Já tem o aspirador que trabalha sozinho, a geladeira com internet para você pegar água enquanto pesquisa no Google, o controle universal com wi-fi que aciona a casa inteira. Nessas horas, sempre lembro da música da novela O Espigão, exibida quando eu era criança – portanto, há milhões de anos – e que tratava da especulação imobiliária em uma antecipação das mais sagazes do que estava por vir na vida real. Não por acaso, o autor era Dias Gomes.
Interrompemos nossa programação normal para falar de um caso dessa natureza, a demolição da casa do escritor Caio Fernando Abreu. O famoso sobrado colonial espanhol que pode ser encontrado em tantos textos do Caio. Segundo os órgãos públicos, a casa não tinha valor suficiente para entrar no inventário do bairro Menino Deus, o que asseguraria seu tombamento. Arquitetonicamente falando, talvez não tivesse mesmo. Mas é incrível como o poder público desconsidera que uma cidade também é feita de história e memória e saudade e delicadeza. A casa do escritor gaúcho cultuado no país inteiro, ponto de atração para os fãs que deixavam flores e velas em suas grades, caiu para, muito provavelmente, dar espaço a mais um prédio de pequenos estúdios sem espaço para nada. E preços que extrapolam, em muito, seus poucos metros quadrados.
A Associação Amigos de Caio Fernando Abreu, fundada justamente para tentar salvar a casa, fez o que pode em seus mais de 10 anos de luta. Mas manter um centro cultural não seria tão enriquecedor para a cidade — para alguns? — quanto mais um prédio igual a todos. Era sobre isso que a novela de Dias Gomes, que foi ao ar no longínquo ano de 1974, tratava.
Voltamos à nossa programação normal.
Não assisti à O Espigão, na época o tema não me interessava nadinha e a novela ia ao ar tarde demais para quem tinha aula no turno da manhã. A música dos créditos ouvia já na cama, segundos antes de apagar, na voz de Zé Rodrix. E nunca esqueci.
“Hoje eu não preciso mais coçar as costas / Inventaram o coça-costas eletrônico / Eu só fazia força / Quando ia abrir a porta da minha Mercedes / O único exercício que eu fazia / Era abrir a porta da minha Mercedes.”
O protagonista de O Espigão era um empresário rico que nem a porta da Mercedes abria mais, já que o motorista abria para ele. Mas o que me impressionou naquela música, em priscas eras, foi a possibilidade de, um dia, inventarem eletrônicos capazes de fazer tudo pela gente, e de um jeito à prova de erros.
Pois esse dia chegou.
Já existe o fogão eletrônico, que pode ser controlado a distância e manda notificação por celular quando a receita fica pronta. Alguns possuem câmeras no interior do forno, e você recebe as imagens no celular via bluetooth, acompanhando o preparo enquanto vê a novela.
Tem a máquina de lavar roupa “smart”, que também pode ser controlada a distância e escolhe sozinha os ciclos de lavagem conforme a cor e a sujidade das peças.
E a panela eletrônica com wi-fi? A conexão com a internet permite controlar as funções a distância por meio do smartphone. Feijão queimado e arroz empapado, nunca mais.
A maior parte dos eletrônicos ultrassofisticados ainda não está à venda aqui e custa uma fortuna. Mas em pelo menos um produto eletrônico o Brasil é o mestre da tecnologia. É uma caixinha pequena, com poucos botões, sem conexão com a internet, auditável e com todos os testes e procedimentos possíveis para garantir a segurança e a inviolabilidade antes, durante e após o uso.
O nome é urna eletrônica.
Pode acionar sem medo e com toda a confiança que a coisa tem sido testada e aprovada desde 1989, sem reclamações. Só que, diferentemente da panela que cozinha por conta própria, a urna eletrônica precisa que você faça a sua parte direito para o caldo não entornar de vez.
Por mais que a tecnologia evolua, tem coisas nessa vida que só a gente pode fazer pela gente.