Cada vez que ouço falar em ChatGPT, tenho vontade de tirar do armário minhas botas de fazer trilhas. Só que não tenho botas de trilha. Compro onde? Pergunto pra quem? Ouvi dizer que o Google já era.
Se o assunto é inteligência artificial e metaverso, me teletransporto para os Alpes através da saudade. Quando estive em Montreux, em 2005, subi uma colina tão alta que, chegando lá em cima, enxerguei não só toda Montreux, como toda a Suíça. Eu parecia a Julie Andrews rodopiando de braços abertos, quase tocando o céu. Não, não sou do tempo da Julie Andrews, mas tenho me sentido bem retrô.
Outro dia escutei uma garota de 31 anos reclamar: “Talento não serve para mais nada”. Doeu. Ela continuou: “Hoje, valioso é quem sabe fisgar a atenção e transformá-la em dinheiro. Não era desse jeito que eu sonhava trabalhar”. Se aos 31 anos, ela já se sente antiga diante da frieza dos processos produtivos, eu faço o quê? Abri minha mochila e coloquei ali um casaco corta-vento e um mapa de papel, pois implico com localizadores digitais.
Fugir para as montanhas. Quem vem comigo?
Envelhecer tem suas vantagens. Uma delas é não precisar se preocupar (muito) sobre onde tudo isso vai parar. Até porque nada vai parar, o mundo se renova a intervalos regulares. O problema é que agora ele muda a cada 10 minutos e minha labirintite tem acusado o golpe. Prefiro a vertigem das montanhas, ao menos lá o ar é puro e a paisagem me acalma.
Talvez cruze com alguns ursos. Paciência, a vida cibernética também tem sido selvagem. Não tenho preparo emocional para este universo que nos empurra avatares e robôs goela abaixo, e que tenta nos convencer de que só a automação gera progresso. Livro é obsoleto, cinema é obsoleto, jornal é obsoleto, ter filhos é obsoleto. Quem for nostálgico e insistir em se casar, passará a lua-de-mel onde? Na lua, por coerência semântica.
A lua deve parecer mais deslumbrante quando vista do cume das montanhas. As noites talvez sejam frias, mas... Ah, esqueci, o frio também está se tornando obsoleto.
Já que não posso interromper a velocidade das transformações e os caminhos sem volta das conquistas tecnológicas, só resta me preparar para a despedida. Sentirei falta do pensamento autônomo e crítico. Dos trabalhos artesanais. Da rebeldia e das lutas por liberdade, igualdade, paz, amor.
Era tão moderno: pessoas com uma causa. Sensíveis. Idealistas. Apaixonadas. A paixão foi a primeira a cair em desuso, como uma ficha de orelhão. Sexo, nem se fala. Antes, falávamos bastante – e fazíamos.
Meu corpo segue aqui, mas minha cabeça já está acampada na clareira de uma floresta, no alto de uma cordilheira. Que os ursos não sejam tão predatórios quanto os novos tempos.