O que mais gosto dela são os seus anéis. Mentira. Tudo nela é fascinante. A voz e o que essa voz diz, a cabeça e o que essa cabeça pensa. Um mulherão, a minha amiga. Dona de anéis enormes: pedras roxas, cristais verdes. Sempre teve a mania de esticar o braço para olhar a própria mão. Linda mão, com dedos compridos, unhas bem aparadas.
Ela podia estar comentando sobre o discurso de um chanceler ou sobre o enredo de um filme, mas em algum momento dava uma espiadinha para sua mão, a fim de apreciá-la com distanciamento, como se faz quando queremos analisar melhor uma obra de arte.
As mãos, uma vez ela me disse, são importantes para tudo. Será? Começamos a listar, durante um almoço, as duas já meio altas. Para cozinhar. Se maquiar. Segurar um cálice. Tocar piano. Abanar. Entregar um presente. Levantar uma pessoa do chão. Mexer o café. Cafuné. Para bater à porta de alguém. Dirigir. Pedir silêncio. Desembaçar o espelho. Aplaudir. Iniciar um namoro (somos do tempo em que se pegava primeiro a mão antes de avançar).
Bastou tocarmos neste assunto para a conversa apimentar. Sexo é manual. A mão desliza pelo corpo e segura tudo o que pertence à intimidade daquele instante. Arranha, puxa, coloca, tira. Que escândalo, nossas risadas sem controle. Foi com minha mão levantada que atraí a atenção do garçom, enquanto minha amiga fazia a mímica clássica de pedir a conta, assinando uma nota no ar.
Há muitos anos que não nos encontramos, ela mora no Exterior. Outro dia, mandou por WhatsApp uma foto da sua mão, agora com dedos tortos e dramáticos, tomados pela artrose. Sua mão continua anatomicamente bela, preparada para agarrar a vida com fúria, mas os anéis foram recolhidos à gaveta e para minha amiga nada mais é trivial. Já não consegue desenroscar a tampa de uma garrafa plástica, nem segurar uma caneta com firmeza. Em nossas trocas de mensagens, agora ela erra ao digitar o emoji, quer encerrar o papo com um coração e manda um unicórnio.
Minha mãe também está com o indicador retesado e o “pai de todos” sem nenhuma autoridade. Quando vai comprar seus remédios, pede para o funcionário da farmácia abrir os frascos ali mesmo no balcão. Faz bem. Até eu, com os dedos ainda em bom funcionamento, tenho me desentendido com alguns lacres.
Enfim, são mesmo importantes para tudo. Para virar a página do livro. Sublinhar um trecho. Sentir a temperatura da testa de um filho. Trançar o cabelo da neta. Esculpir. Apontar uma estrela no céu. Espremer o limão. Puxar a coberta no meio da noite. Abrir a cortina. Tirar o carregador da tomada. Programar o micro-ondas. Passar a manteiga no pão. Catar milho no teclado do computador, e com apenas dois dedos, escrever uma crônica assim, sem propósito, puramente sentimental, como se tivesse sido escrita à mão.