Todos com a segunda dose da vacina no braço, todos vivendo dentro dos novos protocolos para se estar vivo. Todos observando rigorosamente o distanciamento, o uso de máscaras, o álcool em gel e a higienização quase obsessiva. Nenhum deles jamais visto em uma daquelas aglomerações da Padre Chagas ou da Fernando Machado – as que mostram que, à noite, todos os gatos são parvos.
Combinaram de se encontrar para o primeiro jantar desde o início da pandemia no único apartamento que tinha uma área aberta, sacada onde mal cabia uma mesa, mas ainda assim com ar livre para circular e acalmar os mais preocupados. Eram seis no começo, continuaram sendo seis dois anos de pandemia depois, mas não sem perdas. O avô e o tio de uma, a mãe de outro, amigos e conhecidos não resistiram ao vírus e ao atraso na chegada das vacinas.
Atraso, vírgula. Descaso. Um crime, e nem dá para dizer que tenha sido culposo.
A casa passou o dia inteiro sendo arrumada com o esmero que as grandes ocasiões merecem. Conheci uma senhora que dizia que as melhores louças, toalhas e comidas deveriam ser destinadas à família, o grupo de fortes que está presente todos os dias, nas boas e nas ruins. É um ponto de vista, mas não o que acontece na maioria dos casos. O que existe de mais especial é em geral reservado para as visitas. Foi um tal de pedir prato vintage emprestado para lá, comprar velinhas para cá, escolher flores, tirar da gaveta os guardanapos de pano com cheiro de jantares passados. Por mais que se lavem os guardanapos de pano, parece que eles sempre guardam as lembranças de outras noites. Nada a ver com as manchas no tecido, são marcas na memória mesmo.
O que servir é sempre uma questão das mais trabalhosas. Há o que só come bife com batata frita. Há o que não pode ver um cogumelo que quase desmaia. Há o intolerante a glúten, à lactose ou a ambos. Há o vegetariano recém convertido, e foi aí que o cardápio se decidiu. Aproveitando que o preço da carne passou de qualquer limite, alguém teve a ideia de fazer uma massa com hortelã e queijo cottage – a sofisticação que cabe no bolso. Os vinhos estavam em oferta no supermercado – e, no dia seguinte, todos sentiriam o efeito de um ótimo português com o preço pela metade. Os copos não ficariam vazios até que o último se fosse.
Não tem sobremesa, lá pelas tantas a anfitriã lembrou, logo percebendo que essa era uma preocupação menor diante do que de doce a noite prometia. Mas é preciso pensar no jantar da Aurora. O que a gente vai oferecer para ela?
Aurora, uma das cachorras mais maravilhosas de todos os tempos.
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Agora o primeiro jantar desde que a pandemia começou já aconteceu, uma reunião de pessoas que se gostam há muito e que completaram quase dois anos sem um abraço. Nunca tantas mensagens trocadas, tantos áudios, tanto amor transbordando pelo WhatsApp – que felizmente não tem espaço só para os gabinetes do ódio. Se um dia a vida voltar a uma normalidade que tem tudo para nunca mais ser tão normal assim, que essas sejam as melhores recordações desses tristes tempos.