O que eu mais queria, quando criança, era virar adulta. Quem escuta isso pensa que eu tive uma infância sofrida, só que não: correu tudo bem, com amor, estudos, lazer, amigos. Apenas tinha certeza de que seria mais feliz quando virasse “gente grande” e pudesse escolher livremente meus brinquedos favoritos. E deu-se como eu previa.
Pequena ainda, brincava de Suzi (a Barbie da época) e com outras bonecas. Brincava também com os brinquedos do meu irmão (carrinhos, forte-apache, mesa de botão) e gostava muito de atividades ao ar livre: andar de bicicleta, jogar caçador, pegar jacaré no mar (o nome das brincadeiras varia conforme a região do país). Mas algo me avisava que eu me divertiria ainda mais com o que viria pela frente.
Tudo começou com a máquina de escrever que ganhei aos 13 anos. Datilografar virou uma brincadeira tátil e sonora, e pensei em ser secretária quando crescesse. Por contingência do destino, acabei virando redatora publicitária, depois escritora e, por consequência, secretária de mim mesma – nunca mais desgrudei de um teclado. Se eu tivesse que escrever com caneta tinteiro, como os autores de antigamente, não persistiria na carreira literária.
O prazer transforma tudo o que faço numa atividade lúdica. Talvez esteja aí o segredo de considerar que a vida pode ser leve quase sempre, bastando encarar as tarefas inspirando-se naquela criatura que costumamos chamar de “nossa criança interior”.
Eu fugi de casa uma vez, devia ter uns sete anos. A aventura durou até eu dobrar a esquina
Quando estou no pilates, me divirto com os malabarismos exigidos (ainda que pragueje de vez em quando). Adoro fotografar, e eis que os smartphones e seus filtros nos deram a ilusão de ser um Cartier-Bresson. Ler é formidável, ainda mais com um lápis colorido na mão, assim posso marcar as passagens que me tocam e as verdades que me calam – muito melhor que desenhar, coisa que não sei fazer.
Eu fugi de casa uma vez, devia ter uns sete anos. A aventura durou até eu dobrar a esquina, quando fui resgatada antes de sumir no mundo: em 10 minutos, estava de volta ao meu quarto. Depois disso, fugi outras centenas de vezes (para Mykonos, Ouro Preto, Havaí, Japão, Florianópolis, Buenos Aires, Londres) sem que ninguém corresse atrás de mim. Foram escapadas igualmente palpitantes, com a vantagem de que duraram dias, semanas, meses, e não 10 minutos.
Acompanhar o florescer de uma orquídea, colocar uma mesa bonita para um jantar especial, dançar na sala, dirigir um carro numa estrada cinematográfica, dormir numa cama que não é a minha, passar um batom vermelho, escolher um colar para presentear uma amiga.
Meu espírito curioso e encantado continua onde sempre esteve – a não ser que se considere que adultos não devam mais brincar. Eu brinco o tempo todo, mesmo sendo tão difícil de explicar.