orgulho da minha vida.