This Much I Know To Be True. No documentário em cartaz no serviço de streaming Mubi, e que eu aqui traduzo porcamente por Isso Eu Sei Que É Verdade – acredito que deva haver mais poesia no original do que o meu inglês alcança, acompanhamos um pouco da relação criativa entre Nick Cave e seu parceiro musical de décadas, Warren Ellis.
Para não parecer que essa é uma coluna esnobe sobre um artista que nunca chegou a ser popular, e um documentário que talvez não mobilize multidões, explico. Sou fã de Nick Cave desde os anos 1980. Tudo o que ele faz me interessa, seus discos, filmes, livros, enfim, o homem é um artista completo. Nick Cave perdeu dois filhos de forma trágica em apenas sete anos. Essas perdas, esse luto que não passa, se refletem de várias formas nos trabalhos dele a partir de 2015.
Depois dessa breve explicação, corta para This Much I Know To Be True, o documentário em cartaz no Mubi. Já quase no final do filme, Nick Cave diz que teve um tempo em que se apresentava como cantor, compositor, roteirista. Não faz muito, percebeu que essas coisas todas não significam o que ele é, são apenas as ocupações dele. E passou a se apresentar como pai, marido, amigo, um cidadão que canta, compõe, escreve, filma.
É aí que eu queria chegar.
Antes de ser um cantor, um desembargador, um médico, um engenheiro, o que for, os homens deveriam se enxergar como pais, maridos, amigos, cidadãos. Aqui me refiro aos homens porque os tristes acontecimentos dos últimos dias, todos eles, tiveram protagonistas masculinos. A autodefinição do Nick Cave deixa no ar o quanto certos absurdos poderiam ser evitados se os homens se enxergassem assim. Maridos, pais, filhos, amigos, cidadãos.
Bem diferente do que se tem visto.
Os que querem desmatar, garimpar, pescar, se apropriar da terra sem regra e sem limite, o que inclui matar quem se atravessar no caminho.
O policial – que deveria trabalhar pela segurança das pessoas – invade uma festa que não lhe diz respeito, deixa quatro crianças sem pai, uma viúva e um país inteiro em choque.
O tarado vestido de médico estupra mulheres prestes a dar à luz, sedadas por ele mesmo. Em que filme de terror, em que submundo da ficção alguém conseguiu imaginar coisa tão cruel e tão bizarra?
O deputado federal que comemora 38 anos assoprando as velinhas em um bolo decorado com um três-oitão, e ao lado da filha pequena.
O presidente que não se solidariza com nada, nada, nada, como se a dor tivesse orientação política.
Além de toda a beleza do documentário que fala sobre fazer música através do talento de dois artistas, e o parceiro Warren Ellis brilha tanto quanto seu comparsa Nick, This Much I Know To Be True também traz essa brisa de humanidade que anda fazendo tanta falta. É um consolo.