Quatro juízes e uma juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos derrubaram na semana passada a lei de 1973 que permitia a prática do aborto no país. Quatro juízes e uma juíza com mais de 50 anos, situação financeira para lá de confortável, uns nomeados por Donald Trump, outros pelos Georges Bushes. Mais distantes dos problemas e das dores de quem se confronta com a necessidade de interromper uma gravidez, impossível.
Será feita a vontade deles.
Corta para o Brasil.
Também na semana passada, o caso da menina de Santa Catarina, grávida aos 11 anos por conta de um estupro, movimentou corações e redes. Rapidamente, a "Suprema Corte da Internet" formou com a juíza que queria que a criança levasse a gestação por mais algumas semanas, embora os riscos todos para a menina.
É como se diz: cidadão de bem está sempre preocupado com o feto. Criança em perigo, com fome, com frio, sem casa, sem escola, sem futuro, que se arranje.
A solução que a juíza de Tijucas queria dar ao caso era esperar o nascimento para entregar o bebê para adoção. “A tristeza de vocês é a felicidade de um casal”, lacrou ela para a mãe da menina, compulsoriamente afastada da filha e desesperada para interromper a gestação dentro dos instrumentos da lei.
A sensibilidade de advogados e juízes que defenderam o direito da criança foi mais forte que as vontades da juíza, aliás, já promovida e afastada do caso. Mas ficou um amargo na garganta de quem vociferava pela não interrupção: custava esperar mais um pouquinho e entregar o bebê para adoção?
Passam-se uns dias, outro caso estremece a internet.
Uma atriz de 21 anos, também grávida por conta de um estupro, decide levar a gestação até o fim e entregar o bebê para adoção — sonho dos militantes pela vida do parágrafo ao lado. Porque ela é uma pessoa conhecida, a coisa vaza e, depois de o marido de uma enfermeira tentar vender a informação, ela acaba publicada por um colunista especializado em televisão e miséria humana. Uma cidadã de bem, sempre em busca de holofotes, pega carona no assunto para se promover. E pronto. A atriz se vê obrigada a revelar publicamente a sua versão dos fatos, na tentativa de pôr fim ao massacre.
O veredito da internet não demorou a sair. Onde já se viu levar a gestação até o fim e depois passar a criança adiante?
Moral da história: essa história não tem moral. Julgou-se que a menina estuprada de Tijucas devia dar o bebê para adoção, mas da atriz estuprada esperava-se, no mínimo, um belo chá de fraldas nas páginas da Caras.
Depois dos casos acima, os militantes pela vida foram obrigados a abandonar temporariamente suas pregações para fiscalizar as intimidades alheias. Veio o Dia do Orgulho LGBT+ e, se você quiser manter seu bom humor, nunca leia os comentários em matérias com temáticas gays, trans e outras. Ninguém merece.
Uma coisa não se pode negar, os juízes da vida alheia não descansam nunca. Estão sempre na ativa. Até porque, na passiva, eles não gostam.
Vai vendo, Brasil.