Nos tempos em que eu trabalhava em agência de propaganda, havia um colega que era o terror das mulheres de todos os departamentos. O vivente, que nem cargo de chefia tinha, era só mais um no organograma, entrava nas salas, escolhia uma vítima e ia até ela, determinado. O alvo era sempre alguma funcionária que ou fazia seu trabalho, distraída, ou que tinha cometido o lamentável equívoco de olhar para a porta no momento em que ela se abriu e o sujeito apontou no recinto.
Em qualquer dos casos, a vítima passava a receber, não que quisesse, uma massagem nas costas, nos ombros, na nuca, no alto do cocuruto. O inverno ainda trazia o consolo das camadas de roupa separando a pele dos dedos pretensamente agradáveis do infeliz. No verão, o pavor era maior, as duas mãos do cara indo e vindo pelo corpo que só estava ali para um único propósito, trabalhar.
A gente comentava sobre isso, reclamava disso, sofria com isso, mas aguentava como se fosse uma parte chata das tarefas diárias. No máximo, grudava na cadeira quando ele chegava, deixando um mínimo de costas à disposição das mãos indesejadas, ou então vazava com a desculpa de ir ao banheiro ou pegar um café, deixando o elemento a falar de futebol com os homens da sala.
Saía-se daquelas tão breves quanto intermináveis sessões de massagem com a paleta doída e o pescoço torto, de tanto que os músculos se retesavam em protesto ao toque que não pediram. O que mais me espanta hoje é que nunca ocorreu, nem a mim, nem a nenhuma das minhas colegas, tomar uma atitude para interromper aquilo, gritar, botar o cara para correr, atirar água nele, fazer uma queixa no RH, qualquer coisa assim. E isso que ele não passava de um colega, inclusive menos graduado que muitas de nós. Imagine se fosse o dono ou um dos diretores.
É por isso que muito me espantam os defensores do presidente defenestrado da Caixa Federal, que abusava das funcionárias com a prerrogativa de ser o todo poderoso da coisa toda. Se era difícil reagir aos avanços de um mero colega, imagine rechaçar seu chefe supremo — sujeitinho bem pernicioso, pelo que se sabe agora. Para salvar a pele do tarado, logo começaram as fake news. Uma mulher mais velha, representante das funcionárias, virou motivo de chacota, apontada como uma das assediadas para descredibilizar as denúncias. Só não dá para dizer que é estratégia de quinta série porque a quinta série é bem mais criativa que isso.
As denúncias de assédio sexual trouxeram junto histórias cabeludas de assédio moral, além de maracutaias diversas do ex-presidente da Caixa. Dificilmente essa regra falha: quem posa de exemplo irretocável acaba gabaritando no combo treta. Subvertendo a lógica da mulher de César, não basta ao cidadão de bem parecer honesto. Ele tem que ser. Ou deveria.
Bem que as funcionárias da Caixa tentaram denunciar antes, mesmo com seus cargos em jogo, mas a ouvidoria do banco fez ouvidos moucos. Só foi recuperar o histórico de denúncias agora, que a bomba estourou. Fico imaginando se alguém chegasse pelos ombros das minhas sobrinhas para fazer uma massagem que elas não querem receber. Coi-ta-do.
A parte boa disso tudo é que as meninas e as jovens de agora não estão dispostas a aguentar situações desse tipo caladas. De gritaria na hora a textão no Instagram, tarados não passarão impunes. De alguma forma, isso serve de alento para todas as mulheres que foram assediadas no passado.
Que sirva de inspiração, ou pelo menos de aviso, aos homens.